Você sabe que nós temos nos dedicado a entender as engrenagens políticas, digitais e religiosas que movem a extrema direita brasileira. Mas há um componente dessa máquina que costuma operar nas sombras — e que não pode passar despercebido por aqui: o empresariado.
A edição desta semana abre uma nova frente de investigação. Vou disponibilizar uma base de dados inédita com milhares de nomes de empresários e executivos que aderiram a um movimento controverso, nascido da retórica de “combate ao extremismo”, mas que aparenta um desejo de impor filtros ideológicos no mercado de trabalho.
É um retrato fiel do casamento cada vez mais explícito entre setores do empresariado e lideranças da extrema direita brasileira. Por menores que sejam, as quase 3 mil empresas conectadas ao movimento têm peso. Afinal, micro e pequenos negócios respondem por cerca de 70% dos empregos formais no país, segundo dados do Sebrae.
É isso que torna o movimento perigoso. Mesmo sem grandes corporações por trás, ele expressa algo maior: a tentativa de transformar o poder de empregar em instrumento de coerção política. Vamos aos fatos.
Do linchamento ao pacto empresarial
O assassinato de Charlie Kirk, no início de setembro, nos Estados Unidos, acendeu uma nova fagulha na cruzada moral da extrema direita em diversos países do mundo. No Brasil, como você já sabe, o episódio virou combustível para uma caça às bruxas liderada pelo deputado federal Nikolas Ferreira, do PL de Minas Gerais.
Desde então, ele vem se dedicando a uma espécie de patrulha digital: expõe nomes de trabalhadores, marca empresas e exige demissões de quem, em sua interpretação, teria “comemorado” a morte do americano. Alguns dos expostos perderam o emprego. Outros foram submetidos a campanhas de difamação nas redes sociais.
A ofensiva digital de Nikolas inspirou o empresário Tallis Gomes, conhecido pela frase “Deus me livre de mulher CEO” e por ter sido fundador de empresas como G4 Educação, Singu e EasyTaxi. Horas após a morte de Kirk, ele passou a apoiar publicamente a iniciativa de Nikolas e lançou nas redes a hashtag #DemitaExtremistas.
Na semana seguinte, lançou o Manifesto Galt Brasil, um abaixo-assinado voltado a “empresários e líderes”. O texto é ambíguo e não orienta a demissão por motivação política. A tática é a linguagem moral: “Não podemos sustentar, com nossos empregos, recursos ou influência, aqueles que celebram a destruição e o mal”, diz um trecho. “Não financiaremos nem empregaremos extremistas que preguem ódio ou violência”.
O discurso pode soar inofensivo à primeira vista — afinal, ninguém quer empregar extremistas. Mas, na prática, a iniciativa avança sobre um terreno perigoso, e pode violar a Constituição, a Lei 9.029/95 e convenções da Organização Internacional do Trabalho, que proíbem discriminação por convicção filosófica ou política.
Foi por isso que deputados do PSOL denunciaram a iniciativa de Nikolas, alegando que o movimento #demitaextremistas configura assédio e perseguição ideológica. Nas últimas semanas, de fato, o conceito de “extremismo” vem sendo usado de forma arbitrária.
A estilista Zazá Pecego, por exemplo, foi demitida da revista Vogue Brasil após uma postagem interpretada como celebração da morte de Charlie Kirk. Ela negou qualquer relação com o caso e disse que o comentário se referia à condenação de Jair Bolsonaro.
Mesmo assim, tornou-se alvo de linchamento virtual e pressão organizada por parlamentares da extrema direita. Um caso que mostra como a retórica de “combate ao extremismo” pode servir para normalizar perseguições a pessoas de esquerda.
O nome Galt Brasil não é casual. Ele vem de John Galt, personagem do romance A Revolta de Atlas (1957), de Ayn Rand, obra cultuada por setores da extrema direita. No livro, Galt é um engenheiro que se rebela contra o estado e lidera uma greve de milionários.
Para minha surpresa, o manifesto exibe publicamente os nomes, empresas e cargos de cada signatário. Os nomes aparecem 50 por página no site — o que significa, na prática, mais de cinquenta telas de rolagem manual. Usei o Python, uma linguagem de programação, para automatizar a coleta das informações.
Extraí nome, empresa, cargo e data de assinatura, e organizei tudo em uma planilha unificada. Até a noite de domingo, 28, eram 2.924 assinaturas. Entre elas identifiquei 1.349 pessoas que se descrevem como donos, fundadores, CEOs, sócios ou proprietários. Os demais são empregados, autônomos ou freelancers.
No total, o movimento reúne representantes de 2.748 empresas diferentes — um número impressionante pela dispersão geográfica e pela diversidade de ramos, embora a esmagadora maioria seja de micro e pequenas firmas.
Os setores que mais aparecem na base são o de tecnologia (394 assinaturas), o financeiro (67) e o agropecuário (31). Há desde empreendedores de startups e fintechs até donos de corretoras e consultorias agrícolas.
No topo simbólico, aparecem nomes conhecidos como Tallis Gomes, Bruno Nardon, Alfredo Soares e Misa Antonini, todos ligados à bilionária G4 Educação, a única empresa de porte expressivo com múltiplos signatários. No mercado financeiro, há executivos de assessorias de investimento, fundos familiares e gestoras de capital de São Paulo e Santa Catarina.
No agro, encontrei pequenos e médios produtores rurais do Centro-Oeste e do Sul. No setor de tecnologia, uma profusão de donos de software houses, agências digitais e startups incipientes — muitos se apresentando como “CEO” de empresas com um ou dois funcionários.
É curioso notar como o uso dos títulos CEO e founder se banaliza na lista. Boa parte dos signatários que se declaram assim são, na prática, microempreendedores. Há donos de espetinhos, barbearias, lojas de roupa e estacionamentos — negócios legítimos, mas distantes do imaginário grandioso que o manifesto tenta encenar.
Mesmo assim, o volume é significativo: as micro e pequenas empresas respondem pela maior parte dos empregos formais no Brasil, e são, de fato, o coração do mercado de trabalho. É isso que torna o movimento perigoso: ainda que seja composto por empresários de pequeno porte, o impacto de milhares de pequenos empregadores aderindo a um código de conduta político pode ser devastador.
Entre os signatários, identifiquei 18 funcionários de prefeituras, em cidades como Jundiaí (SP), São João de Meriti (RJ), Florianópolis (SC), Macaé (RJ) e Paranaguá (PR). São servidores que assinaram um manifesto de empresários anti-estado, mas que trabalham para o estado — uma contradição que ajuda a ilustrar a confusão do movimento.
A decisão de disponibilizar as informações de cada uma dessas pessoas é também um gesto de preservação pública. Os nomes estão no ar no site do manifesto, mas podem desaparecer a qualquer momento, caso os autores percebam a gravidade de associar suas empresas a uma campanha que flerta com a perseguição política.
A base completa está disponível para download. Clique aqui para baixar. Você pode consultar, pesquisar e cruzar as informações livremente.
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2026 já começou, e as elites querem o caos.
A responsabilização dos golpistas aqui no Brasil foi elogiada no mundo todo como exemplo de defesa à Democracia.
Enquanto isso, a grande mídia bancada pelos mesmos financiadores do golpe tenta espalhar o caos e vender a pauta da anistia, juntamente com Tarcísio, Nikolas Ferreira, Hugo Motta e os engravatados da Faria Lima.
Aqui no Intercept, seguimos expondo os acordos ocultos do Congresso, as articulações dos aliados da família Bolsonaro com os EUA e o envolvimento das big techs nos ataques de Trump ao Brasil.
Os bastidores mostram: as próximas eleições prometem se tornar um novo ensaio golpista — investigar é a única opção!
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