Usando táticas de Steve Bannon, grandes empresas cooptam nutricionistas e movimento anti-dieta e encorajam niilismo para maximizar os lucros.

Caos e desinformação: como a indústria de alimentos usa táticas de extrema direita pra lucrar mais

Usando táticas de Steve Bannon, grandes empresas cooptam nutricionistas e movimento anti-dieta e encorajam niilismo para maximizar os lucros.

Usando táticas de Steve Bannon, grandes empresas cooptam nutricionistas e movimento anti-dieta e encorajam niilismo para maximizar os lucros.

Esta matéria, originalmente publicada no site Pluralistic, foi traduzida em parceria com Cory Doctorow.

Steve Bannon não está errado: para que seu tipo de política niilista vença, tudo o que precisa fazer é “inundar a área [da opinião pública] de merda”, desmoralizando as pessoas até o ponto em que elas nem tentem mais descobrir a verdade.

Na verdade, isso é apenas uma versão mais refinada e potente da dúvida tática semeada pela indústria do tabaco sobre a relação entre o tabagismo e o câncer, um manual que foi posteriormente adotado pela indústria dos combustíveis fósseis para vender o negacionismo climático. Lembram do clássico de Darrell Huff, de 1954, “Como mentir com estatística”? Huff era cúmplice da indústria do tabaco (seu livro seguinte, que não chegou a ser publicado, seria “Como mentir com estatísticas sobre o câncer”). Sua missão não era ajudar as pessoas a perceberem o mau uso da estatística, que acontece, e é um problema real que deveríamos realmente aprender a perceber. A ideia era transformar as pessoas em niilistas que não acreditavam que nada poderia ser conhecido.

As empresas não precisam que você acredite que seus produtos são benéficos, ou mesmo que não são prejudiciais. Eles só precisam que você não acredite em nada. Se você não sabe o que é verdade, então por que não fazer simplesmente o que te faz sentir bem, cara? #YOLO!

As inundações de merda de Bannon, ou “bannonfloods”, são uma das táticas favoritas de ditadores e líderes autoritários. Seu controle sobre o poder não depende de que os cidadãos confiem neles, basta que não confiem em ninguém.

As bannonfloods são especialmente apreciadas pela indústria de alimentos. A indústria alimentícia é essencial, monopolizada, e incrivelmente complicada, e muitas das estratégias mais lucrativas para cultivar, processar e preparar alimentos são muito ruins para as pessoas que consomem esses alimentos. Em vez de sacrificar seus lucros, a indústria alimentícia inunda a área de merda, impossibilitando entender o que é verdade, na esperança de que iremos simplesmente comer tudo o que eles servirem.

Mas o truque de “não é possível saber nada” só funciona se for muito difícil chegar à verdade. A complexidade dos assuntos de nutrição e dietas serve bem a esse propósito, mas também contribui muito que a indústria de nutrição e dietas seja um lamaçal de charlatães e ciência espúria. Trata-se de uma “disciplina científica” cujas prestigiosas reuniões anuais são patrocinadas pelo McDonald’s (que também fornece alimentação).

Quando o mundo da nutrição, cheio de charlatães, se combina ao mundo socialmente estigmatizado da perda de peso, cria-se uma área pronta para a inundação de merda.

É uma “ciência” cujos embaixadores mais conhecidos vendem panaceias mirabolantes e processam os críticos que apontam (corretamente) que consumir alimentos com alto teor de clorofila não “oxigena o sangue” (uma dica, a clorofila só produz oxigênio na presença de luz, que está obviamente ausente do cólon).

Quando o mundo da nutrição, cheio de charlatães, se combina ao mundo socialmente estigmatizado da perda de peso, cria-se uma área pronta para a inundação de merda. A maioria dos americanos atualmente está com “sobrepeso” (segundo a definição atrelada à ideia nada científica do IMC), e quase metade dos americanos estão “obesos”. Esses números vêm aumentando de forma constante desde a década de 1970, e todas as dietas acabam se mostrando essencialmente inúteis.

Apesar dos novos medicamentos de sucesso pós-Ozempic, estamos em uma série ininterrupta de 50 anos em que cada vez mais de nós estamos ficando cada vez mais gordos, mesmo com o aumento do estigma sobre a gordura. As pessoas gordas são tratadas como pessoas sem força de vontade e pouco saudáveis, enquanto os riscos de saúde mais relevantes que as atingem são totalmente negligenciados: os efeitos sobre a saúde mental de sofrer humilhações, e os riscos físicos que decorrem de ter suas queixas de saúde ignoradas pelos médicos, independentemente da gravidade, e atribuídas ao peso.

As pessoas gordas e seus aliados se uniram para enfrentar esses danos reais e urgentes. O movimento de “aceitação do corpo” não tem apenas o objetivo de que as pessoas se sintam bem na própria pele: pretende também combater a discriminação, exigir cuidados médicos (para além de “perder um pouco de peso”), e alertar as pessoas para que não entrem no ciclo das dietas, que pode levar a perigosos transtornos alimentares e a ganho de peso permanente.

O estigma relacionado ao peso é real. Os riscos de saúde mental pela humilhação contra as pessoas gordas são reais. Os transtornos alimentares são reais. A discriminação contra as pessoas gordas é real. O fato de que essas coisas são reais, no entanto, não significa que a indústria de alimentos não possa inundar a área com merda. Pelo contrário: a urgência dessas questões, combinada com a regulamentação precária dos nutricionistas, torna a área “o que você deveria comer” perfeita para ser inundada com quantidades intermináveis de merda altamente lucrativa.

Talvez uma parte dessa merda tenha chegado até você. Você já se encontrou assistindo a um vídeo de uma nutricionista influenciadora, como Cara Harbstreet, Colleen Christensen, ou Lauren Smith, promovendo a “saúde em qualquer tamanho” com hashtags como #DerailTheShame (#AfasteAVergonha) e #AntiDiet (#AntiDieta)? Essas foram campanhas patrocinadas pela General Mills, Pepsi, e outras empresas multinacionais bilionárias.

Em uma matéria para o site The Examination, Sasha Chavkin, Anjali Tsui, Caitlin Gilbert e Anahad O’Connor descrevem como algumas das maiores e mais lucrativas empresas do mundo sequestraram um movimento usado por pessoas gordas e seus aliados para combater o estigma e a humilhação, e o usaram para divulgar a mentira de que seus alimentos altamente processados e calóricos fazem bem.

É uma história surreal. Eles descrevem um discurso feito por Amy Cohn, gerente geral de nutrição da General Mills, para o público de uma conferência sobre nutrição, onde Cohn “denunciou a imprensa por ‘apontar o dedo para os alimentos processados’ e fazer os consumidores se sentirem envergonhados por suas escolhas”. É outro nível de niilismo: Cohn não quer combater o prejudicial estigma contra as pessoas gordas, quer enfrentar o estigma contra cereal sabor chocolate.

Essa mensagem não está restrita aos congressos do setor. Nutricionistas com muitos seguidores no TikTok, como Cara Harbstreeet, se encarregam de transmiti-la à população. Em um vídeo, Harbstreet promove marcas de cereal da General Mills, e diz: “sempre defenderei refeições nutritivas sem medo, inclusive cereais (…) porque todos merecem desfrutar da comida sem julgamento, especialmente as crianças”.

O movimento antidieta – outro movimento legítimo que visa a combater a perigosa ciência espúria por trás das dietas – foi cooptado pela indústria alimentícia.

Nutricionistas e a indústria de alimentos sempre tiveram uma relação incomodamente próxima, mas a inundação de merda pegou velocidade quando a FDA, órgão americano que supervisiona os alimentos, propôs regras para limitar os alimentos que o setor pode promover como “saudáveis”. As empresas General Mills, Kelloggs e Post ameaçaram abrir um processo contra essa regulação usando fundamentação constitucional, alegando que o direito à liberdade de expressão permitiria descrever alimentos manifestamente pouco saudáveis como “saudáveis”.

O movimento antidieta – outro movimento legítimo que visa a combater a perigosa ciência espúria por trás das dietas – foi cooptado pela indústria alimentícia, que paga nutricionistas influenciadores para dizerem coisas como “todos os alimentos têm valor” enquanto mostram embalagens de cereal açucarado.

Em sua matéria na Examination, os autores traçam o perfil de pessoas que tinham questões com o peso, e após se depararem com a desinformação remunerada da indústria alimentícia, acreditaram que “saudável em qualquer tamanho” queria dizer que seria pouco saudável evitar alimentos altamente processados e calóricos. Essas pessoas ganharam muito peso, suas vidas ficaram limitadas, e sua saúde foi gravemente comprometida.

Estive acima do peso a vida inteira. Tinha 12 anos quando fui à minha primeira reunião dos Vigilantes do Peso. Venho de uma família de pessoas com excesso de peso que sofrem com doenças crônicas frequentemente associadas à gordura. Esse é um assunto que está sempre na minha cabeça. Escrevi até um romance sobre as promessas e perigos do milagre da perda de peso.

Acho que o movimento antidieta, e as ideias associadas, como aceitação corporal e saúde em qualquer tamanho, são desenvolvimentos muito positivos e extremamente importantes. E é porque dou valor a essas ideias que sinto tanto asco diante da indústria alimentícia e sua decisão cínica de inundar a área de merda. É também por isso que fico furioso com os nutricionistas que se recusam a adotar algum tipo de autorregulação e se tornar uma verdadeira profissão, que pune e denuncia charlatões e cúmplices.

Tenho sentimentos complicados em relação ao Ozempic e seus sucessores, mas mesmo que eles se mostrem eficazes e seguros a longo prazo, e mesmo que consigamos controlar as vorazes empresas farmacêuticas para que deixem de vender por mil dólares um produto de cinco dólares, eu ainda gostaria que a ciência da nutrição passasse a limpo suas ações.

Não sou um niilista. Acho que podemos usar a ciência para descobrir verdades sobre nós mesmos, e sobre o mundo. Quero saber essas verdades, e acho que elas podem ser descobertas. As únicas pessoas que se beneficiam de nos convencer de que a verdade não pode ser conhecida são as que querem mentir para nós.

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