US President Barack Obama tours the 2016 White House Science Fair in the Blue Room at the White House in Washington, DC, April 13, 2016. / AFP / SAUL LOEB        (Photo credit should read SAUL LOEB/AFP/Getty Images)

Barack Obama teme que futuro presidente entre em guerra de drones perpétua e secreta

O presidente dos EUA alega estar implementando medidas de responsabilização e transparência para "servir ao povo americano no futuro".

US President Barack Obama tours the 2016 White House Science Fair in the Blue Room at the White House in Washington, DC, April 13, 2016. / AFP / SAUL LOEB        (Photo credit should read SAUL LOEB/AFP/Getty Images)

O Presidente dos EUA, Barack Obama, deu um alerta em uma entrevista recente sobre a possibilidade de um futuro presidente dos EUA entrar em guerras perpétuas e secretas “por todo o mundo”. Porém, Obama alega que as medidas de transparência e responsabilização que estão sendo implementadas por sua gestão reduzem as possibilidades disso ocorrer.

Na entrevista com Jonathan Chait, da revista New York, Obama demonstrou concordar com uma das críticas mais marcantes de sua guerra de drones, a de que há um risco de criar uma “comodidade e uma inércia institucional quanto ao que parece ser uma forma extremamente antisséptica de eliminar inimigos”.

Obama explicou que analisou a “forma como o número de ataques por drones vinha crescendo e a forma rotineira com que, no começo da minha presidência, as equipes de inteligência, Departamento de Defesa e CIA pensavam nessa alternativa”.

O presidente americano concluiu: “E isso me incomodou, porque acho que era possível observar no horizonte uma situação em que, sem o Congresso demonstrar muito interesse em restringir tais ações com autorizações redigidas de forma muito abrangente, você pode acabar com um presidente que pode conduzir guerras perpétuas em todo o mundo, e muitas delas de forma secreta, sem qualquer responsabilização ou debate democrático”.

[Veja abaixo uma atualização, em que a o Assessor de imprensa da Casa Branca diz que Obama, na verdade, se referia a seus sentimentos antes de instituir suas reformas.]

O presidente demostrou um sentimento de urgência para restringir tais poderes que parecem particularmente oportunos, visto que ambos os candidatos à Casa Branca mostraram-se inclinados a intensificar o uso de força militar no exterior. Donald Trump chegou ao ponto de declarar-se aberto à ideia de assassinar famílias de suspeitos de terrorismo.

“Quando eu deixar a presidência, o povo americano terá de ter uma ideia melhor do que seu presidente está fazendo”, disse Obama. “O presidente terá que ser mais responsável do que ele ou ela seriam, caso contrário, o mundo, acredito eu, terá uma ideia melhor do que estamos tentando fazer e que valores representamos. Acho que tudo isso será de muito valor para o povo americano no futuro”.

Mas a única medida de transparência que Obama menciona como exemplo na entrevista — a publicação do número de vítimas civis em ataques por drone no Iêmen, Paquistão e Somália durante sua administração — foi encarado por grande parte da comunidade de direitos humanos como uma farsa, muito em função da contagem de vítimas ser muito menor do que o número apresentado por observadores externos.

O relatório, publicado na tarde de sexta-feira antes do fim de semana do 4 de julho, informou que foram assassinados entre 64 e 116 civis durante os dois mandatos de Obama. O Bureau of Investigative Journalism, em comparação, estimou que foram assassinados entre 492 e 1.077 civis durante os ataques por drones realizados nos oito anos de governo Obama.

Dúvidas importantes sobre essas operações permanecem sem reposta, como por exemplo as circunstâncias que levaram à morte de Momina Bibi, uma avó paquistanesa de 68 anos de idade, assassinada em outubro de 2012 em um ataque aéreo; ou o motivo por trás do ataque que tirou a vida de Salim bin Ahmed Ali Jaber, um Imã anti-al Qaeda do Iêmen, um mês antes; ou a história completa sobre por que as forças americanas atacaram um comboio de casamento, também no Iêmen, um ano depois, assassinando 12 pessoas.

Estas perguntas permanecem sem respostas, em parte, pois, quando a administração de Obama publicou o relatório de vítimas civis, não detalhou nenhum incidente específico em que estas mortes tenham sido confirmadas — dessa forma, eliminando qualquer possibilidade de investigação ou responsabilização pública por conta das operações. (Veja a série The Drone Papers (Documentos sobre drones) do The Intercept que descreve os documentos militares secretos que expuseram o funcionamento interno da guerra de drones da administração Obama.)

Além disso, as alterações alarmantes que Obama descreve como se estivessem “no horizonte”, já estão em prática.

“O que é mais interessante é que o Presidente Obama reconhece esse problema — que o futuro presidente receberá poderes para matar em todo o planeta, e em sigilo. O que ele não reconhece é o quanto a sua administração colaborou em normalizar medidas grotescas”, disse ao The Intercept, Naureen Shah, Diretor de Segurança Nacional e Direitos Humanos da Anistia Internacional.

“Há algo muito estranho quando a pessoa, que muitos diriam ser responsável pela situação, reconhece-a e diz que tentou planejá-la”, acrescentou Shah. “Ao fim da administração de Obama, ficaremos com um precedente muito mais perigoso de sigilo e assassinatos globais do que quando ele entrou.”

Desde o começo de sua administração, Obama adotou argumentos legais com vigor, incluindo o “privilégio de segredos de estado”, para se esquivar de questionamentos sobre o uso de força letal por parte do governo no exterior; lutou por anos para manter em segredo suas motivações para assassinar um cidadão americano; nunca explicou como os EUA assassinaram o filho de 16 anos desse mesmo cidadão assassinado; e ele nunca forçou a sua principal agência de inteligência a explicar publicamente as mortes de civis não ocidentais — e foram muitos — durante os oito anos de sua campanha secreta de bombardeios.

Na entrevista à revista New York, Obama deu crédito a grupos de direitos humanos e a “esquerda” por pressioná-lo na questão da transparência dos assassinatos seletivos — mas, ao menos tempo, deu indicações que tiveram pouco impacto em suas decisões.

“Fico grato pela esquerda me pressionar nesse assunto”, disse Obama. “Já disse isso para minha equipe e para os chefes de equipe, disse na Sala de Situação: Nunca quero chegar ao ponto em que nos acomodemos com assassinatos. Não foi para isso que quis me tornar presidente, para matar pessoas”.

“Se eu acho que as críticas são justas e embasadas?”, continuou o presidente. “Nem sempre. Algumas vezes, são. Na maioria das vezes, não. Para dar o exemplo mais simples possível: Acho que as pessoas nem sempre reconhecem o quanto a taxa de vítimas, ou a taxa de inocentes mortos, nesses ataques com precisão, é menor do que em uma guerra convencional”.

Enquanto a administração Obama descreve os drones como uma arma de precisão cirúrgica, os fatos nem sempre corroboram com essa conclusão. Em 2013, por exemplo, uma pesquisa de Larry Lewis, um ex-pesquisador científico no Centro de Análise Naval dos EUA, concluiu que os ataques por drone no Afeganistão tinham dez vezes mais chances de matar civis do que ataques aéreos com pilotos.

A crítica de Obama ao Congresso — de que não parecem se importar o suficiente para restringir o programa de drones — é tanto precisa quanto irônica, vindo dele. Longe de estimular o Congresso a se pronunciar, a administração de Obama lutou ativamente contra as tentativas do Congresso de obter informações básicas sobre os ataques por drones. A Casa Branca, por exemplo, se recusou a mostrar para o Congresso os memorandos legais autorizando o assassinato de Anwar al-Awlaki até 2014, quando Obama nomeou o autor dos memorandos como juiz federal, e um grupo de senadores ameaçou obstruir a nomeação até que pudessem ler os documentos.

Chris Anders, da União Americana pelas Liberdades Civis, disse que não ficou impressionado com o senso de autocontenção de Obama. “O presidente deixou um histórico ao fazer amplo uso da autoridade executiva para determinar ataques letais muito distantes de campos de batalha convencionais. Mesmo que tenha implementado alguns processos e níveis mínimos de transparência — como níveis agregados de vítimas civis —, eles ainda tem um poder muito amplo e quase nenhuma supervisão.

Atualização: 18h15 ET
John Earnest, Assessor de imprensa da Casa Branca, disse a repórteres na segunda-feira que os comentários de Obama sobre um futuro presidente entrar em guerras perpétuas se referia, na verdade, a uma situação do passado, que já havia sido contornada.

“Ele estava falando de uma situação que foi herdada”, disse Earnest. “Nos primeiros dias da administração, ele estava avaliando as ferramentas que tinha à disposição e considerando como estavam sendo usadas. Ele estava considerando como, no futuro, seria uma situação em que não haveria transparência suficiente para conter essa autoridade excepcional que, de acordo com as novas tecnologias, poderiam ser usadas pelo presidente dos EUA.”

Earnest insistiu que “o que o presidente e sua equipe trabalharam constantemente para alcançar foi tentar impor mais transparência e impor restrições que resolveriam essas preocupações que o presidente teve desde seus primeiros dias de mandato”.

Mas, em vez de reduzir os programas da era Bush, Obama acelerou drasticamente o ritmo da guerra de drones, conduzindo quase nove vezes mais ataques do que seu antecessor.

As mudanças implementadas por Obama na direção de mais transparência e responsabilização são, conforme acima mencionado, limitadas. E o Congresso não supervisionou, nem aprovou leis, que restringiriam os poderes de um futuro presidente.

O próprio Obama disse na entrevista que não havia chegado a “uma solução perfeita”. Ele contou a revista New York que o país ainda precisa encontrar um equilíbrio entre “não promover qualquer ataque terrorista ao status de guerra completa” e “fingir que podemos atacar em qualquer lugar, a qualquer momento, e não nos responsabilizarmos. Eu tentei mover o ponteiro na direção certa para criar tendências na direção correta. Mas há muito mais trabalho a ser realizado.”

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