'Esse negócio de liberar arma vai criar um campo de guerra': acompanhamos a primeira eleição de jovens infratores

Acompanhamos a primeira eleição de internos da Fundação Casa, em São Paulo. Na estreia nas urnas dos adolescentes, duas preocupações: educação e segurança pública.

'Esse negócio de liberar arma vai criar um campo de guerra': acompanhamos a primeira eleição de jovens infratores

Eleições 2018

Parte 28



Esta reportagem foi financiada por nossos leitores


Julia, Amanda, Laura, Felipe, Bruno e Carlos* são jovens que votaram pela primeira vez em 2018. Todos estavam animados com a possibilidade. As meninas participaram de uma roda de conversa sobre política. Os meninos tentavam entender o funcionamento da urna e o discurso dos candidatos. Os seis estão presos. Numa situação onde estão impedidos de escolher a roupa, a comida e até mesmo o corte de cabelo, exercer o direito ao voto é um exercício de liberdade.

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Os adolescentes cumprem medida socioeducativa na Fundação Casa, em São Paulo. Hoje, o sistema de reinserção social de jovens infratores no estado abriga 8.599 jovens entre 12 e 20 anos. Tráfico de drogas e roubo são as infrações mais recorrentes.

A maioria dos internos são homens, negros e maiores de 16 anos – portanto, aptos a votar. Mas o número que teve acesso às urnas no dia 7 de outubro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, é muito menor: 1.424 (incluindo mesários e funcionários).

Nós acompanhamos o programa Jovens Defensores Populares, da Defensoria Pública de São Paulo, que visa discutir questões de cidadania e direitos com os internos.

O tema do primeiro encontro foi “Cidadania nas urnas”. Na roda de conversa, o assunto são as propostas dos candidatos nas áreas que mais afetam os jovens internos: educação e segurança pública. “A criminalidade está como está hoje porque os adolescentes não tiveram muita chance de escolha”, me disse Julia, de 18 anos. Felipe, da mesma idade, se preocupa com a possibilidade de revogar o Estatuto do Desarmamento. “Esse negócio de que vai liberar arma para a população vai virar um campo de guerra, uma pessoa matando a outra.”

Os jovens que votaram dentro da Fundação Casa são exceção no Brasil. O direito ao voto está assegurado a presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda não foram julgados ou cujo processo aguarda recurso, além dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa. Mas só uma pequena parte dos presos consegue de fato votar. Das 300 mil pessoas presas em situação provisória, 12.346 votaram no primeiro turno das eleições, segundo o TSE. É apenas 3,92% do total.

‘Se nós queremos devolver um adolescente recuperado, o direito ao voto é muito importante’, diz Flávio Gomes, diretor da unidade.

Os gargalos que impedem o acesso às urnas vão desde a dificuldade em regularizar o título eleitoral até a falta do número mínimo de 20 eleitores aptos por unidade. Nesses casos, o cartório eleitoral e a unidade onde o eleitor está preso deveriam providenciar a transferência de título, mas nem sempre isso acontece. Além disso, há também a dificuldade em ter acesso às informações sobre as propostas e os planos dos candidatos, essenciais para a escolha do voto.

Nas unidades em que acompanhamos, Fernando Haddad, do PT, teria sido eleito em primeiro turno, com 52,72% dos votos válidos. Em seguida, aparecem o candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, com 20,72%; Ciro Gomes, do PDT, com 10,15%. No socioeducativo paulista, candidatos de centro e esquerda, como Marina Silva, Guilherme Boulos e Vera Lúcia, conquistaram um percentual superior ao registrado pelo TSE na apuração nacional.

Jair Bolsonaro é conhecido por suas posições duras em relação à segurança pública, como a redução da maioridade penal – que colocaria os adolescentes que conversamos em prisões comuns – e o fim dos indultos, progressão de pena e saídas temporárias. Fernando Haddad promete uma revisão da política de drogas, que hoje inclui a prisão para porte de pequenas quantidades de droga, implementação de penas alternativas e o enfrentamento do “encarceramento em massa, sobretudo o da juventude negra e da periferia”.

*Os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos adolescentes e jovens.

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