O impeachment da presidente do Brasil democraticamente eleita, Dilma Rousseff, foi inicialmente conduzido por grandes protestos de cidadãos que demandavam seu afastamento. Embora a mídia dominante do país glorificasse incessantemente (e incitasse) estes protestos de figurino verde-e-amarelo como um movimento orgânico de cidadania, surgiram, recentemente, evidências de que os líderes dos protestos foram secretamente pagos e financiados por partidos da oposição. Ainda assim, não há dúvidas de que milhões de brasileiros participaram nas marchas que reivindicavam a saída de Dilma, afirmando que eram motivados pela indignação com a presidente e com a corrupção de seu partido.
Mas desde o início, havia inúmeras razões para duvidar desta história e perceber que estes manifestantes, na verdade, não eram (em sua maioria) opositores da corrupção, mas simplesmente dedicados a retirar do poder o partido de centro-esquerda que ganhou quatro eleições consecutivas. Como reportado pelos meios de mídia internacionais, pesquisas mostraram que os manifestantes não eram representativos da sociedade brasileira mas, ao invés disso, eram desproporcionalmente brancos e ricos: em outras palavras, as mesmas pessoas que sempre odiaram e votaram contra o PT. Como dito pelo The Guardian, sobre o maior protesto no Rio: “a multidão era predominantemente branca, de classe média e predisposta a apoiar a oposição”. Certamente, muitos dos antigos apoiadores do PT se viraram contra Dilma – com boas razões – e o próprio PT tem estado, de fato, cheio de corrupção. Mas os protestos eram majoritariamente compostos pelos mesmos grupos que sempre se opuseram ao PT.
É esse o motivo pelo qual uma foto – de uma família rica e branca num protesto anti-Dilma seguida por sua babá de fim de semana negra, vestida com o uniforme branco que muitos ricos no Brasil fazem seus empregados usarem – se tornou viral: porque ela captura o que foram estes protestos. E enquanto esses manifestantes corretamente denunciavam os escândalos de corrupção no interior do PT – e há muitos deles – ignoravam amplamente os políticos de direita que se afogavam em escândalos muitos piores que as acusações contra Dilma.
Claramente, essas marchas não eram contra a corrupção, mas contra a democracia: conduzidas por pessoas cujas visões políticas são minoritárias e cujos políticos preferidos perdem quando as eleições determinam quem comanda o Brasil. E, como pretendido, o novo governo tenta agora impor uma agenda de austeridade e privatização que jamais seria ratificado se a população tivesse sua voz ouvida (a própria Dilma impôs medidas de austeridade depois de sua reeleição em 2014, após ter concorrido contra eles).
Depois das enormes notícias de ontem sobre o Brasil, as evidências de que estes protestos foram uma farsa são agora irrefutáveis. Um executivo do petróleo e ex-senador do partido conservador de oposição, o PSDB, Sérgio Machado, declarou em seu acordo de delação premiada que Michel Temer – presidente interino do Brasil que conspirou para remover Dilma – exigiu R$1,5 milhões em propinas para a campanha do candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo (Temer nega a informação). Isso vem se somar a vários outros escândalos de corrupção nos quais Temer está envolvido, bem como sua inelegibilidade se candidatar a qualquer cargo (incluindo o que por ora ocupa) por 8 anos, imposta pelo TRE por conta de violações da lei sobre os gastos de campanha.
E tudo isso independentemente de como dois dos novos ministros de Temer foram forçados a renunciar depois que gravações revelaram que eles estavam conspirando para barrar a investigação na qual eram alvos, incluindo o que era seu ministro anticorrupção e outro – Romero Jucá, um de seus aliados mais próximos em Brasília – que agora foi acusado por Machado de receber milhões em subornos. Em suma, a pessoa cujas elites brasileiras – em nome da “anticorrupção” – instalaram para substituir a presidente democraticamente eleita está sufocando entre diversos e esmagadores escândalos de corrupção.
Mas os efeitos da notícia bombástica de ontem foram muito além de Temer, envolvendo inúmeros outros políticos que estiveram liderando a luta pelo impeachment contra Dilma. Talvez o mais significante seja Aécio Neves, o candidato de centro-direita do PSDB derrotado por Dilma em 2014 e quem, como Senador, é um dos líderes entre os defensores do impeachment. Machado alegou que Aécio – que também já havia estado envolvido em escândalos de corrupção – recebeu e controlou R$ 1 milhão em doações ilegais de campanha. Descrever Aécio como figura central para a visão política dos manifestantes é subestimar sua importância. Por cerca de um ano, eles popularizaram a frase “Não é minha culpa: eu votei no Aécio”; chegaram a fazer camisetas e adesivos que orgulhosamente proclamavam isso:
Evidências de corrupção generalizada entre a classe política brasileira – não só no PT mas muito além dele – continuam a surgir, agora envolvendo aqueles que antidemocraticamente tomaram o poder em nome do combate a ela. Mas desde o impeachment de Dilma, o movimento de protestos desapareceu. Por alguma razão, o pessoal do “Vem Pra Rua” não está mais nas ruas exigindo o impeachment de Temer, ou a remoção de Aécio, ou a prisão de Jucá. Porque será? Para onde eles foram?
Podemos procurar, em vão, em seu website e sua página no Facebook por qualquer denúncia, ou ainda organização de protestos, voltados para a profunda e generalizada corrupção do governo “interino” ou qualquer dos inúmeros políticos que não sejam da esquerda. Eles ainda estão promovendo o que esperam que seja uma marcha massiva no dia 31 de julho, mas que é focada no impeachment de Dilma, e não no de Temer ou de qualquer líder da oposição cuja profunda corrupção já tenha sido provada. Sua suposta indignação com a corrupção parece começar – e terminar – com a Dilma e o PT.
Neste sentido, esse movimento é de fato representativo do próprio impeachment: usou a corrupção como pretexto para os fins antidemocráticos que logrou atingir. Para além de outras questões, qualquer processo que resulte no empoderamento de alguém como Michel Temer, Romero Jucá e Aécio Neves tem muitos objetivos: a luta contra a corrupção nunca foi um deles.
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No mês passado, o primeiro brasileiro ganhador do Prêmio Pulitzer, o fotojornalista Mauricio Lima, denunciou o impeachment como um “golpe” com a TV Globo em seu centro. Ontem à noite, como convidado no show de Chelsea Handler no Netflix, o ator popular Wagner Moura denunciou isso em termos similares, dizendo que a cobertura da mídia nacional foi “extremamente limitada” porque “pertence a cinco famílias”.
Atualização: Logo depois da publicação deste artigo, foi anunciado que o presidente interino Temer acaba de perder seu terceiro ministro para a corrupção menos de dois meses depois da tomada do poder: dessa vez, seu ministro do turismo Henrique Eduardo Alves, acusado na delação premiada de Machado de receber R$ 1,5 milhão em propinas de 2008 a 2014. Quando se toma o poder antidemocraticamente usando a “corrupção” como pretexto, em geral é uma má ideia encher sua equipe de criminosos (e ter o próprio novo presidente envolvido em múltiplos escândalos de corrupção).
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