Entrevista: ‘O fascismo sempre tenta usar crises para alimentar a ideia de que você precisa de um líder forte’, diz Jason Stanley

O autor de ‘Como funciona o fascismo’ e professor de Yale explica como líderes distorcem crises – como o coronavírus – para fortalecer sua visão de mundo.

Jason Stanley explica como o fascismo distorce crises, como o coronavírus, em benefício próprio.

A crise do coronavírus

Parte 41


O professor Jason Stanley foi a primeira pessoa que eu não cumprimentei com um aperto de mãos em muito, muito tempo. Nos encontramos na última sexta, 13, no Instituto Moreira Salles em São Paulo. Ele veio a convite da revista Serrote, que organizou o Festival Serrote para debater o mais importante, que é o de sempre: cultura, política e sociedade. Naquele dia, o Ministério da Saúde havia confirmado o primeiro caso de transmissão comunitária — de um morador local para outro — do novo coronavírus no Brasil.

Havia um clima ainda de normalidade na Avenida Paulista, mas já começava a aparecer alguma ansiedade sobre cancelar ou não eventos no fim de semana. O Ministério da Saúde recomendou o “cancelamento ou adiamento de eventos com grande participação de pessoas”, enquanto o presidente Jair Bolsonaro tentava ao mesmo tempo um golpe contra o Congresso e o STF, e contrair e espalhar o vírus que sua comitiva importou dos EUA.

Entre uma dose de álcool gel e outra, conversamos sobre o livro, Como Funciona o Fascismo, de 2018, em que o filósofo e professor de Yale busca as similaridades entre as diferentes experiências históricas com o totalitarismo de direita para categorizar métodos e instâncias do mecanismo político. Para Stanley, o fascismo envolve uma disposição dos cidadãos “a falar sobre seus semelhantes de maneiras incompatíveis com a democracia. Eles estão aprendendo a falar sobre pessoas como se não fossem seus concidadãos, mas inimigos mortais, mal puro, ameaças que devem ser enfrentadas e eliminadas para que a tradição seja salva”.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

O aparente colapso das forças institucionais políticas do Brasil, que já naquela sexta 13 se revelava, foi assunto também. O professor ressaltou que esse mesmo colapso também tem a sua função estratégica. “A política fascista sempre tenta usar crises, porque ela quer alimentar a ideia de que você precisa de um líder forte para protegê-lo. Esse líder precisa ser competente, para projetar que eles são as pessoas certas para protegê-lo. O que eles vão fazer é inverter qualquer crise a seu próprio favor, a favor de sua ideologia”, explica.

Stanley também comentou sobre as raízes fascistas dos EUA e do Brasil, e como seus atuais presidentes as usam e as distorcem para alimentarem uma máquina geradora de mitos antidemocráticos. “Acho que Bolsonaro não é um intelectual como alguns dos integralistas — [Plínio] Salgado é o exemplo mais óbvio. Mas se você tirar o anti-semitismo de Salgado e [Gustavo Dodt] Barroso por exemplo, você terá um Bolsonaro”, compara. “O anticomunismo é o que mantém o fascismo unido, pintando seus oponentes como comunistas. O fascismo representa democracias não comunistas como comunismo, e depois diz que você precisa de um líder fascista forte para acabar com isso.”

Entre a nossa entrevista e o debate no sábado (14), a comoção em volta do coronavírus começou a tomar forma. Stanley, no sábado, participou do debate, que teve o seu público reduzido já por conta das medidas de contenção. Na entrevista, pedi para que ele arriscasse uma visão sobre os possíveis desdobramentos da pandemia. Missão ingrata, mas ele aceitou: “O objetivo de muitos desses governos é mostrar que governos são incompetentes, que o setor privado tem que fazer tudo. Então, se você falir o governo, surgir uma crise, e o governo for incompetente, na verdade eles estão provando as suas próprias ideologias. Receio que tenhamos chegado nesse momento. O que vai acontecer é que, se o vírus sair do controle, algo que temo que vai acontecer, espero que alguns de seus apoiadores percebam que fechar as fronteiras, ultra-nacionalismo, China, nada disso é relevante para resolver o problema.”

https://twitter.com/jasonintrator/status/1238681664869416961

Assista a entrevista completa acima.

A VIRADA COMEÇA AGORA!

A virada começa agora!
Todo fim de ano traz metas pessoais. Mas 2026 exige algo maior: metas políticas — e ação imediata.
Qual virada você quer para o Brasil?
A que entrega ainda mais poder à direita para sabotar o povo — ou a virada em que eles ficam longe do Congresso, do Senado e da Presidência?
Eles já estão se movendo: o centrão distribui emendas para comprar apoio, as igrejas fecham pactos estratégicos, as big techs moldam os algoritmos para favorecer seus aliados, e PL, Republicanos e União Brasil preparam o novo candidato queridinho das elites.
E tudo isso fica fora dos holofotes da grande mídia, que faz propaganda fantasiada de jornalismo — sempre servindo a quem tem dinheiro e poder.
Aqui não. No Intercept Brasil, suas metas de ano novo para o país também são as nossas. Estamos na linha de frente para expor esses projetos de poder e impedir que 2026 seja o ano da extrema direita.
Mas essa virada depende da mobilização de todos.
Para continuar investigando — e desmontando — cada etapa dessa articulação silenciosa, precisamos da sua doação.
E ajude a conquistar as metas que o Brasil precisa.
Fortalecer o jornalismo independente que não deve nada a políticos, igrejas ou empresas é a única forma de virarmos o jogo.

Doe Agora

Entre em contato

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar