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Eleitores dos EUA querem fim do apoio a Israel, mas Partido Democrata ignora

Pesquisas mostram que eleitores querem cessar-fogo e fim da ajuda militar a Israel, mas Partido Democrata insiste na parceria com Netanyahu.

Manifestante usa broche com os dizeres "Maioria Democrata pela Palestina" na convenção do Partido Democrata dos EUA, em 22/08/2004, em Chicago.

Quando Kamala Harris foi entrevistada no mês passado por Dana Bash, da rede CNN, a entrevistadora perguntou: “você suspenderia parte das remessas de armas dos EUA para Israel? É isso que muitas pessoas da esquerda progressista querem que você faça.”

Harris desviou da pergunta, falou sobre cessar-fogo, e acabou dizendo que não mudaria o rumo das políticas do governo Biden sobre o envio de armas para Israel, agora que a guerra em Gaza entra no 11º mês.

Mas as pesquisas com o eleitorado estadunidense mostram que ela está ignorando mais do que a “esquerda progressista”: a maioria dos eleitores apoia o fim do envio de armas para Israel, e o apoio a um embargo de armas vem crescendo.

“A realidade é que a opinião pública é muito mais favorável a suspender a venda de armas para Israel do que o contrário”, disse ao Intercept dos EUA o coordenador do Programa Palestina/Israel no Centro Árabe de Washington, Yousef Munayyer. Ele apontou para uma pesquisa da emissora CBS em junho, que mostrou que 61% de todos os estadunidenses consideravam que os EUA não deveriam enviar armas para Israel, incluindo 77% dos democratas e quase 40% dos republicanos.

Os resultados das pesquisas vêm sendo consistentes há meses.

Desde o início da guerra em Gaza, a maioria dos estadunidenses já manifestou apoio, em reiteradas pesquisas de opinião, a algum tipo de restrição ao envio de armas pelos EUA a Israel. Os estadunidenses são a favor de um cessar-fogo de forma ainda mais esmagadora.

Dentre a série de pesquisas mais consistentes sobre a questão do envio de armas para Israel está a da emissora CBS News, que fez uma parceria com a YouGov, uma organização de análise de dados, para realizar sua sondagem. Aproximadamente duas semanas após os ataques de 7 de outubro pelo Hamas, quando os bombardeios de Israel já haviam matado mais de 2 mil civis em Gaza, uma pesquisa da CBS com mais de 1.800 americanos revelou que 52% dos adultos diziam que os EUA não deveria enviar armas para Israel. Esse total incluía uma grande maioria entre democratas e independentes, e 43% dos republicanos.

Em abril deste ano, a CBS News/YouGov fez a mesma pergunta em uma nova pesquisa, e descobriu que um número ainda maior de americanos (60%), incluindo 68% dos democratas, dizia considerar que os EUA não deveriam enviar armas a Israel. A pesquisa foi realizada dias depois de um ataque israelense que matou sete trabalhadores humanitários em um comboio da organização Cozinha Central Mundial, claramente identificado.

E em junho, quando mais de 30 mil palestinos já haviam sido mortos e Israel continuava suas operações em Rafah, onde muitos civis de Gaza haviam se refugiado, desencadeando a campanha de redes sociais “Todos os Olhos em Rafah”, uma terceira pesquisa da CBS News aparentemente cristalizou a oposição dos americanos à ajuda militar a Israel: 61% dos adultos do país defenderam a interrupção das transferências de armas para Israel, incluindo 77% dos democratas.

Nos estados indecisos, fundamentais nas eleições, o apoio ao fim das transferências de armas também é muito grande, segundo as últimas pesquisas.

Uma pesquisa publicada esta semana pelo libertário Instituto Cato revelou que a maioria dos prováveis eleitores em alguns estados indecisos no “cinturão da ferrugem”, uma região que sofre com a desindustrialização, são favoráveis a impor condições para a ajuda militar a Israel, ou totalmente contrários ao envio de ajuda. As apurações mostram 61% de apoio no estado de Wisconsin, 56% em Michigan, e 51% na Pensilvânia.

Outra pesquisa de agosto, encomendada pelo Projeto de Políticas do Instituto para Compreensão do Oriente Médio e realizada pela YouGov, mostrou que a maioria dos eleitores da Pensilvânia (57%) e uma parcela significativa dos eleitores nos estados indecisos do Arizona (44%) e da Geórgia (34%) declararam que estariam mais propensos a votar em Harris se os EUA interrompessem o envio de armas a Israel.

Outra pesquisa focada nos estados indecisos, em maio, encomendada pela organização Ação dos Americanos pela Justiça na Palestina, e conduzida pela YouGov, também revelou que 2 entre cada 5 democratas e independentes nos estados de Wisconsin, Arizona, Michigan, Pensilvânia, e Minnesota declararam que um cessar-fogo imediato e permanente e a imposição de condições para a ajuda a Israel tornariam mais provável votarem no então candidato Joe Biden.

“Isso não é uma questão da ‘esquerda progressista’: a grande maioria dos democratas apoia o fim da venda de armas para Israel”, diz Munayyer. “É uma posição consolidada, como eu acho que deveria ser para qualquer pessoa razoável que assista o que está acontecendo em Gaza, que não deveríamos continuar a financiar isso, não deveríamos continuar apoiando isso.”

Apesar da popularidade da ideia de restringir o acesso de Israel às armas estadunidenses, o governo Biden continuou a injetar milhões de dólares em ajuda militar para Israel, incluindo milhares de bombas de 2 mil libras, e um pacote de 20 bilhões de dólares (113 bilhões de reais) em armas foi aprovado no mês passado. O governo ignorou os apelos dos senadores do Partido Democrata para suspender a ajuda, além das provas confiáveis das violações de direitos humanos praticadas pelos militares israelenses. Biden suspendeu brevemente a transferência de munições em maio enquanto Israel preparava uma ofensiva em Rafah, onde 1 milhão de palestinos haviam se refugiado, mas reverteu seu posicionamento em seguida por pressão do lobby pró-Israel dentro do partido. Na Convenção Nacional do Partido Democrata, dirigentes do partido se recusaram a reservar espaço no palco para a fala de algum dos 200 delegados do movimento “Não comprometidos” (Uncommitted), ou dos delegados favoráveis a Kamala que apoiam o cessar-fogo e um embargo de armas. A entrevista de Harris à CNN aparentemente esfriou o otimismo cauteloso daqueles que esperavam que ela se afastasse das políticas de seu chefe.

Mesmo com a energia renovada dentro do Partido Democrata desde que Biden desistiu da candidatura, Harris continua em um empate técnico com o ex-presidente Donald Trump. A pesquisa nacional feita essa semana pelo New York Times e o instituto de pesquisa Siena College mostrou 47% dos possíveis eleitores apoiando Harris, enquanto Trump angariava 48% de apoio.

Os defensores de um embargo de armas pelos EUA frequentemente mencionam a lei Leahy, promulgada em 1997, que proíbe o Departamento de Estado de enviar ajuda militar para qualquer força de segurança estrangeira que esteja violando a legislação de direitos humanos. Em março, um grupo de senadores, que incluía Bernie Sanders, independente pelo estado de Vermont, e Chris Van Hollen, do Partido Democrata de Maryland, mencionou a Lei de Assistência Externa, de 1961, que proíbe a ajuda militar para países que bloqueiam ajuda humanitária. Eles estavam respondendo aos indícios e alegações de que o Gabinete do primeiro-ministro israelenses Benjamin Netanyahu estaria impedindo a entrada de ajuda humanitária dos EUA em Gaza.

Os dados das pesquisas se acumulam ao longo de muitos meses. Uma pesquisa do instituto de esquerda Dados pelo Progresso mostrou em dezembro que 63% dos eleitores concordavam que a ajuda militar deveria estar condicionada ao cumprimento por Israel dos padrões de direitos humanos dos EUA. Em março, 52% dos estadunidenses disseram que Biden deveria interromper as transferências de armas para Israel, segundo uma pesquisa do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas.

Em junho, outra pesquisa do mesmo instituto revelou que a maioria dos americanos (53%) apoiava suspender a ajuda militar a Israel caso o país não aceitasse um acordo de cessar-fogo. 70% dos eleitores do Partido Democrata e 53% dos indecisos apoiavam essa medida. A pesquisa foi realizada aproximadamente um mês depois que Netanyahu rejeitou um acordo de cessar-fogo, mesmo após o Hamas aceitar seus termos.

Uma pesquisa com mais de 2 mil estadunidenses realizada pelo Instituto Árabe Americano no intervalo entre as convenções nacionais do Partido Republicano e do Partido Democrata, no final de julho e começo de agosto, mostrou que o apoio a Harris subiria de 44% para 49% se ela suspendesse os envios de armas e interrompesse o apoio diplomático a Israel até que houvesse um cessar-fogo e a retirada das tropas de Gaza.

Mais recentemente, uma pesquisa feita em agosto pelo Conselho de Assuntos Globais de Chicago mostrou que a maioria (53%) dos americanos, incluindo 68% dos eleitores do Partido Democrata, considerava que os EUA deveriam restringir a ajuda militar a Israel, para que ela não pudesse ser usada em operações militares contra os palestinos. Uma pesquisa da mesma instituição no começo de julho mostrou que o apoio à restrição de ajuda militar era ainda maior entre as pessoas racializadas, incluindo os entrevistados que se declaravam negros, hispânicos, asiáticos, ou havaianos/originários das ilhas do Pacífico. A pesquisa de agosto, no entanto, revelou que 60% dos americanos apoiariam a ajuda militar a Israel até que os reféns levados pelo Hamas fossem libertados.

O apoio a um cessar-fogo foi considerado por meses uma questão controversa entre os parlamentares dos EUA, mas agora se tornou um tópico comum entre as lideranças do Partido Democrata, embora os críticos digam que ele está sendo usado para afastar a responsabilidade pela guerra em curso em Gaza. Desde o começo do ano, o tema também tem sido consistentemente popular entre os estadunidenses. Já no começo de janeiro, uma pesquisa da Associated Press mostrou que metade dos americanos consideravam que Israel havia ido longe demais na guerra, chegando a 63% entre eleitores do Partido Democrata.

Pesquisas feitas em maio, junho e agosto mostram que a maioria dos entrevistados apoiavam um acordo permanente de cessar-fogo, sendo que muitos consideravam que os EUA deveriam reduzir o envio de armas para chegar a esse resultado.

Uma série de pesquisas da Gallup mostrou que a postura dos estadunidenses em relação às operações israelenses em Gaza também mostra uma progressão gradual no sentido da reprovação à guerra. Em novembro, 50% dos entrevistados declaravam apoiar a guerra de Israel, sendo que, entre os eleitores do Partido Democrata, 63% manifestavam reprovação. Cerca de quatro meses depois, a situação se inverteu, e a maioria (55%) dos americanos disse reprovar as operações de Israel, segundo uma pesquisa da Gallup em março. Embora uma pesquisa em junho tenha mostrado que a proporção total de reprovação caiu para 48%, ela continuou firme entre os democratas (77%) e aqueles que se declaram independentes (66%).

Um ponto fora da curva nas pesquisas de opinião entre os estadunidenses sobre o envio de armas a Israel foi a pesquisa de março do conservador Centro de Pesquisas Pew, que mostrou que apenas 35% dos entrevistados se opunham à ajuda militar. A pesquisa, no entanto, também mostrou que um grande número de democratas (44%) e a maioria dos liberais (54%) se opunham à ajuda militar a Israel.

No início deste mês, o Reino Unido rompeu com os EUA e anunciou que proibiria alguns envios de armas para Israel. O número, no entanto, é mínimo: foram suspensas 30 das 350 licenças de armamento. Outros países que estão suspendendo o apoio militar a Israel são Itália, Bélgica, Canadá, Países Baixos, e Espanha, que também proibiu os navios que transportam armas para Israel de atracarem em seus portos.

Após a entrevista de Harris para a CNN, Matt Duss, vice-presidente executivo do Centro de Política Internacional e ex-assessor de política externa de Bernie Sanders, disse ao Intercept que a questão de restringir o fornecimento de armas a Israel não começou depois de 7 de outubro, mas já vinha sendo uma medida popular dentro do partido há bem mais tempo.

“Isso não é novo, não é uma mudança radical, é uma tendência consistente que vemos há anos entre os eleitores democratas”, diz Duss.

Antes de 7 de outubro, as preocupações se concentravam principalmente em torno da ocupação de Israel na Cisjordânia, na expansão contínua dos assentamentos, e nos indícios de violações aos direitos humanos pelos militares israelenses em território ocupado. Em 2020, pelo menos os então candidatos à presidência Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Pete Buttigieg, e Julian Castro já sinalizavam apoio ou manifestavam interesse em impor condições à ajuda, para que não incentivasse a anexação de mais terras na Cisjordânia ocupada.

E na noite das eleições de 2020, um grupo liberal de lobby judeu, J Streeet, realizou uma pesquisa que mostrou que 57% dos judeus americanos gostariam de restringir a ajuda militar para assegurar que não seja usada na expansão de território. Em 2021, o J Street também apoiou um projeto de lei de autoria do Partido Democrata, que impediria que a ajuda enviada a Israel fosse usada em violações aos direitos humanos dos palestinos, na destruição de bens de palestinos, ou no desalojamento de palestinos de suas terras.

“Não estou dizendo que todos devem tomar suas decisões políticas com base no que as pesquisas dizem em determinado momento”, diz Duss. “Mas essa é uma tendência consistente, isso é claramente o que os democratas pensam.”

N. da E.: Este texto foi resumido para facilitar sua leitura. Alguns resultados de pesquisas públicas foram resumidos.

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