Palestinos após mais um ataque de Israel em Gaza.

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O massacre de Nuseirat por dentro: a carnificina de Israel para resgatar reféns

Jornalista palestina em Gaza estava a caminho de Nuseirat quando Israel iniciou o ataque, e viu de perto as consequências.

Palestinos após mais um ataque de Israel em Gaza.

DEIR Al-BALAH, GAZA. Suhail Mutlaq Abu Nasser não era originalmente do campo de refugiados de Nuseirat, na região central da Faixa de Gaza. Porém, quando os militares de Israel atacaram a região no sábado, como parte de uma operação em larga escala para resgatar reféns israelenses capturados em uma rave em 7 de outubro, o campo era o mais próximo que Abu Nasser tinha de uma casa.

Depois de se estabelecer inicialmente no local em novembro, Abu Nasser, de 60 anos, enfrentou mais deslocamentos, mas a jornada tortuosa o levou de volta a Nuseirat no meio do semestre. A casa que ele ocupara em Nuseirat que havia sido bombardeada e estava parcialmente destruída, mas ele considerou que ainda era melhor que a barraca de nylon onde havia se abrigado no sul, em Rafah.

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No sábado, por volta das 11h, Abu Nasser estava parado perto de uma janela da casa quando começaram a chover mísseis sobre a região. Um deles caiu a apenas 20 metros de distância.

“O lugar foi transformado em cinzas”, me disse Abu Nasser em uma entrevista, no domingo. “Não conseguia encontrar minha esposa e comecei a chamar as pessoas ao meu redor para conferir se ainda estavam vivas.”

‘Havia mártires e feridos, mas não podíamos ajudá-los.’

Levado a sair por medo de que sua casa fosse bombardeada, Abu Nasser se deparou com um enorme ataque israelense que se desenrolava ao seu redor. As ruas estavam repletas de um enxame de drones quadricópteros equipados com armas leves. Ali perto se ouviam as lagartas dos tanques. Helicópteros Apache de fabricação americana pairavam no ar. Casas próximas eram atingidas por mísseis.

“Ouvimos pessoas gritando por socorro nas casas bombardeadas”, diz Abu Nasser. “Havia mártires e feridos, mas não podíamos ajudá-los.”

A cena era terrível. “A rua estava cheia de partes de corpos de civis”, ele contou, “e muitos feridos sangrando sem que ambulâncias conseguissem chegar até eles.”

O ataque continuado a Nuseirat durou aproximadamente 75 minutos.

“A operação terminou, mas permanecemos por muito tempo onde estávamos, com medo de nos mover”, recorda Abu Nasser. “Foi uma cena horrível e um momento difícil como eu nunca tinha vivido antes.”

“Por que eles mereciam isso?”

Quando as forças israelenses se retiraram com quatro reféns a tiracolo, deixaram em seu rastro morte e destruição. As autoridades em Gaza anunciaram que 274 pessoas, incluindo 64 crianças e 57 mulheres, haviam sido mortas, mais de 400 haviam sido feridas, e 89 casas ou prédios residenciais desabitados haviam sido bombardeados durante o ataque.

Um comunicado da assessoria de imprensa do Hamas em Gaza informou que os soldados israelenses se disfarçaram de pessoas desalojadas para realizar a ação que está sendo chamada de massacre de Nuseirat.

O Washington Post analisou dois vídeos de um caminhão com a marca de um sabão de lavar louça sendo escoltado para fora de Nuseirat por tanques israelenses, embora não esteja claro se a cena teria acontecido antes ou depois do ataque. Outro vídeo publicado online mostrava uma van Mercedes-Benz com itens de subsistência amarrados na carroceria, uma cena ao estilo de “As Vinhas da Ira”, bastante comum em Gaza. Uma testemunha ocular disse ao Post que aproximadamente dez soldados israelenses pularam da van, atirando no irmão da testemunha. (Um representante do porta-voz das Forças de Defesa Israelenses, o Contra-Almirante Daniel Hagari, disse ao Intercept que nenhum veículo civil foi usado no ataque.)

‘Não há nada, nada que justifique o que vi hoje. Nada.’

O Hospital dos Mártires Al-Aqsa, em Deir al-Balah, que visitei no sábado, estava repleto de vítimas de Nuseirat. As ambulâncias chegavam sem parar, e os gritos enchiam o ar. O caos reinou no pronto-socorro a tarde inteira, segundo Karin Huster, organizadora de políticas e supervisora, que atua no Al-Aqsa pela organização Médicos sem Fronteiras, segundo uma gravação que ela enviou de Gaza e que foi divulgada pelo grupo de ajuda humanitária médica, conhecido pelas iniciais MSF.

“Não há nada, nada que justifique o que vi hoje”, disse Huster. “Nada.”

“Essas crianças – a de 3 meses, a de 7 anos, a de 12 anos, que morreu – o homem de 25 anos, a mulher de 78 anos, todos têm ferimentos terríveis”, continuou. “O que fizeram para merecer isso? E por que o mundo está observando em silêncio? A que nível de horror precisamos chegar antes de finalmente fazermos algo, antes de finalmente dizermos a Israel que isso não é aceitável?”

A estrada para Nuseirat

Eu estava a caminho de Nuseirat quando os militares israelenses lançaram o ataque.

A guerra tem sido turbulenta para mim. Como Abu Nasser, fui desalojada e realocada três vezes durante a guerra. Mais recentemente, em maio, cheguei a Deir al-Balah, uma cidade na região central de Gaza.

Como muitos outros, perdi entes queridos e colegas. Uma das perdas, meu marido, foi o epítome de ambas, e muito mais. Ele era meu sócio em nossa produtora, pai da minha filha, e o amor da minha vida. Ele foi morto pelos israelenses em outubro, enquanto nos protegia, eu e nossa filha, quando nossa casa foi atingida por dois foguetes. Eu sabia que precisava seguir adiante, continuar contando histórias.

E foi assim que, em 8 de junho, parti de carro para fazer a viagem de aproximadamente 6 quilômetros entre Deir al-Balah e Nuseirat, para realizar uma entrevista para o filme em que estamos trabalhando. A mulher que seria minha entrevistada morava no campo de refugiados.

Quando estávamos nos aproximando de Nuseirat, senti uma pontada de incômodo. Disse ao motorista: “Estou desconfortável em ir até lá, e estou pensando em cancelar a viagem”. De repente, as coisas se agravaram de uma vez.

Pela janela do carro, vi quatro helicópteros de guerra voando baixo e disparando ininterruptamente. Projéteis de artilharia atingiam as proximidades, de forma aparentemente aleatória. O som das explosões era incessante.

Estávamos decidindo se iríamos prosseguir ou dar meia-volta, quando um míssil atingiu a casa perto de nós, e os estilhaços voaram sobre nossas cabeças.

Naquele momento, eu só conseguia pensar na minha filha pequena. Ela havia completado um ano duas semanas depois que o pai dela foi morto. Eu me perguntava como ela conseguiria lidar com a perda da mãe, também.

Voltamos para Deir al-Balah e para o Hospital Al-Aqsa.

‘Toda a gama de feridas de guerra’

Os hospitais na Faixa de Gaza já enfrentaram repetidos ataques pelos militares israelenses, mesmo enquanto às vezes servem de abrigo a pessoas desalojadas. As instalações de saúde estão sob cerco contínuo e enfrentam repetidas ordens de evacuação, com franco-atiradores israelenses alvejando pessoas do lado de fora quando tentam obedecer às ordens.

Médicos estrangeiros que voltam de missões humanitárias em Gaza relatam uma carnificina indescritível. Com os ataques militares e a escassez de recursos como o combustível, as maternidades vêm enfrentando dificuldades para fazer partos e manter vivos os bebês prematuros. E centenas de profissionais de saúde desapareceram após serem detidos por Israel.

Huster, a organizadora do MSF em Al-Aqsa, conta que a atividade militar em Deir al-Balah começou por volta das 11h30, de acordo com a gravação divulgada pelo MSF.

“Começamos a ouvir uma atividade muito, muito intensa das Forças de Defesa de Israel, muito bombardeio, muitos tiros, helicópteros”, diz ela na gravação. Logo, segundo Huster, os trabalhadores do MSF ouviram uma “enorme explosão bem ao lado do nosso escritório, que não fica muito longe do Hospital Al-Aqsa”.

Huster diz que os funcionários do MSF começaram a preparar suprimentos, e logo receberam um pedido do diretor do hospital para ir ajudar. No começo da tarde, após avaliarem a situação de segurança, chegaram ao pronto-socorro do hospital.

‘Havia crianças por toda parte, havia mulheres, havia homens.’

“Como de costume, foi uma confusão”, diz Huster. “Mas foi uma confusão agravada pelos últimos quatro dias: caos total lá dentro.”

O pronto-socorro estava “completamente lotado de pacientes no chão, vindos dos bombardeios em Nuseirat” – ela conta que havia centenas de pacientes.

“Havia crianças por toda parte, havia mulheres, havia homens”, continua Huster, na gravação. “Havia toda a gama de feridas de guerra, feridas traumáticas, de amputações a eviscerações, trauma, TCEs, traumatismos cranioencefálicos. Fraturas, obviamente, e queimaduras extensas.”

“Crianças completamente acinzentadas ou brancas pelo choque, queimadas, gritando por seus pais – e muitas delas sem gritar porque estavam em choque”, continua.

Em determinado ponto da minha visita, o pânico tomou conta da tenda de imprensa. Havia-se espalhado a notícia de que os militares israelenses teriam telefonado ao hospital para alertar que haveria um ataque, especificamente contra os jornalistas reunidos.

Fosse um boato ou não – as Forças de Defesa, em comunicado ao Intercept, negaram ter ordenado qualquer evacuação do hospital – decidimos partir. Após fugir para o hospital para escapar do violento ataque a Nuseirat, eu agora estava fugindo de lá.

Os médicos e as famílias dos feridos se recusaram a sair. O ataque nunca aconteceu.

‘Esperando a morte’

Em novembro, Abu Nasser e sua esposa haviam sido desalojados pela primeira vez de sua casa em Al-Saftawi, no norte de Gaza. Eles saíram a pé após um ataque dos militares israelenses em seu bairro. Projéteis de artilharia e fósforo branco, uma arma incendiária cujo uso em áreas civis é proibido, atingiram a área, e um abrigo ao lado de seu prédio foi destruído por um ataque aéreo israelense.

A viagem ao longo de uma rota segura determinada por Israel levou Abu Nasser e a esposa 16 quilômetros para o sul, em linha reta, até sua primeira passagem por Nuseirat. Era uma casa nova, mas apenas por um mês e meio.

O deslocamento se tornou um padrão incômodo. No final de dezembro, Abu Nasser obedeceu novamente às ordens de evacuação de Israel para se locomover para o sul, dessa vez terminando em Rafah, como cerca de 1,4 milhão de palestinos deslocados internamente. Eles ficaram em uma barraca no campo de Tel al-Sultan, não muito longe do centro de Rafah.

Cinco meses depois, quando Rafah, por sua vez, foi ameaçada pelo exército de Israel, Abu Nasser partiu de novo, retornando em maio à sua casa bombardeada em Nuseirat. O campo Tel al-Sultan em Rafah se tornaria o cenário do ataque que ficou conhecido como “massacre das barracas”, em referência às mesmas moradias que Abu Nasser deixou para trás.

Quando as bombas atingiram as proximidades de sua casa em Nuseirat, no sábado, e Abu Nasser e a esposa fugiram para a rua, ele se surpreendeu ao encontrar tantas formas de morrer: tanques, helicópteros de ataque, projéteis, mísseis, e, alvejando pessoas pela rua, os drones com armas leves acopladas.

“As pessoas estavam correndo diante de nós, fugindo dos drones”, diz Abu Nasser. “E nós nos escondemos em um lugar que os drones não conseguiam alcançar.”

Eles ficaram escondidos atrás das escadas por mais de uma hora, até que o ataque diminuiu.

“Estávamos esperando a morte”, foi o que Abu Nasser me disse, “esperando que a casa fosse bombardeada sobre nossas cabeças”.

Sharif Abdel Kouddous contribuiu com esta reportagem.

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