Manual para envenenar a Terra: como as fabricantes de inseticidas cooptam cientistas

Manual para envenenar a Terra: como as fabricantes de inseticidas cooptam cientistas


Em setembro de 2009, mais de 3 mil entusiastas de abelhas de todo o mundo dirigiram-se à cidade de Montpellier, no sul da França, para a Apimondia – uma conferência festiva de apicultores repleta de palestras científicas, demonstrações de criadores amadores e comerciais que vendiam mel. Mas, naquele ano, uma nuvem de preocupação pairou sobre o evento: colônias de abelhas em todo o mundo estavam entrando em colapso e bilhões delas estavam morrendo.

Declínios na população de abelhas foram observados ao longo da história, mas as perdas anuais repentinas, persistentes e anormalmente altas se tornaram tão sérias que o Departamento de Agricultura dos EUA chamou dois dos mais conhecidos entomologista do mundo – Dennis vanEngelsdorp, um proeminente inspetor apiário na Pensilvânia, que na época estudava na Penn State University, e Jeffrey Pettis, que posteriormente trabalhou como cientista do governo – para estudar o misterioso declínio. Eles afirmaram que devia haver um fator subjacente que enfraquece o sistema imunológico das abelhas.

No Le Corum, um centro de conferências e casa de ópera, os dois discutiram suas descobertas. Eles haviam alimentado abelhas com quantidades muito pequenas de neonicotinoides, ou neônicos, a classe de inseticidas mais usada no mundo. O inseticida é, obviamente, destinado a matar insetos, mas é promovido como seguro para os demais insetos que não são os alvos de sua ação. VanEngelsdorp e Pettis descobriram que, mesmo em doses não letais, as abelhas do experimento se tornaram muito mais vulneráveis às infecções por fungos. Abelhas portadoras de uma infecção geralmente voam longe para morrer, uma forma virtuosa de suicídio projetada para proteger a colmeia do contágio.

“Expusemos colônias inteiras a níveis muito baixos de neonicotinoides e testamos as abelhas dessas colônias com Nosema, um patógeno, um patógeno intestinal”, disse Pettis, em conversa com o cineasta Mark Daniels em seu documentário, “O estranho desaparecimento das abelhas”, na Apimondia. “E vimos um aumento, mesmo que as alimentássemos com o pesticida em níveis muito baixos – um aumento nos níveis de Nosema – uma resposta direta à alimentação com baixo nível de neonicotinoides.”

As dosagens do pesticida eram tão minúsculas, disse vanEngelsdorp, que estavam “abaixo do limite de detecção”. A única razão pela qual eles sabiam que as abelhas haviam consumido os neonicotinoides, acrescentou, era “porque os expomos a elas”.

A saúde das abelhas depende de vários fatores em sinergia, observaram os cientistas. Mas neste estudo, disse Pettis, eles foram capazes de isolar “um pesticida e um patógeno e ver claramente a interação”.

As evidências estavam se acumulando. Pouco tempo depois de vanEngelsdorp e Pettis revelarem suas descobertas, vários pesquisadores franceses produziram um estudo quase idêntico, alimentando abelhas com pequenas quantidades do mesmo pesticida, junto a um grupo de controle. O estudo produziu resultados que ecoaram o que os cientistas americanos haviam descoberto.

Nuvens flutuantes de poeira com neonicotinoide vindas de operações de plantio causaram uma série de mortes massivas de abelhas no norte da Itália e na região de Baden-Württemberg, na Alemanha. Estudos mostraram que os neonicotinoides prejudicam a capacidade das abelhas de se guiar e buscar alimentos, o que enfraquece suas colônias e as torna propensas à infestação por ácaros parasitas.

Em 2013, a União Europeia pediu a suspensão temporária dos produtos à base de neonicotinoides mais comumente usados em plantas com flores, citando o perigo representado para as abelhas – um esforço que resultou em uma proibição permanente em 2018.

Nos Estados Unidos, no entanto, a indústria entrou em cena, buscando não apenas desacreditar a pesquisa, mas lançar empresas de pesticidas como uma solução para o problema. Documentos e emails de lobby, muitos dos quais foram obtidos através de solicitações de abertura de registros, mostram um esforço sofisticado da indústria de pesticidas na última década para impedir qualquer tentativa de restrição no uso de neonicotinoides. Bayer e Syngenta, os maiores fabricantes da substância, e Monsanto, um dos principais produtores de sementes pré-tratadas com a mesma, cultivaram laços com acadêmicos proeminentes, incluindo vanEngelsdorp, e outros cientistas que antes pediam uma atenção maior à ameaça representada pelos pesticidas.

Sede da Syngenta AG em Basileia, Suíça, em 4 de fevereiro de 2015.

Sede da Syngenta AG em Basileia, Suíça, em 4 de fevereiro de 2015.

Foto: Philipp Schmidli/Bloomberg via Getty Images

As empresas também procuraram influenciar apicultores e reguladores fazendo uma grande mobilização para moldar a opinião pública. As empresas de pesticidas lançaram novas coalizões e encheram fundações de dinheiro para que se concentrassem em fatores não relacionados a pesticidas para explicar o declínio das polinizadoras.

“Posicione o setor como um promotor ativo da saúde das abelhas e promova as melhores práticas de gerenciamento que enfatizam a segurança delas”, destacou um memorando de planejamento interno da CropLife America, o grupo de lobby das maiores empresas de pesticidas dos EUA, incluindo a Bayer e a Syngenta. O objetivo final do projeto em nome da saúde das abelhas, observou o documento, era garantir que as empresas mantivessem acesso ao mercado para produtos com neônicos e outros pesticidas sistêmicos.

O memorando de planejamento, liderado em parte pelo responsável de regulamentação da Syngenta, John Abbott, traça uma variedade de estratégias para promover os interesses da indústria de pesticidas, como “Desafie a EPA, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, no tamanho e amplitude do programa de testes de polinizadores”. Os funcionários da CropLife America também foram convidados a “moldar proativamente a conversa no novo campo da mídia com relação aos polinizadores” e “minimizar a associação negativa de produtos de proteção de culturas com efeitos nos polinizadores”. O documento, datado de junho de 2014, exige uma “aproximação com pesquisadores universitários que poderiam ser validadores independentes”.

As empresas de pesticidas usaram uma variedade de estratégias para mudar o discurso público.

“America’s Heartland”, uma série da PBS mostrada em afiliadas em todo o país e subscrita pela CropLife America, retratou o declínio das polinizadoras como um mistério. Um segmento do início de 2013 sobre a crise não mencionou pesticidas, com o apresentador simplesmente declarando que “os especialistas não sabem ao certo por que” as abelhas e borboletas estavam desaparecendo.

Outro segmento, lançado em janeiro de 2015, menciona rapidamente os pesticidas como um dos muitos fatores possíveis para a morte de abelhas. Uma representante do “Programa Norte-Americano de Cuidados com Abelhas”, Becky Langer, apareceu no programa para discutir as “pragas exóticas que podem afetar as abelhas”. O programa não menciona a posição de Langer como porta-voz da Bayer focada em gerenciar as consequências da controvérsia das abelhas.

Michael Sanford, porta-voz da PBS KVIE, que produz o programa “America’s Heartland”, escreveu em email ao Intercept que, “consistente com os rígidos padrões editoriais da PBS e com os nossos”, os patrocinadores do programa não forneceriam sugestões editoriais.

A defesa da Bayer, projetada para posicionar a empresa como líder na proteção da saúde das abelhas, incluiu uma turnê em todo o país, no qual funcionários da Bayer distribuíram enormes cheques cerimoniais para apicultores e estudantes locais. A empresa hospeda ostentosos sites divulgando sua liderança na promoção da saúde das abelhas e patrocina várias associações de apicultores.

Enquanto isso, a Bayer financiou uma série de anúncios online descrevendo como teóricos da conspiração os indivíduos que temem que seus pesticidas prejudiquem insetos que não são os alvos do produto.

As abelhas capturaram quase toda a atenção para os perigos dos neônicos, mas dificilmente são as únicas espécies em declínio por causa do produto químico.

Outras formas de influência têm sido muito mais secretas.

A equipe de comunicação da CropLife America compilou uma lista de termos a serem modelados nos resultados dos mecanismos de busca na internet, incluindo “neonicotinoides”, “polinizadores” e “neônicos”. Uma das empresas de consultoria escolhidas para coordenar a divulgação do setor, a Paradigm Communications, subsidiária da gigante de relações públicas Porter Novelli, ajudou a liderar o esforço para mudar a maneira como os produtos pesticidas eram retratados nos resultados dos mecanismos de busca.

Um slide preparado pela Paradigm Communications mostra seu trabalho para separar os resultados de pesquisa do Google para o declínio das abelhas do uso de pesticidas neônicos.

O maior golpe de relações públicas foi o esforço de reformular o debate sobre o declínio das abelhas, para se concentrar apenas na ameaça dos ácaros Varroa, um parasita nativo da Ásia que começou a se espalhar nos EUA na década de 1980. Sabe-se que o ácaro infesta rapidamente colmeias de abelhas e carrega uma variedade de doenças infecciosas.

A CropLife America, entre outros grupos apoiados por empresas de pesticidas, financiou pesquisas e defesas em torno do ácaro – um esforço destinado a turvar a conversa sobre o uso de pesticidas. Enquanto isso, a pesquisa sugere que os problemas estão inter-relacionados; os neônicos tornam as abelhas muito mais suscetíveis a infestação por ácaros e doenças associadas.

A Bayer chegou a construir uma escultura do ácaro Varroa em seu “Bee Care Center” na Carolina do Norte e em seu centro de pesquisa na Alemanha, destacando seu papel como a principal força que alimenta o declínio das polinizadoras.

Um modelo de abelha com um ácaro Varroa nas costas no Bayer Bee Care Center em Monheim am Rhein, Alemanha, em 19 de novembro de 2013.

Um modelo de abelha com um ácaro Varroa nas costas no Bayer Bee Care Center em Monheim am Rhein, Alemanha, em 19 de novembro de 2013.

Foto: Joanna Nottebrock/The New York Times via Redux

A campanha incrivelmente bem-sucedida manteve a maioria dos produtos neônicos em ampla circulação na agricultura comercial e em hortas domésticas. O resultado é um mundo inundado por neônicos – e enormes lucros para empresas como a Syngenta e a Bayer, que agora contam com a Monsanto como subsidiária.

Milhões de toneladas do produto químico são aplicados em 140 culturas comerciais a cada ano. Nos EUA, quase todo milho plantado no campo e dois terços da soja usam sementes revestidas com neônicos. O produto químico é encontrado em amostras de solo em todo o país, em rios e até na água potável. Os neônicos, que são solúveis em água, foram detectados no rio American, na Califórnia, no rio Waveney, na Inglaterra, na água da torneira em Iowa City e em centenas de outros córregos e rios em todo o mundo. No Brasil, no ano passado, após o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovar dezenas de novos pesticidas, o uso de neônicos causou a morte de mais de 500 milhões de abelhas em todo o país.

Em agosto, um estudo publicado na revista científica PLOS One descobriu que o ambiente americano se tornou 48 vezes mais tóxico para os insetos desde a década de 1990, uma mudança amplamente alimentada pela crescente aplicação de neônicos.

As abelhas capturaram quase toda a atenção para os perigos dos neônicos, mas dificilmente são as únicas espécies em declínio por causa do produto químico. Estudos associaram neônicos ao desaparecimento de abelhas nativas, borboletas, libélulas, efeméridas, anfípodes e uma variedade de insetos aquáticos, além de minhocas e outros invertebrados. Várias espécies de mamangabas (ou zangões, como também são chamados no Brasil) nos Estados Unidos e na Europa estão se aproximando da extinção, uma mortandade que os pesquisadores dizem estar ligada ao uso de neônicos e outros pesticidas.

Em setembro, um estudo divulgado na revista científica Science revelou que pássaros migratórios sofreram perda imediata de peso após o consumo de apenas uma ou duas sementes tratadas com neônicos. Pesquisas anteriores haviam ligado o desaparecimento de insetos a fontes de alimento cada vez menores para pássaros na Holanda, mas o estudo da Science forneceu evidências de que as espécies de aves foram diretamente afetadas pelo produto químico.

Outro estudo inovador publicado na Nature’s Scientific Reports mostrou que os neônicos provavelmente estão causando sérios defeitos congênitos em veados-de-cauda-branca, sendo esta a primeira vez que pesquisas demonstraram que o composto químico poderia colocar grandes mamíferos em risco.

‘As abelhas são o canário no milharal’, disse Lisa Archer, da Friends of the Earth. ‘A ciência que liga pesticidas à crise de extinção cresceu.’

Cientistas estão, só agora, analisando mais atentamente o impacto potencial de neônicos em seres humanos e outros mamíferos.

“As abelhas são o canário no milharal”, disse Lisa Archer, diretora do programa de alimentos e agricultura da Friends of the Earth. “A ciência que liga pesticidas à crise de extinção cresceu.”

Dave Goulson, professor de biologia da Universidade de Sussex, disse ao Intercept: “Acho que talvez estamos chegando a um ponto crítico em que as pessoas finalmente estão começando a apreciar a importância dos insetos, a escala de seu declínio e que atacar violentamente o meio ambiente com pesticidas não é sustentável ou desejável.”

Bayer e Syngenta rejeitam qualquer alegação de que seus produtos com neônicos estejam prejudicando o meio ambiente.

“Os produtos com neonicotinoides são ferramentas extremamente importantes para os agricultores e são aprovados para uso em mais de 100 países devido ao seu forte perfil de segurança quando usados de acordo com as instruções no rótulo”, disse Susan Luke, porta-voz da Bayer Crop Science North America, em comunicado ao Intercept. “É por isso que a Bayer continua apoiando fortemente seu uso seguro e contínuo, mesmo que a fabricação de produtos neônicos não seja uma parte importante de nossos negócios.”

“As alegações de pesquisa que foram feitas questionando a segurança dos neônicos compartilham falhas comuns, como níveis de exposição que excedem em muito os cenários do mundo real, e a ideia falha de que a exposição a substâncias no ambiente necessariamente significa sofrer danos”, acrescenta Luke. “Não significa isso e, do contrário, ninguém nadaria em água tratada com cloro ou tomaria café com cafeína.”

“Desde que os neonicotinoides foram introduzidos na década de 1990, as colônias de abelhas estão aumentando nos Estados Unidos, Europa, Canadá e de fato em todo o mundo”, afirmou Chris Tutino, porta-voz da Syngenta, em comunicado ao Intercept. Ele acrescentou que “a maioria dos cientistas e especialistas em abelhas concorda que a saúde das abelhas é afetada por vários fatores, incluindo parasitas, doenças, habitat e nutrição, práticas climáticas e de manejo de colmeias.”

Tutino, em seu email, observou que o composto neônico tiametoxam, usado em produtos populares da Syngenta, como Cruiser e Dividend, passou por “testes extensivos avaliando os efeitos nas polinizadoras” e forneceu links para cinco estudos, todos produzidos por consultores da Syngenta ou funcionários da empresa.

Nenhuma das empresas respondeu diretamente a perguntas sobre o papel dos produtos neônicos no aumento do declínio de borboletas, libélulas e outras espécies de insetos além das populações de abelhas. Ambas as empresas destacaram o seu financiamento em pesquisas de saúde de abelhas.

Os comentários sobre a indústria química foram questionados por Willa Childress, organizadora da Pesticide Action Network North America.

Embora seja verdade, observou Childress, que as populações de colmeias de abelhas gerenciadas estão crescendo, isso é devido ao valor comercial delas na polinização de uma vasta parcela da agricultura americana. Os apicultores agora perdem, em média, entre 40% e 50% das colmeias todos os anos, bem acima das médias históricas de 10%. Muitos apicultores comerciais são forçados constantemente a dividir colmeias e comprar rainhas para manter as populações, com muitos contando com subsídios do governo para sobreviver.

“Portanto, não, as abelhas não estão ‘melhor do que nunca’”, disse Childress. “E os cientistas de fato concordam que vários fatores de interação estão levando ao declínio das polinizadoras, incluindo, como as empresas químicas negligenciam em mencionar, o uso de pesticidas.”

“As abelhas não serão extintas durante as nossas vidas”, observou Childress. Mas, acrescentou, “os dados sobre abelhas nativas e polinizadores selvagens são muito mais ‘apocalípticos’ do que até mesmo os relatórios mais preocupantes sobre as perdas de abelhas fazem parecer. Um número sem precedentes de polinizadores selvagens está em extinção – e temos dados muito limitados sobre vários outros polinizadores que estão em risco.”

Há pouco tempo, as ações nos EUA para restringir o uso de neônicos pareciam iminentes.

A pressão começou a aumentar em 2010, depois que Tom Theobald, um apicultor de Boulder, no Colorado, obteve um relatório interno da Agência de Proteção Ambiental, a EPA, mostrando que os cientistas da própria agência haviam criticado profundamente a pesquisa usada para permitir a venda de uma das linhas mais populares de produtos com neônicos.

Em 2003, a Bayer garantiu junto à EPA o direito temporário de usar a clotianidina, um neônico amplamente utilizado para milho e canola – sob a condição de que a empresa conduzisse um “estudo crônico do ciclo de vida” mostrando como o uso do neônico afetaria as abelhas até o final do ano seguinte.

O estudo financiado pela Bayer e liderado por Cynthia Scott-Dupree, professora de ciências ambientais da Universidade de Guelph em Ontário, no Canadá, colocou colmeias em campos de canola tratados com clotianidina e em lavouras de canola não tratadas. Os testes encontraram pouca variação entre os dois grupos de colmeias, mas os pesquisadores mais tarde apontaram que as colmeias do estudo foram colocadas a menos de 300 metros de distância uma da outra. As abelhas buscam pólen em até quase 10 quilômetros de distância de suas colmeias.

Scott-Dupree foi mais tarde nomeada “Presidente da Bayer CropScience em Gerenciamento Sustentável de Pragas” na Universidade de Guelph. Reguladores no Canadá e na EPA usaram o estudo para liberar a clotianidina para uso incondicional. Internamente, no entanto, os cientistas da EPA expressaram suas preocupações.

O memorando, escrito por dois cientistas da EPA, observou que o estudo anterior financiado pela Bayer falhou nas diretrizes da pesquisa de pesticidas e alertou que a clotianidina representava uma “grande preocupação de risco” para “insetos não-alvo (ou seja, abelhas)”.

Uma enorme série de pesquisas começou a apontar problemas com os neônicos. Apesar das alegações de que o composto representa uma forma de agricultura de precisão, um crescente conjunto de pesquisas mostra que o produto químico se afasta das culturas visadas, frequentemente viajando com o vento durante as operações de plantio, permanecendo no solo por longos períodos, infiltrando-se em cursos d’água e causando problemas sérios para uma grande variedade de insetos e vida animal.

Em 2014, o deputado Earl Blumenauer, democrata do Oregon, apresentou um conjunto de leis para obrigar a EPA a tomar medidas para suspender os pesticidas. Naquele ano, em resposta às crescentes controvérsias sobre o declínio das abelhas e às demandas por maior responsabilidade pelo uso pouco regulamentado de pesticidas, o presidente Barack Obama emitiu um memorando executivo chamando a atenção para a “perda significativa de polinizadores, incluindo abelhas melíferas, abelhas nativas, pássaros, morcegos e borboletas.”

Ativistas fizeram manifestações em frente à Casa Branca exigindo ação. Apicultores e grupos ambientalistas entraram com ações contestando o registro dos principais produtos neônicos, alegando que a EPA violou seus próprios protocolos ao licenciar produtos da Bayer e da Syngenta. O Serviço de Pesca e Vida Silvestre dos EUA anunciou a decisão de eliminar progressivamente os neônicos em áreas de refúgio de vida selvagem na região do Pacífico.

Em todo o país, legisladores propuseram projetos de lei para restringir o uso de neônicos. Em Minnesota, foi assinado um projeto de lei para impedir que os viveiros comercializassem plantas como inofensivas aos polinizadores caso tivessem sido tratadas com neônicos.

Por um tempo, o movimento parecia estar ganhando força, o que alguns esperavam levar os EUA a espelharem a UE na medida em que regulam o inseticida amplamente usado.

No final, pouco mudou. Os acordos relacionados aos processos removeram os neônicos de pequenos mercados. As parcerias público-privadas que surgiram do memorando de Obama careciam de qualquer mecanismo de fiscalização para restringir o uso de neônicos na agricultura. O presidente Donald Trump rescindiu a regra do Serviço de Pesca e Vida Silvestre dos EUA. Legisladores de Minnesota rapidamente revogaram o requisito de rotulagem um ano após ele ter sido aprovado.

Após uma audiência em que mencionou os pesticidas, Jeffrey Pettis disse ao Washington Post ter sido criticado por não seguir ‘o roteiro’.

Em quase todos os outros estados, com exceção de Vermont, Connecticut e Maryland, os lobistas do setor de agrotóxicos e agronegócios acabaram com êxito qualquer restrição significativa aos produtos neônicos. A comunidade científica, uma vez focada no estudo do impacto de pesticidas, ficou fragmentada, com muitas das principais vozes passando a trabalhar para empresas ou organizações sem fins lucrativos apoiadas pela indústria.

Os críticos dos neônicos foram rapidamente descartados. Em abril de 2014, o Subcomitê de Agricultura em Horticultura, Pesquisa, Biotecnologia e Agricultura Estrangeira da Câmara – então presidido pelo deputado Austin Scott, republicano da Geórgia – convocou uma audiência para discutir a crise dos polinizadores. O evento contou com David Fischer, funcionário da Bayer, e Jeff Stone, lobista de viveiros comerciais. Os dois homens usaram a audiência para alertar contra quaisquer restrições aos neônicos em resposta ao declínio das abelhas. O terceiro, Dan Cummings, representante do Almond Board, um grupo comercial de produtores de amêndoas, focou na ameaça do ácaro Varroa.

Uma quarta testemunha, o pesquisador do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA, Jeffrey Pettis – o cientista que colaborou com vanEngelsdorp – observou que, diferente dos pesticidas tradicionais, os neônicos são encontrados no pólen, aumentando a exposição às abelhas. Interrogado por Scott, o presidente do comitê, Pettis reiterou que, mesmo sem os ácaros, as abelhas ainda estavam em declínio e os pesticidas aumentam a preocupação “em outro nível”.

Após a audiência, Pettis disse ao Washington Post que falou em privado com Scott e que este o criticou por não seguir “o roteiro”.

A CropLife America, em especial, comemorou o desempenho na audiência por seu forte foco em fatores não relacionados a pesticidas para o declínio das abelhas. “Uma coisa que esperamos que tenha ficado claro durante a audiência foi o compromisso do setor de proteção de culturas em resolver esse problema”, disse Jay Vroom, então presidente da CropLife America, em comunicado.

Os registros financeiros da campanha mostram que a CropLife America, poucas semanas após a audiência, deu 3.500 dólares a Scott, que então patrocinou uma legislação para resolver a crise das abelhas através de isenções para agilizar a aprovação dos pesticidas usados no controle do ácaro Varroa.

Dois meses após a audiência, de acordo com o Washington Post, Pettis foi rebaixado, perdendo o papel de gerente do laboratório de abelhas do USDA em Beltsville, Maryland. Pettis mais tarde deixou o governo e agora atua como presidente da Apimondia.

O entomologista Jonathan Lundgren, que está buscando respostas para o que pode estar causando a diminuição da população de abelhas, em imagens de 2016.
O entomologista Jonathan Lundgren, que está buscando respostas para o que pode estar causando a diminuição da população de abelhas, em imagens de 2016.

O Washington Post também detalha a história de um proeminente cientista do USDA, Jonathan Lundgren, que pesquisou os perigos dos neônicos para os polinizadores e falou publicamente sobre o assunto.

Em 2015, Lundgren enfrentou repentinamente suspensões e uma investigação interna do governo por má conduta, algo que ele acredita ter sido motivado pela indústria por seu papel em falar de forma negativa sobre pesticidas.

“Acho que comecei a fazer as perguntas erradas, fazendo avaliações de risco de neonicotinoides em muitas sementes de culturas diferentes usadas nos EUA e como elas estavam afetando espécies que não eram seus alvos, como os polinizadores”, disse Lundgren ao Intercept.

O USDA não respondeu a um pedido de comentário do Intercept. Eles disseram ao Washington Post que as suspensões não tinham nada a ver com a pesquisa de Lundgren. Elas ocorreram por “conduta imprópria para um funcionário federal” e “violação dos regulamentos de viagem”.

Lundgren agora administra a fazenda Blue Dasher na Dakota do Sul, um esforço de pesquisa para desenvolver maneiras de rotacionar diversos conjuntos de culturas, para aumentar a produtividade e suprimir naturalmente as pragas. Existem poucas instituições, observou ele, em que os pesquisadores podem buscar a ciência independentemente da influência da indústria. “As universidades se tornaram dependentes de fundos externos, programas inteiros são bancados por essas corporações fabricantes de pesticidas, empresas químicas”, acrescentou.

O sistema regulatório dos EUA pressupõe que os produtos químicos são em geral seguros até que se provem perigosos.

“Em geral, vemos os EUA aguardando mais tempo do que a UE para agir sobre uma variedade de pesticidas e outros produtos químicos”, disse Childress, organizadora da Pesticide Action Network North America. Parte da divergência, continua Childress, decorre de um sistema regulatório nos EUA que pressupõe que produtos químicos são em geral seguros até que se provem perigosos. Em contraste, a UE tende a usar o “princípio da precaução”, removendo produtos que podem causar danos e exigindo provas de segurança antes de permitir que eles voltem ao mercado.

Outro fator importante, observou Childress, é a ampla captura corporativa das instituições reguladoras americanas. A EPA, por exemplo, emprega 11 ex-lobistas – incluindo seu administrador, Andrew Wheeler, que anteriormente trabalhava em prol dos interesses do carvão contra as regulamentações climáticas – em cargos de chefia.

A indústria de pesticidas também mantém um longo histórico de métodos secretos para desacreditar seus críticos.

A Monsanto implementou táticas agressivas para punir os críticos do Roundup, o herbicida mais utilizado no mundo e o carro-chefe da empresa nas últimas décadas. Emails divulgados no ano passado através de processos em andamento na Califórnia mostraram que a empresa usou seus lobistas para orquestrar uma campanha no Congresso com o objetivo de criticar e retirar financiamento de cientistas com a afiliada da Organização Mundial de Saúde em pesquisas sobre o câncer, depois que o organismo declarou que o glifosato, o ingrediente ativo do Roundup, é um “provável agente cancerígeno”. Muitos dos documentos detalhando o papel da Monsanto na formação do discurso público sobre o glifosato foram divulgados durante o curso de ações coletivas movidas por vítimas de câncer que culpam a empresa por suas doenças.

A Syngenta ganhou má reputação depois que suas táticas contra o professor Tyrone Hayes da Universidade da Califórnia em Berkely foram denunciadas. A pesquisa de Hayes mostrou que o herbicida exclusivo da empresa, a atrazina, parecia atrapalhar o desenvolvimento sexual de sapos.

A empresa enviou pessoas para acompanhar e gravar Hayes em eventos, encomendou um perfil psicológico do professor e trabalhou com vários escritores para difundir Hayes como “não-confiável” e um inconveniente para os acadêmicos que consideravam trabalhar com ele. O esforço para colocar de lado Hayes e sua pesquisa, que incluiu uma coordenação com acadêmicos favoráveis ao setor, foi revelado em uma série de documentos judiciais que foram divulgados através de processos envolvendo alegações de que a Syngenta havia poluído as fontes de água locais com atrazina.

Nos dois processos contra a Syngenta e a Monsanto, documentos revelaram que a Syngenta e a Monsanto mantêm uma lista de “terceiros interessados”, incluindo think tanks pró-mercado livre e cientistas aos quais a indústria poderia recorrer para obter mensagens de apoio.

Muitos dos think tanks e indivíduos incluídos na lista agora desempenham um papel proeminente no debate sobre os neônicos. O Conselho Americano de Saúde e Ciência, ACSH na sigla em inglês, que contou com o financiamento corporativo da Monsanto, Bayer e Syngenta, publicou mais de uma dúzia de artigos discutindo os perigos dos neônicos.

Em email revelado por meio do processo da Monsanto-Roundup, Daniel Goldstein, funcionário da Monsanto, escreveu a colegas em letras maiúsculas para apoiar o trabalho do conselho: “Posso garantir que eu não sou totalmente apaixonado pelo ACSH – eles têm MUITAS imperfeições – mas: Vocês NÃO VÃO ENCONTRAR COISA MELHOR do que o ACSH.” A parte inferior do email incluía hiperlinks para artigos que criticavam as demandas para regular os pesticidas glifosato e neônicos.

O Heartland Institute, um dos think tanks da Syngenta, que recebeu doações da Bayer no passado, publicou artigos ridicularizando a pesquisa crítica aos neônicos como “ciência lixo”.

“A indústria de pesticidas está usando as táticas de relações públicas das grandes fabricantes de cigarros para tentar distorcer a ciência sobre os vínculos de seus produtos com o declínio das abelhas e adiar a ação enquanto continuam lucrando”, disse Archer, cujo grupo, Friends of the Earth, documentou as táticas de lobby de fabricantes de pesticidas.

Quando os neônicos chegaram ao mercado, três décadas atrás, eles foram a primeira nova classe de inseticida inventada em quase 50 anos, e seu uso disparou.

Já no final do século 17, os agricultores descobriram que podiam moer plantas de tabaco e usar extrato de nicotina para matar besouros nas plantações. A nicotina atua como um inseticida orgânico, ligando-se a receptores nervosos e causando paralisia e morte em pulgões, moscas-brancas e outros insetos que comem plantas.

As tentativas de usar nicotina em um pesticida no mercado de massa, no entanto, frustraram os cientistas. Nas pesquisas iniciais, a luz solar diminuía a eficácia dos produtos à base de nicotina. Mas isso mudou pouco mais de três décadas atrás, quando os cientistas da Bayer na Nihon Bayer Agrochem, subsidiária japonesa da empresa, sintetizaram neonicotinoides pela primeira vez na década de 1980 – um composto que não apenas resistia ao calor e à luz solar, mas poderia ser aplicado à raiz ou à semente de uma planta e permanecer eficaz durante toda a vida útil dela.

Os neônicos foram aclamados como o “composto Cachinhos Dourados” porque “não são muito duros, nem muito moles, mas na medida certa”.

O novo produto químico chegou na hora certa. Agricultores e reguladores estavam buscando alternativas para outra classe de pesticidas – organofosfatos, agentes nervosos pulverizados nas lavouras – que causavam câncer em humanos. Os estudos iniciais dos neônicos mostraram que o composto era altamente tóxico para os insetos, mas dificilmente causaria danos aos mamíferos.

Como um cientista da Bayer descreveu a invenção em um artigo da revista Science de 1993, saudando a introdução da nova classe de produtos químicos, os neônicos eram o “composto Cachinhos Dourados” porque “não são muito duros, nem muito moles, mas na medida certa”.

Como as sementes podiam ser pré-tratadas com neônicos, que eram absorvidos e extraídos através do tecido, néctar e pólen, elas também podiam ser produzidas em escala industrial, fornecendo às culturas agrícolas uma capacidade eficiente de matar insetos sem a necessidade de tratamentos de pulverização caros ou reaplicações constantes.

Em outras palavras, os agricultores poderiam encher o solo e as sementes com enormes quantidades do composto para evitar problemas de pragas no futuro. O mecanismo de entrega economizou dinheiro para os agricultores, mas estabeleceu as condições para o uso excessivo crônico dos pesticidas.

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Estimativa do uso agrícola de imidacloprida. Informações compiladas do Projeto de Síntese Nacional de Pesticidas do US Geological Survey, USGS.

Mapa: Avaliação Nacional da Qualidade da Água do USGS, The Intercept

O primeiro neônico comercial, a imidacloprida, foi registrado na EPA em 1994 e vendido como tratamento para sementes de batata. Os negócios prosperaram quando os produtos neônicos se espalharam para Japão, França, Alemanha e África do Sul. Nos EUA, tornou-se um tratamento popular de sementes e raízes para milho, algodão, soja, amêndoas e uma variedade de frutas e legumes.

Neônicos foram usados até para aplicações domésticas. A Bayer produziu a imidacloprida como tratamento contra pulgas em animais de estimação nos EUA. A linha Advantage de controle de pulgas decolou, com uma campanha de marketing com o Jack Russell terrier “Eddie” do programa de televisão “Frasier” e uma pulga inflável de 10 metros na Times Square.

A revista Chemical Week chamou a introdução dos neônicos de “renascimento para a indústria de inseticidas dos EUA”, fornecendo “produtos ecológicos”. O jornal Columbus Dispatch, em um artigo para jardineiros domésticos sobre maneiras de fazer um “ataque cirúrgico” contra pragas, pediu que os consumidores considerassem o tratamento Merit do solo da Bayer, que o jornal chamou de “praticamente não tóxico”.

A rápida adoção do composto tornou instantaneamente a Bayer, que antes lucrava principalmente com sua linha de produtos farmacêuticos, uma participante mundial na indústria agroquímica.

‘A imidacloprida é o nosso produto mais importante’, disse o chefe da divisão de pesticidas da Bayer a investidores em 2008.

Em 2003, em um fórum organizado pelo Goldman Sachs, a Bayer listou Confidor, Premise e Gaucho, vários tratamentos de sementes baseados em compostos neônicos, entre seus produtos com melhor desempenho em uma apresentação que descreve os números da empresa. Outra apresentação a investidores, feita pelos executivos da Bayer em Lyon, na França, projetou um rápido crescimento dos produtos neônicos, estimando que a empresa, que teve vendas de quase 400 milhões de euros dos produtos em 1998, mais que dobraria para 850 milhões de euros em 2010.

“A imidacloprida é o nosso produto mais importante”, disse Friedrich Berschauer, então chefe da divisão de pesticidas da Bayer, a investidores durante uma teleconferência em 2008, de acordo com uma transcrição de suas observações. Revelações da empresa reforçam os comentários de Berschauer: durante esse ano fiscal, a companhia registrou 932 milhões de euros em vendas para seus dois principais compostos neônicos.

Em 2009, o mercado neônico global arrecadou 2,1 bilhões de dólares para os maiores produtores de pesticidas. Outros interesses do agronegócio investiram fortemente no mercado. A Monsanto começou a oferecer tratamentos com sementes neônicas através de seu popular produto Acceleron para milho, soja e algodão. A Syngenta, com sede na Suíça, lançou dois tratamentos de sementes com neônicos, Actara e Cruiser, posicionando-se rapidamente como uma empresa líder em inseticidas ao lado da Bayer. Muitos dos primeiros compostos neônicos não são mais protegidos por patentes, permitindo que outras empresas compitam pelo mercado. Valent, BASF (que adquiriu parte do portfólio neônico da Bayer como condição de sua fusão com a Monsanto) e Sumitomo Chemical também estão entre os principais produtores de neônicos.

As primeiras restrições a neônicos na UE, anunciadas no final de 2013, causaram alarme no setor. “O número do ano inteiro como consequência da suspensão é de cerca de 75 milhões de dólares”, observou John Mack, então executivo-chefe da Syngenta, em conversa com investidores no ano seguinte, referindo-se à diminuição da receita como resultado da decisão. Os executivos foram rápidos em apontar, no entanto, que o impacto total da restrição foi limitado porque muitos países da UE obtiveram isenções da regra da suspensão.

Em outra ligação com investidores, Mack declarou que “não há relação entre” o uso de neônicos “e a causalidade do declínio das abelhas”, e disse que ele estava certo de que os reguladores nos EUA não adotariam a abordagem europeia.

Falando com investidores em 2018, Liam Condon, executivo da Bayer encarregado de produtos pesticidas, alertou que a proibição dos neônicos custou à empresa 80 milhões de euros só na França. As restrições mais amplas impostas ao produto químico, continuou Condon, “arrasam todos os nossos resultados europeus”.

A Bayer não divulga mais a receita de produtos individuais em seus relatórios aos investidores. Relatórios financeiros anteriores sugeriram que neônicos representam até 20% de suas vendas. O relatório anual da empresa em 2018 mostrou que a divisão de inseticidas da empresa produziu mais de 1,3 bilhão de euros em receita.

Werner Baumann, presidente do conselho da Bayer, anunciando a aquisição da Monsanto em 2016, declarou que o acordo criaria “uma líder global no setor agrícola”, fornecendo inseticidas e tratamentos de sementes.

O mercado global de neônicos gerou 4,42 bilhões de dólares em receita em 2018, dobrando o valor da década anterior, de acordo com novos números fornecidos ao Intercept pela Agranova, uma empresa de pesquisa que acompanha o setor.

Apicultores participam de uma manifestação na Esplanade des Invalides, em Paris, em 7 de junho de 2018, durante um dia nacional de ação dos apicultores franceses.

Apicultores participam de uma manifestação na Esplanade des Invalides, em Paris, em 7 de junho de 2018, durante um dia nacional de ação dos apicultores franceses.

Foto: Francois Guillot/AFP/Getty Images

As evidências relacionando neonicotinoides com a morte de abelhas começaram a surgir quase ao mesmo tempo em que esses produtos chegaram ao mercado.

No início dos anos 90, na França, várias colmeias perto de lavouras plantadas com neonicotinoides entraram em colapso repentinamente, e os apicultores observaram a morte em massa de abelhas próximo de campos de girassol tratados com o produto Gaucho, da Bayer, que tem a imidacloprida como componente.

Os apicultores franceses montaram uma campanha de pressão contínua que incluiu manifestações de centenas de pessoas marchando em Paris e fora da fábrica da Bayer em Cormery, na região central da França.

Os apicultores observaram que suas abelhas estavam desorientadas e incapazes de buscar comida, enfraquecendo a um ponto em que doenças e infecções parasitárias se espalharam rapidamente, destruindo milhares de colmeias. Eles encontraram abelhas tremendo e morrendo no chão, uma síndrome que apelidaram de “doença das abelhas loucas”. Eles culparam os neônicos, mas a Bayer sustentou que os produtos químicos não causavam danos.

“Não acreditamos que o inseticida represente riscos”, disse Peter Brain, funcionário de assuntos regulatórios da Bayer.

Em 1999, enfrentando uma pressão crescente de agricultores, o governo francês passou a proibir temporariamente o uso de imidacloprida, embora outros neonicotinoides continuassem sendo usados. Perdas anuais de colmeias continuaram a ocorrer.

Em 2008, autoridades da Itália, Alemanha e Eslovênia observaram que a semeadura de campos com sementes tratadas com neônicos estava correlacionada com a morte em massa de abelhas nas proximidades. Em uma região da Alemanha, os apicultores relataram a perda de 11.500 colônias de abelhas após o plantio de campos de canola próximos com sementes tratadas com neônicos. Observações semelhantes em todo o continente levaram à restrição temporária de produtos neônicos comumente usados nos três países naquele ano.

No ano seguinte, um grupo de 70 cientistas, incluindo importantes biólogos, toxicologistas, entomologistas e outros especialistas na Europa, formou a Força-Tarefa sobre Pesticidas Sistêmicos, dedicada ao estudo de neônicos e outros pesticidas sistêmicos. A força-tarefa trabalhou para realizar pesquisas independentes da indústria.

Ao longo dos anos, mais e mais pesquisas pareciam confirmar que neônicos não estavam apenas colocando em risco insetos que não eram o alvo original. Na revista Science, um estudo confirmou que aplicações realísticas de campo de neônicos reduziram a fertilidade de mamangabas em 85%. O grupo de defesa BugLife, sediado no Reino Unido, lançou uma pesquisa que compilou anos de estudos acadêmicos mostrando que os neonicotinoides pareciam estar prejudicando as populações de abelhas, abelhas nativas e outros invertebrados que não eram alvo do produto.

A Força-Tarefa sobre Pesticidas Sistêmicos reuniu mais de mil estudos científicos, concluindo que o uso em larga escala de neônicos, juntamente com o fipronil, outro pesticida sistêmico popular, estavam causando “impactos crônicos e difundidos na biodiversidade global”. O grupo observou que os pesticidas neônicos permanecem por longos períodos no solo e contaminam campos e cursos d’água longe de locais agrícolas. Os cientistas pediram uma redução urgente no uso dos produtos químicos.

A crescente revolta contra os neônicos colocou a UE em ação. Em 2012, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, o principal regulador de pesticidas da UE, divulgou uma avaliação de risco constatando que os três neonicotinoides mais amplamente utilizados apresentavam riscos sérios às abelhas. A descoberta desencadeou um esforço apoiado pela maioria dos países da UE para suspender o uso de neonicotinoides em plantas com flores ao ar livre por dois anos.

A pressão crescente criou a necessidade da indústria de pesticidas reagir com suas próprias pesquisas. De fato, uma das maiores vitórias da indústria foi seu esforço em reunir os cientistas de abelhas mais influentes dos EUA.

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Dennis vanEngelsdorp.

Foto: David Yellen

A primeira onda de manchetes nos EUA sobre o rápido declínio das abelhas começou em 2006, quando os apicultores da Pensilvânia relataram perdas drásticas de colmeias. Outros apicultores também relataram perdas surpreendentes durante o inverno daquele ano, em média 30%, destruindo mais de um quarto dos 2,4 milhões de colônias no país.

A misteriosa crise foi denominada “desordem do colapso das colônias” na mídia. Dennis vanEngelsdorp, então servindo como inspetor-chefe de apiário interino da Pensilvânia e estudando na Penn State University, encontrou-se no centro da história. “Isso está causando tantas mortes tão rapidamente que é alarmante”, disse ele ao jornal Philadelphia Inquirer. Ele começou com autópsias de abelhas mortas na Pensilvânia, mas logo entrou em contato com apicultores da Geórgia, Flórida e Califórnia relatando perdas semelhantes.

Uma equipe de outros especialistas em abelhas de destaque, incluindo vanEngelsdorp, o entomologista da Universidade Estadual de Washington, Walter “Steve” Sheppard, e outros cientistas proeminentes trabalharam para investigar a crise. “Isso é como o CSI para a agricultura”, disse um dos acadêmicos do projeto, W. Ian Lipkin, da Universidade de Columbia, em entrevista ao New York Times.

VanEngelsdorp, ao lado de Jerry Hayes, então inspetor-chefe de apiário da Flórida e presidente dos Inspetores de Apiários da América, foi pioneiro em um esforço para entrevistar apicultores em todo o país para rastrear distúrbios de colapso de colônias. As abelhas foram enviadas para o laboratório e examinadas quanto à causa da morte. VanEngelsdorp iniciou uma fundação, a Bee Informed Partnership, para formalizar a pesquisa e continuar a pesquisa de possíveis fatores para o distúrbio.

Em entrevistas com agências de notícias nacionais, mídia local e estações de televisão em todo o país, vanEngelsdorp se tornou uma celebridade da noite para o dia. Em 2008, ele apareceu proeminentemente no documentário premiado “Silêncio das Abelhas”, descrito como líder do esforço de pesquisa em torno do colapso de colônias de abelhas, e também gravou uma elogiada TED Talk, “Um apelo pelas abelhas”.

Em seu TED Talk, vanEngelsdorp enfatizou que as colônias de abelhas poderiam ser reconstruídas, considerando que os apicultores comerciais podem dividir uma colmeia em duas ou comprar rainhas pelo correio. Mas o perigo no colapso das colônias foi além das abelhas europeias, que são amplamente usadas para polinizar a agricultura americana. As abelhas nativas também estavam desaparecendo em um ritmo alarmante, sem nenhum esforço comercial para revivê-las. Os morcegos também estavam desaparecendo, lamentou, “e não há dinheiro para estudar isso”.

‘Imagine se uma entre três vacas morresse. A Guarda Nacional estaria agindo’, disse vanEngelsdorp em 2013.

No ano seguinte, em setembro de 2009, vanEngelsdorp apareceu ao lado de Pettis na Apimondia. Durante esse período de sua carreira, vanEngelsdorp geralmente sugeria em entrevistas na mídia que vários fatores eram prováveis de ser os culpados pela perda de abelhas. O declínio, disse ele a um jornal local do Missouri em 2007, pode ser atribuído a “ácaros e doenças associadas, algumas doenças patogênicas desconhecidas e contaminação ou envenenamento por pesticidas”. A pesquisa que ele apresentou na Apimondia concluiu que “as interações entre pesticidas e patógenos podem ser os principais contribuintes para o aumento da mortalidade de colônias de abelhas”.

Nos anos seguintes, vanEngelsdorp usou sua voz para descartar preocupações com neônicos na mídia. Sua mudança de retórica coincidiu com um empurrão da indústria de pesticidas, em resposta aos crescentes pedidos de restrições aos pesticidas para conter as perdas de abelhas, e começou um esforço para vender uma nova imagem como “amiga das abelhas”.

Em 2013, ele disse a um repórter: “Imagine se uma em cada três vacas morresse. A Guarda Nacional estaria agindo.” Ele continuou: “Claro, os neônicos podem ser um problema às vezes. Mas nem todos, ou na minha humilde opinião, não na maior parte das vezes.”

“O júri ainda está debatendo”, disse ele ao jornal Raleigh News & Observer, quando perguntado sobre o papel do pesticida no declínio das abelhas em 2014. A agência de notícias Associated Press citou vanEngelsdorp declarando: “Não estou convencido de que os neônicos sejam um dos principais fatores de perda de colônias” em 2016. “Em muitos casos [os neonicotinoides] são, na verdade, a alternativa mais segura”, ele foi citado dizendo em outro artigo, expressando ceticismo em relação ao impulso de proibir o composto.

Quando perguntado sobre sua aparente mudança, vanEngelsdorp disse em um email que seu trabalho se concentrava nas abelhas, mas ele está preocupado com a ameaça que representa para outros polinizadores e a vida de insetos. Em Maryland, ele escreveu, altos níveis de infestações por ácaros “explicariam uma grande mortalidade [de abelhas].”

“Devo enfatizar que estou falando sobre abelhas melíferas, não abelhas nativas, e os efeitos dos neônicos em abelhas que não produzem mel e não são alvo (as abelhas possuem uma força de trabalho de reserva, que pode ser perdida sem consequências por serem organismos sociais, e outras abelhas que não são melíferas) são muito mais evidentes e preocupantes”, escreveu vanEngelsdorp.

Naquela época, vanEngelsdorp ingressou no Conselho Consultivo de Abelhas da Monsanto, um esforço apoiado pela empresa, e apareceu no Honey Bee Health Summit da empresa em 2013 como porta-voz. Nesse mesmo ano, o Projeto Apis m., uma fundação fortemente financiada pela Bayer, fez doações para a organização sem fins lucrativos de vanEngelsdorp, o Bee Informed Project, e desde então forneceu pelo menos 700 mil dólares ao laboratório, segundo registros de impostos públicos.

Em email, vanEngelsdorp disse que, embora tenha recebido um fluxo de financiamento da Bayer, esse prêmio chegou no ano passado e “seria difícil argumentar que tenha influenciado trabalhos anteriores”. O financiamento do Projeto Apis m. para o Bee Informed Project da vanEngelsdorp, acrescentou, veio da Costco, não da indústria agrícola. Outros interesses corporativos, incluindo o Almond Board da Califórnia e a General Mills Foundation, também financiaram diretamente o Bee Informed Project.

VanEngelsdorp disse que seu laboratório nunca recebeu financiamento direto de empresas de pesticidas.

A Bayer, como parte de sua iniciativa Colmeias Saudáveis 2020, dedicou pelo menos 1,3 milhão de dólares ao projeto em colaboração com o Projeto Apis m., que considera a Bayer como um de seus maiores doadores, embora a empresa não divulgue os valores de doações individuais.

O professor da Universidade de Maryland também explicou que se sentia em conflito por ingressar no conselho consultivo da Monsanto, uma posição que terminou em 2019.

“O objetivo deste conselho é ajudar a orientar o desenvolvimento de novas ferramentas para controlar o ácaro Varroa, que eu acho, e os dados sugerem – é um dos maiores causadores de perdas”, escreveu vanEngelsdorp. “Então foi difícil quando me pediram para entrar no conselho consultivo (que incluía vários apicultores), porque – quem quer ter uma associação com a agricultura corporativa?”

“Se tenho sentimentos conflitantes? – o tempo todo”, disse vanEngelsdorp ao Intercept. “Mas se penso que meu envolvimento no incentivo ao desenvolvimento de um novo controle de ácaros, que é desesperadamente necessário, enviesa minha visão para os fatores relacionados à saúde das abelhas? Não. Acho que os dados são claros.”

Ele disse ainda: “O mundo é um lugar complicado. Cheio de cinza. Eu só tenho que acreditar que a ciência vai mostrar a verdade, e espero que possamos chegar lá, mantendo as coisas cordiais e respeitosas com a ideia de que as pessoas que seguem caminhos diferentes para o mesmo fim (salvar as abelhas) não sejam ruins.”

“Sou um ambientalista – por isso tenho estado e continuo muito preocupado e falando sobre a proteção da Terra e de seu bioma”, escreveu ele. “Estou certo que, em todas as entrevistas sobre esse tópico, digo claramente – o uso generalizado de sementes com revestimento neônico é uma maneira míope, ineficaz e ambientalmente insustentável de usar este produto. Defendo fortemente o uso sábio. Use-o quando souber que precisa e não o faça a menos que saiba que precisa. Mas esse trecho nunca é mencionado. Mas é o que penso e penso há muito tempo.”

Danielle Downey, executiva do Projeto Apis m., disse que o grupo é “transparente sobre de onde vêm os fundos doados e para quê os usamos, tendo em mente a privacidade dos doadores”, em comunicado ao Intercept. “O Projeto Apis m. mantém-se a par da ciência sobre a saúde das abelhas, o que nos permite apoiar projetos relevantes para o setor.”

Downey não se posicionou sobre a regulamentação de neônicos e observou que “em relação às proibições e regulamentações de pesticidas, os países que aplicam diferentes paradigmas de precaução e avaliação de risco podem alcançar resultados distintos”.

Em 2013, vanEgelsdorp também editou um artigo controverso escrito por um grupo de consultores que diziam que o tiametoxam, um neônico produzido pela Syngenta, apresentava “pouco risco às abelhas” quando aplicado a colza e milho. Em uma seção do seu site intitulada “Declínio das Abelhas”, a Syngenta cita o estudo para argumentar que “não há correlação direta entre o uso de neonicotinoides e prejuízos à saúde das abelhas”.

O artigo, que foi citado pela Syngenta para pedir uma isenção no Reino Unido frente à nova moratória da União Europeia sobre produtos neônicos, depois foi amplamente criticado. Em um contundente artigo para a revista científica Environmental Sciences Europe, um grupo de entomologistas afirmou que o estudo editado por vanEngelsdorp não era baseado em “dados e metodologias honestos”, argumentando que ele usava um tratamento em doses abaixo do recomendado para as sementes e que o experimento havia sido mal desenhado.

‘Se tenho sentimentos conflitantes? – o tempo todo’, disse vanEngelsdorp. ‘O mundo é um lugar complicado. Cheio de cinza. Eu só tenho que acreditar que a ciência vai mostrar a verdade’.

Outro grupo de cientistas, na Universidade de St. Andrews, na Escócia, também destruiu o artigo editado por vanEngelsdorp, observando que ele não usava análise estatística formal e chegou a sua conclusão apenas inspecionando os dados de forma vaga. Eles ridicularizaram o método como sendo algo que simplesmente refletia “as crenças prévias dos envolvidos no estudo”. A Biblioteca da Câmara dos Comuns do Reino Unido, em um artigo de apresentação sobre os neônicos, disse que o estudo sobre tiametoxam recebeu críticas por sua falta de rigor científico, e que todos os cinco autores “eram ou haviam sido empregados da Syngenta, ou haviam sido pagos pela Syngenta por algum trabalho”.

VanEngelsdorp também emprestou seu nome a um pomposo esforço em defesa da indústria de pesticidas. CropLife America, Bayer e Syngenta lançaram a Honey Bee Health Coalition, um novo grupo focado em pesquisas sobre o ácaro Varroa e outras causas não relacionadas aos pesticidas para explicar o declínio da população de abelhas. O grupo era oficialmente coordenado pelo Keystone Policy Center, uma organização supostamente independente, em conjunto com associações de apicultores e ambientalistas. Os registros mostram, no entanto, que o Keystone Policy Center era amplamente financiado pelas grandes corporações, incluindo Bayer e Syngenta. Além disso, documentos internos da Honey Bee Health Coalition mostram que seus contatos com os apicultores eram revisados pelo bloco de agricultores e membros das companhias produtoras de pesticidas, incluindo DuPont, CropLife America, Syngenta, e a Associação de Varejistas da Agricultura. Fazendeiros e apicultores pagavam cerca de 500 dólares para entrar na organização, enquanto as taxas de membros corporativos podiam chegar a 100 mil.

Marques Chavez, um porta-voz do Keystone Policy Center, que organiza a Honey Bee Health Coalition, assinalou em uma declaração ao Intercept que o grupo “apoia a saúde das abelhas e enfrenta problemas complexos na agricultura e além dela, unindo perspectivas diversas”. A declaração não abordou o tamanho da influência da indústria de pesticidas, mas disse que o grupo mantém um estatuto público que “delineia a estrutura e o processo de tomada de decisões usado pela coalizão para identificar, refinar e finalizar a ideia e os resultados que refletem as contribuições diversas e o esforço colaborativo de nossos membros”.

Jerry Hayes, o ex-inspetor apiário da Flórida, entrou para a Monsanto e se tornou o representante da empresa em conferências de apicultores ao redor do país, ajudando a promover frente aos mais céticos as pesquisas da companhia sobre soluções genéticas para abelhas. Hayes também ajudou no lançamento da Honey Bee Health Coalition. Ele recrutou vanEngelsdorp para ser um dos primeiros cientistas no comitê que dirige a coalizão.

Não foram os únicos. A indústria também recrutou vozes ligadas à apicultura para serem a cara dessa reformulação de marca. Richard Rogers, um consultor acadêmico e ex-professor adjunto na Universidade Acadia em Nova Scotia, produziu uma pesquisa financiada pela Bayer no Canadá no início dos anos 2000, desconsiderando os perigos que os neônicos aplicados a plantações de batata na província da Ilha do Príncipe Eduardo representavam para as abelhas. Rogers foi contratado para ajudar a iniciativa Bayer Bee Care quando o centro foi aberto em 2012. A Dra. Helen Thompson, uma importante autoridade da área de meio ambiente no Reino Unido, que havia se oposto à ordem da União Europeia para suspender o uso de neônicos, foi contratada pela Syngenta.

Sheppard, o entomologista da Washington State University, estava entre os proeminentes cientistas que aceitaram a aproximação com a indústria de pesticidas. No mesmo ano em que a Honey Bee Health Coalition foi lançada, Sheppard juntou-se à Bayer para uma campanha itinerante patrocinada pela companhia, intitulada Bee Care Tour. Ele depois se juntou ao comitê dirigente da empresa para a iniciativa “Colmeias Saudáveis 2020”.

Emails obtidos pelo Intercept mostram uma relação amistosa entre as fabricantes de pesticidas e os acadêmicos que elas recrutaram.

Em uma conversa com David Fischer, responsável pelo Bee Care Center da Bayer, vanEngelsdorp foi perguntado sobre como responder aos repórteres a respeito do cálculo das perdas anuais de colmeias. O pesquisador de Maryland sugeriu um método que minimiza as perdas do inverno ao incluir na conta novas colmeias que se separaram de outras mais fortes, embora ele tenha observado que esse método “reduz o ritmo das perdas” e foi rejeitado por apicultores europeus.

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Daniel Schmehl, da Bayer, pediu ao cientista de abelhas Walter “Steve” Sheppard aspas explicando por que “a parceria com o Bee Care Center da Bayer é importante para a sua pesquisa sobre abelhas”.

Screenshot: The Intercept

Daniel Schmehl, da Bayer, pediu ao cientista de abelhas Walter “Steve” Sheppard declarações explicando por que “a parceria com o Bee Care Center da Bayer é importante para a sua pesquisa sobre abelhas”, além de outras aspas que a empresa pudesse usar em seus materiais. Sheppard aparece regularmente nos releases de imprensa e publicações da Bayer, como parte do compromisso da empresa com a saúde das abelhas.

Em outra conversa, Rogers, o ex-professor adjunto da Universidade Acadia e agora um membro do Bee Care Center da Bayer, escreveu em 2015 para Shepperd e Jamie Ellis, um professor associado na Universidade da Flórida, pedindo para publicar um “artigo sobre a definição de uma colônia saudável de abelhas”. Rogers observou que ele havia trabalhado em um esboço, mas sugeriu que, “para causar uma percepção melhor, talvez você ou o Steve, ou outra pessoa que não trabalhe para a Bayer devesse ser o autor principal”. Ellis concordou e respondeu que “entendia sua preocupação com um funcionário da Bayer assumindo a autoria principal”.

O momento em que VanEngelsdorp se afasta das preocupações quanto ao papel dos neônicos é capturado em outro documentário sobre o sofrimento das abelhas.

Em 2015, o site FiveThirtyEight produziu uma série de mini-documentários, incluindo um mais longo sobre “A luta para salvar a poderosa abelha”. O filme, que foi selecionado para exibição no festival de Sundance, acompanha vanEngelsdorp em seu laboratório e no campo, discutindo exclusivamente o ácaro Varroa. Ao contrário de suas aparições prévias em documentários sobre o declínio de abelhas, o vídeo não fazia menção aos neônicos ou qualquer outra pressão dos pesticidas sobre a saúde das abelhas.

A Bayer ficou entusiasmada com o documentário. Sarah Myers, uma organizadora de eventos na empresa de químicos, pediu permissão a vanEngelsdorp para exibir o vídeo no site da companhia. De forma cordial, vanEngelsdorp informou a companhia que ele não detinha os direitos sobre o filme e indicou que Myers falasse com os produtores da firma responsável pelo FiveThirtyEight. O Bee Care Center da Bayer exibiu o filme.

Em um diálogo com Paul Hoekstra, um funcionário de regulações na Syngenta, vanEngelsdorp recebe um agradecimento por concordar em falar com John Brown, um advogado canadense ajudando em um processo difícil sobre o registro de neônicos.

‘Eu acho que eles estão usando esse grupo como algo benéfico para as relações públicas, mas também é verdade que não temos dinheiro na indústria da apicultura’, disse Hayes.

A relação continuou. No início de janeiro, a Federação Americana de Apicultura realizou sua convenção de 2020. O maior patrocinador do evento foi a Bayer, que trouxe uma série de falas na conferência para promover o compromisso da empresa com a saúde das abelhas. Sheppard recebeu destaque em um vídeo promocional exibido no evento. Entre as apresentações estava uma fala de vanEngelsdorp sobre ácaros.

“Minha ligação com a Bayer não teve influência no meu foco de pesquisa ou na própria pesquisa”, disse Sheppard, em uma declaração ao Intercept que detalhou seu trabalho ajudando o Projeto Apis m. a identificar propostas de estudos sobre a saúde de abelhas usando mais de 1 milhão em financiamentos da Bayer.

“Eu não posso falar pela Bayer – mas os projetos financiados com o dinheiro dela e administrados por meio do Projeto Apis m. parecem não ter qualquer relação com os esforços para ‘prevenir a restrição’ ao uso de neonicotinoides”, escreveu Sheppard. “Eu não sou ingênuo de pensar que uma companhia tão grande não tem suas próprias intenções de promover ou apoiar seus produtos para controle de insetos. No entanto, e de forma enfática, no caso dos fundos distribuídos pelo Projeto Apis m., nenhuma conexão desse tipo ficou aparente para o Projeto Apis m. ou para mim”.

Jerry Hayes se aposentou da Monsanto há dois anos, depois que o projeto que ele foi contratado para promover “simplesmente não funcionou”. Ele agora trabalha como editor na revista Bee Culture.

Em uma entrevista, Hayes disse que ele estava orgulhoso do trabalho alcançado pela Honey Bee Health Coalition, incluindo o desenvolvimento de guias para apicultores lidarem com infestações do ácaro Varroa. Ele também vê como uma conquista única o esforço de reunir várias partes interessadas em uma mesma coalizão. Mas ele disse que as corporações produtoras de pesticidas estavam, em sua maior parte, no comando.

“Eu acho que eles estão usando esse grupo como algo benéfico para as relações públicas, mas também é verdade que não temos dinheiro na indústria da apicultura”, disse Hayes.

“Esses caras estavam financiando a organização e as reuniões, e todos sabíamos que talvez houvesse outras motivações”, comentou. “Sem esses recursos, nós não teríamos avançado um pouquinho nesse caminho para tornar as abelhas um pouco menos ameaçadas”.

Hayes disse que ele acompanhou as controvérsias em torno dos neônicos e estava preocupado com o número crescente de estudos que mostravam a ameaça a insetos que não eram alvo dos pesticidas. Embora ele estivesse preocupado de que restringir o químico pudesse reintroduzir no mercado pesticidas mais antigos que traziam um risco ainda maior aos mamíferos, ele acrescentou que a busca pelo lucro levou a um uso excessivo de neônicos.

“Tudo se resume em dinheiro. A Bayer está cuidando dos seus acionistas”, disse Hayes.

Hayes disse não acreditar que as visões de vanEngelsdorp sobre os pesticidas tenham sido moldadas pela sua conexão com a indústria.

“Ele é um bom cientista”, disse Hayes. “A ciência muda com o tempo. Eu acredito que os progressos da ciência e os dados mostram coisas diferentes às vezes, mas não penso que Dennis seja influenciado pelo dinheiro dessas outras pessoas”.

“Mas”, acrescentou Hayes, quando “empresas químicas querem apoiar Dennis porque ele consegue pensar em soluções para a saúde das abelhas, isso tira a pressão de cima delas, não é mesmo?”

O proprietário do Apiário J&P e da Gentzel’s Bees, Honey and Pollination Company trabalha com suas abelhas em 2015, em Homestead, na Flórida.

O proprietário do Apiário J&P e da Gentzel’s Bees, Honey and Pollination Company trabalha com suas abelhas em 2015, em Homestead, na Flórida.

Foto: Joe Raedle/Getty Images

Apesar de uma campanha sofisticada de lobby para derrubar as restrições aos neônicos, Maryland foi um dos poucos estados a aprovar uma lei banindo produtos baseados em neônicos para itens destinados ao consumidor final. A indústria usou todo o seu peso mesmo contra esse pouco abrangente projeto de lei, que ainda possibilita o uso de neônicos no paisagismo e na agricultura.

E vanEngelsdorp teve um papel importante para a quase derrubada da legislação.

Em janeiro de 2016, a Universidade de Maryland em College Park realizou um encontro reunindo representantes corporativos e pesquisadores para falar de soluções para a crise das abelhas. Maryland, Califórnia, Massachusetts e outros estados estavam considerando restrições em produtos neônicos. O governo Obama incentivou uma abordagem que reunisse uma grande variedade de partes interessadas, conhecido como o Plano Gerenciado de Proteção a Polinizadores, MP3 na sigla em inglês, como método para resolver o problema.

As autoridades estaduais entraram em contato com o Keystone Policy Center — a mesma organização sem fins lucrativos da indústria química responsável pela Honey Bee Health Coalition da CropLife America — para administrar o processo.

VanEngelsdorp, em uma fala no encontro, exibiu uma apresentação de slides que indicava sua ligação com a Monsanto em letras miúdas no rodapé, segundo contou Luke Goembel, da Associação de Apicultores da Região Central de Maryland.

A apresentação, disse Goembel, defendia que “ácaros Varroa, e não pesticidas, são a principal causa para as perdas de colmeias” e incluía “uma imagem de um bebê vampiro representando um ácaro Varroa”. VanEngelsdorp, contou Goembel, fez uma comparação jocosa, mostrando um gráfico que relacionava o número de piratas no mundo com outro gráfico mostrando a perda crescente de colmeias ao longo do tempo, uma “tentativa de apresentar o conceito de que ‘correlação não prova uma relação de causa e efeito’” e de “ridicularizar as preocupações sobre o uso cada vez maior de pesticidas”.

“Eu fiquei chocado”, disse Goembel, “porque os periódicos científicos estão cheios de pesquisas que descrevem muitos caminhos pelos quais os pesticidas, especialmente os neonicotinoides, quase certamente levam a perdas de colmeias”.

O encontro incluía uma grande variedade de falas, mas os ativistas da apicultura reclamaram que a discussão foi dominada pelos fabricantes de pesticidas.

Cada nova apresentação argumentava que a perda de colmeias era apenas “devido aos ácaros Varroa, não pesticidas”, segundo Bonnie Raindrop, outra membra da Associação de Apicultores da Região Central de Maryland presente ao encontro. Apenas uma pequena parcela dos participantes, disse Raindrop, eram apicultores, e aqueles que realmente foram estavam separados uns dos outros. O resto, segundo ela, “eram pessoas que não sabiam nada sobre abelhas”, incluindo lobistas, profissionais de jardinagem e representantes do agronegócio.

“Eles tinham um formato muito controlado”, disse Raindrop, “com um apicultor em cada mesa, o resto sendo gente da indústria, e nos pediam que fizéssemos recomendações sobre como deveria ser a política da MP3”.

Tanto Raindrop quanto Goembel levantaram a questão do papel dos neoticotinoides e outros pesticidas sistêmicos na morte de abelhas, mas disseram que outros participantes no encontro não deram atenção.

Os moderadores do Keystone Policy Center mantiveram a conversa focada em ácaros, “e disseram que os apicultores não estavam fazendo devidamente o seu trabalho de controlar ácaros usando químicos”, acrescentou Raindrop.

Questionada sobre as críticas dos apicultores ao encontro de Maryland, Chavez, o porta-voz do Keystone Policy Center, disse em uma declaração que o evento “envolveu a aproximação com uma ampla variedade de partes interessadas” e incentivou que o público lesse o relatório final produzido pelo encontro.

Um mês depois da conferência, legisladores em Annapolis, Maryland, passaram a discutir um projeto para banir neônicos em produtos de consumo. Durante o debate na Assembleia sobre a lei, um grupo de oponentes – incluindo representantes do governador, o republicano Larry Hogan, da indústria de pesticidas e do dono de um viveiro comercial – repetidamente citaram a pesquisa feita pelo Keystone Policy Center no encontro como evidência de que os pesquisadores não acreditavam que os pesticidas eram um problema.

Vários citaram vanEngelsdorp nominalmente, afirmando que o professor da Universidade de Maryland havia fornecido pesquisas mostrando que os neonicotinoides não apresentavam uma ameaça às colmeias de Maryland.

Na audiência, o delegado estadual Clarence Lam, um democrata, observou que centenas de artigos científicos que passaram por revisão de pares identificaram os neonicotinoides como um dos principais causadores do declínio de abelhas e zombou da tentativa da indústria de usar o encontro do MP3 como um contra-argumento.

“Apresentar dados como esse é bem enganoso”, disse Lam. “É só um pouco melhor do que apresentar dados de uma enquete no Facebook e dizer que isso é o que os dados e a ciência mostram”.

Por fim, a ofensiva da indústria falou e, no final de 2016, Maryland aprovou a Lei de Proteção de Polinizadores. Uma medida similar foi aprovada naquele ano em Connecticut, para limitar o uso de neônicos em plantas com flores e, no ano passado, Vermont também decretou restrições ao uso de neônicos em produtos de consumo.

Reguladores no Oregon, após a comoção causada por um incidente em que 50 mil abelhas subitamente morreram em um estacionamento de um hipermercado Target como resultado do uso de um pesticida baseado em neônicos, tomaram ações para prevenir o uso de neônicos em pés de tília. Mas, na maior parte dos EUA, quase não há limitações para o produto químico. Reguladores na Califórnia também anunciaram uma tentativa de congelar novos pedidos feitos por companhias de pesticidas com o objetivo de expandir o uso de neônicos.

Gary Ruskin, co-diretor da Right to Know, um grupo de defesa de interesses públicos acompanhando a influência da indústria de pesticidas, que compartilhou com o Intercept alguns dos emails entre a indústria e acadêmicos, disse: “a proximidade de vanEnglesdorp com a indústria de pesticidas levanta sérias questões sobre o valor e confiabilidade da sua pesquisa”.

“Quanto mais as empresas são cada vez mais ameaçadas pelas descobertas científicas, mais elas buscam formas de enfraquecer qualquer ciência independente que possa reduzir seus lucros”, disse Ruskin. “Uma ótima maneira de fazer isso é cooptando cientistas de universidades públicas, que normalmente contam com a confiança da população”.

Em um dos emails revelados pelo grupo de Ruskin, vanEngelsdorp escreveu a Fischer, o gerente do Bee Care Center da Bayer, aparentemente irritado que a companhia havia publicado pesquisa confidencial de seu laboratório, afirmando que os dados haviam sido mal utilizados e compartilhados sem a sua permissão.

“Dados da equipe de tecnologia são confidenciais e, por isso, não deveriam ser publicados – especialmente por uma companhia química!”, escreveu vanEngelsdorp.

Em resposta, Fischer removeu a informação do blog da Bayer. Ele também recordou o acadêmico da Universidade de Maryland que a Bayer havia investido recursos financeiros consideráveis na relação e a considerava uma prioridade para a companhia.

“Valorizamos o nosso trabalho com você, outros pesquisadores e interessados que se comprometeram a abordar esse importante problema”, escreveu Fischer.

“Como você sabe bem, a percepção (do público) é tudo”, respondeu vanEngelsdorp.

Nick Surgey contribuiu com a pesquisa dessa reportagem.

Tradução: Maíra Santos

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