Quase tudo o que você sabe sobre a midiática operação que prendeu "159 milicianos" está errado

Para o general secretário de Segurança do Rio, uma operação exitosa se faz prendendo oito menores, um artista de circo de renome internacional e dezenas de inocentes.

Quase tudo o que você sabe sobre a midiática operação que prendeu "159 milicianos" está errado

A polícia chegou na festa na madrugada de 7 de abril, quando a casa de shows estava lotada. Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, de onde as milícias partiram, em meados dos anos 1990, para dominar a cidade e se tornar uma força mais potente do que as históricas facções do tráfico de drogas. Formadas por policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, fora de serviço ou ainda na ativa, elas dominam bairros inteiros e, além de atuar no tráfico, cobram também por serviços como gás, luz, televisão a cabo, vans do transporte alternativo e proteção.

Na ação daquela madrugada, os agentes mataram quatro pessoas ainda do lado de fora da festa. Os tiros causaram pânico e correria. Ao entrar, mandaram todas as mulheres embora, ordenaram que os homens deitassem no chão, de bruços e sem camisa. Poucas horas depois, imagens de ônibus cheios de jovens tranquilos e sem algemas já estavam nos jornais matinais de TV. Sem qualquer questionamento. “A Polícia Civil acabou com a festa da milícia.” À noite, foi destaque no Jornal Nacional. Sem investigação própria, o programa decretou: “Bandidos que fazem parte da principal milícia do Rio aproveitavam a noite em um sítio, em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.”

O secretário de Segurança Pública do Rio, o general Richard Nunes, nomeado pela intervenção militar federal, estava contente. Em uma entrevista coletiva, ele disse:

“Essa é uma semana muito exitosa para a segurança pública do nosso estado. A intervenção federal começa a apresentar resultados positivos. Foram diversas apreensões, diversas operações bem sucedidas e essa, sem sombra de dúvida, foi a mais exitosa.”

É difícil saber o que o general acredita ser “exitoso”. Fato é que “a maior operação contra as milícias” já feita no Rio de Janeiro foi apenas mais um show para a televisão, como tem sido a intervenção. A polícia não prendeu 159 milicianos. A polícia entrou em uma festa – promovida por uma estação de rádio, com ingresso, anúncio nas redes, pulseirinha – e prendeu indiscriminadamente todos os homens que nela estavam.

O que menos há, entre os presos, são milicianos: talvez uma dúzia, ainda não se sabe. Pior: há suspeitas de que o chefe de uma quadrilha estivesse no local. Se realmente estava, Wellington da Silva Braga, o Ecko, fugiu.

The Intercept Brasil foi atrás dos familiares de alguns presos. Oito menores também foram apreendidos e vendidos para a imprensa como milicianos – um deles falou conosco, seu depoimento está no vídeo acima. A Defensoria Pública está cuidando do caso de 25 pessoas, e deve ouvir mais vítimas nesta semana. Um deles é Pablo Dias Bessa Martins, artista de circo que estava com viagem programada para a Suécia, onde iria se apresentar. O ator Marcos Frota o conhece, e fez um apelo para que ele seja solto.

A intervenção federal militar no Rio de Janeiro é exitosa.

Nem todo mundo pode se dar ao luxo de pagar por notícias neste momento.

E isso está tornando cada vez mais difícil financiar investigações que mudam vidas.

A maioria dos jornais lida com isso limitando o acesso a seus trabalhos mais importantes por meio de assinaturas.

Mas no Intercept Brasil, acreditamos que todos devem ter acesso igual à informação.

Se você puder, há muitos bons motivos para nos apoiar:
1) Nosso objetivo é o impacto: forçamos os ricos e poderosos a respeitar pessoas como você e a respeitar a lei
2) Somos financiados pelos leitores, não por corporações, e somos sem fins lucrativos: cada real vai para nossa missão de jornalismo sem rabo preso, não para pagar dividendos
3) É barato, fácil e seguro e você pode cancelar quando quiser

Escolha fortalecer o jornalismo independente e mantê-lo disponível para todos com uma doação mensal. Obrigado.

FAÇA PARTE

Faça Parte do Intercept

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar