SAO PAULO, BRAZIL - FEBRUARY 23:  Military tactical police officers advance on suspected drug users in the region known as "Cracolandia" on February 23, 2017 in Sao Paulo, Brazil.  In an area of Brazil where drug abuse and violence has taken over the district, the government has introduced street clearance operations by police to remove the crack users. (Photo by Victor Moriyama/Getty Images)

Cortes em verba hospitalar e demolições na cracolândia mostram o que Doria entende por saúde pública

Prefeito trata questões de saúde pública como se fossem de segurança, manda cortar verbas hospitalares e congelou em 25% a receita da secretaria municipal.

SAO PAULO, BRAZIL - FEBRUARY 23:  Military tactical police officers advance on suspected drug users in the region known as "Cracolandia" on February 23, 2017 in Sao Paulo, Brazil.  In an area of Brazil where drug abuse and violence has taken over the district, the government has introduced street clearance operations by police to remove the crack users. (Photo by Victor Moriyama/Getty Images)

Se havia alguma dúvida de que João Doria não encarava saúde como uma prioridade, esta semana ela foi sanada. Ao usar força bruta policial para literalmente destruir a cracolândia do centro de São Paulo, o prefeito da capital paulista ignorou duas considerações fundamentais sobre a dependência de crack, ou qualquer outro tipo de droga: a questão é de saúde, e não de segurança. Não é atacando locais de consumo e venda que se resolve o problema. Para confirmar o nível de preocupação do prefeito sobre saúde pública, na sequência, ele mandou reduzir a verba de postos de saúde e hospitais em 7,2%. No início do ano, já havia mandado congelar 25% da receita da secretaria municipal de saúde.

“Não há possibilidade de a Cracolândia voltar”, afirmou o prefeito após a destruição da área, no fim de semana. Além de ferir pessoas durante a ação, seja por brutalidade policial ou simplesmente derrubando paredes por sobre elas, o prefeito não completou nem mesmo a “missão” a que se propôs: acabar com a feira de drogas.

23 05 2017 Sao Paulo SP Brasil -  Com a retirada do viciados em crack da região da Luz centro .  Outros locais como Praça Princesa Isabel é a nova" Cracolandia" com centenas de usuarios de droga na cidade e tamebém em outros locais do centro. Foto Alan White/Fotos Publicas

Próxima à região da Luz, onde foi realizada a megaoperação do fim de semana, a Praça Princesa Isabel é um dos pontos onde surgem novas cracolândias.

Foto: Alan White/Fotos Publicas

Em vez de dar fim à cracolândia, a operação fez com que ela se espalhasse pela cidade. Neste momento, “minicracolândias” estão sendo criadas ou expandidas em São Paulo. E o pior: as novas concentrações se encontram em pontos onde a estrutura de apoio aos usuários não é forte como era no centro, em lugares onde não há assistência social regular ou nem mesmo presença de ONGs que apoiam as famílias envolvidas.

Movimento semelhante foi observado em 2012, quando a gestão do então prefeito Gilberto Kassab (PSD) organizou junto ao governo Geraldo Alckmin (PSDB) a “Operação Cracolândia”. Já naquele momento, o crescimento de pontos de venda alternativos foi criticado como consequência da ação policial.

“Precisa e cirúrgica para evitar violência”

E qual a saída novamente apontada por Doria, frente à dispersão da cracolândia central? “Assim como na Luz, a ação será precisa e cirúrgica para evitar violência”, afirmou o prefeito. O ataque orquestrado no fim de semana à região da Luz, que o prefeito qualifica como cirúrgico e preciso, foi alvo de críticas feitas por organizações de saúde, de defesa dos direitos humanos e por parte do Ministério Público e da Defensoria Pública. Um documento sobre a operação será entregue à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Abaixo, é possível verificar como a operação foi tudo, menos uma ação “precisa e cirúrgica para evitar violência”:

Para completar, Doria ainda ordenou a internação compulsória de usuários presos durante a operação. Triste coincidência: em 18 de maio completaram-se 30 anos da Carta da Bauru, documento assinado pelos participantes do II Congresso dos Trabalhadores em Saúde Mental. A carta definiu as diretrizes da luta antimanicomial e que trouxe as questões da Reforma Psiquiátrica Brasileira para seu devido campo: a saúde.

Na carta, profissionais de saúde mental recusavam “o papel de agente da exclusão e da violência institucionalizadas, que desrespeitam os mínimos direitos da pessoa humana”. Em um relatório sobre saúde mental no mundo, de 2001, a Organização Mundial de Saúde incluiu a dependência de drogas e do álcool na lista de transtornos mentais que devem ser tratados sob o prisma da saúde pública.

Em comemoração aos 30 anos da carta, o Grupo de Trabalho de Saúde Mental e Liberdade da Pastoral Carcerária lançou uma nota criticando ações de internação compulsória, como a que viria a ser adotada pelo prefeito paulistano. Dois dias depois, a ação de Doria mostrou que as mesmas posturas criticadas há 30 anos continuam mais do que atuais, conforme criticou o Conselho Federal de Psicologia:

“Esse ‘novo programa’ repete fórmulas ultrapassadas, inadequadas e ineficientes do ponto de vista da saúde mental. Repete o ‘Programa Recomeço’, do governo estadual, e a ‘Operação Sufoco’, da gestão municipal. As três iniciativas têm como princípios o tratamento por internação, inclusive involuntária, em parceria com comunidades terapêuticas mantidas por entidades confessionais, não sendo coincidência o nome ‘Redenção’.”

Foto do topo: Operação policial na Cracolândia, em fevereiro de 2017, já utilizava de truculência policial.

S.O.S Intercept

Peraí! Antes de seguir com seu dia, pergunte a si mesmo: Qual a chance da história que você acabou de ler ter sido produzida por outra redação se o Intercept não a tivesse feito?

Pense em como seria o mundo sem o jornalismo do Intercept. Quantos esquemas, abusos judiciais e tecnologias distópicas permaneceriam ocultos se nossos repórteres não estivessem lá para revelá-los?

O tipo de reportagem que fazemos é essencial para a democracia, mas não é fácil, nem barato. E é cada vez mais difícil de sustentar, pois estamos sob ataque da extrema direita e de seus aliados das big techs, da política e do judiciário.

O Intercept Brasil é uma redação independente. Não temos sócios, anúncios ou patrocinadores corporativos. Sua colaboração é vital para continuar incomodando poderosos.

Apoiar é simples e não precisa custar muito: Você pode se tornar um membro com apenas 20 ou 30 reais por mês. Isso é tudo o que é preciso para apoiar o jornalismo em que você acredita. Toda colaboração conta.

Estamos no meio de uma importante campanha – a S.O.S. Intercept – para arrecadar R$ 250 mil até o final do mês. Nós precisamos colocar nosso orçamento de volta nos trilhos após meses de queda na receita. Você pode nos ajudar hoje?

QUERO APOIAR

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar