João Filho

Fux se tornou o novo líder do golpismo

Voto sem vergonha que rasgou a Constituição faz Fux entrar para a história como um juiz capacho do lavajatismo e do bolsonarismo.

Fux e Bolsonaro se abraçam durante cerimônia para o Dia do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2022 (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

Que grande vitória da democracia foi a condenação de Jair Bolsonaro e outros golpistas. O país que anistiou os assassinos e torturadores do regime militar acerta as contas com o passado e coloca na cadeia os herdeiros de 1964. 

A condenação do general golpista Augusto Heleno é a mais simbólica, já que ele fez parte da linha dura da ditadura militar. A justiça falhou e tardou com ele, mas finalmente chegou. O vovô golpista foi condenado a 21 anos de prisão. Há aí um simbolismo importante para a memória coletiva do país.

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Não adiantou apelar pela pressão de uma potência estrangeira. O Supremo Tribunal Federal, STF, não envergou diante das ameaças de Donald Trump e condenou toda a cúpula da quadrilha criminosa que tentou assaltar a democracia. Luiz Fux foi o único juiz que resolveu rasgar a Constituição e a sua biografia para salvar os líderes da gangue golpista que tentou fechar o próprio STF. 

A vontade de bajular o bolsonarismo foi tanta que Fux não teve pudor em assassinar a lógica ao condenar o ajudante de ordens e absolver o chefe que lhe dava as ordens. Para ele, Mauro Cid tentou um golpe de Estado, mas Jair Bolsonaro não teve nada a ver com isso. Esse talvez tenha sido o rebolation argumentativo mais ousado que já se viu naquele tribunal. Até os pelos da peruca de Fux devem ter se arrepiado com tamanha ousadia.

Fux e Bolsonaro se abraçam durante cerimônia para o Dia do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2022 (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)
Fux e Bolsonaro se abraçam durante cerimônia para o Dia do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2022 (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

A postura sórdida do juiz não chega a ser uma surpresa. A frase “In Fux We Trust” [“Em Fux nós confiamos”, em tradução literal], dita por Sergio Moro a Deltan Dallagnol em um diálogo clandestino revelado pelo Intercept Brasil na Vaza Jato, mostra o carioca como fiador dos abusos do lavajatismo. Ali se criou as condições políticas para a germinação do bolsonarismo, e suas digitais estão presentes. 

Fux não só condescendeu com as práticas ilegais de Moro e Dallagnol como as incentivou. Ao prometer à dupla que “podia contar” com ele, Fux mostrou que tem lado político e está disposto a usar a toga em favor dele. E as promessas foram cumpridas: todas as ações de Fux no STF ajudaram a blindar a Lava Jato

Não podemos nos dizer surpresos, portanto. Fux está fechado com o bolsonarismo e tudo leva a crer que está cavando uma candidatura política. Só isso explica tamanha devoção ao bolsonarismo. As 14 horas de leitura do voto de maneira apaixonada soaram como o pré-lançamento de uma candidatura política. Ele claramente jogou para torcida, algo que faz costumeiramente. É um juiz que prefere medir a temperatura do eleitorado do que se ater à Constituição. 

Não foi à toa que Fux condenou o X9 do golpismo e absolveu o seu líder máximo. Para os seguidores da seita bolsonarista, isso significa que ele prendeu Judas e soltou Jesus. A sua santificação foi imediata. Nas redes sociais, foi alçado à condição de herói bolsonarista. 

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Mas Fux ignorou jurisprudências do STF, desprezou provas cabais e chegou a engrossar o coro bolsonarista ao insinuar que Moraes atua como “juiz inquisidor”. Contrariou posições anteriores dele e alegou que o Supremo não teria competência para julgar Bolsonaro. Mais do que isso: defendeu a anulação de todo o processo. 

No dia seguinte às atrocidades de Fux, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino destruíram todas as bases da sua argumentação. Foi uma tarefa fácil já que, para isso, seria apenas necessário se ater aos fatos e à Constituição. Moraes apresentou vídeos de Bolsonaro que mostram de maneira inequívoca o seu papel de líder da trama golpista. 

Já Dino recorreu à metáfora do boi fatiado para criticar o voto de Fux, que decidiu fatiar todas as provas para turvar a análise do todo. “É aquela espécie de falácia, segundo a qual você divide o boi em bifes e pergunta a cada pedaço: ‘você é um boi?’. E claro que o pedaço nada diz. E a conclusão falseada é a de que nunca existiu boi”, afirmou Dino ao destroçar de maneira brilhante a forma como Fux esquartejou o boi, a lógica e a Constituição.

Mesmo com tantos malabarismos impressionantes, o voto de Fux não foi capaz de macular a conclusão do STF de que houve uma tentativa de golpe. Ao condenar Mauro Cid e Walter Braga Netto, que comandou a Casa Civil e foi candidato a vice de Bolsonaro em 2022, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, Fux reconheceu, ainda que indiretamente, que existiu o plano para assaltar a democracia. 

Ministro Luiz Fux foi incluído na restrita lista de integrantes do STF que não tiveram seu visto para os EUA cancelado (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)
Ministro Luiz Fux foi incluído na restrita lista de integrantes do STF que não tiveram seu visto para os EUA cancelado (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

Apesar das conclusões tortas, feitas sob medida para poupar as lideranças, Fux admitiu a legitimidade do tribunal que apontou a existência da trama golpista. Ao que parece, seu único objetivo era mesmo o de proteger aqueles que serão o seu novo grupo político.

O senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo, publicou um vídeo em que afirma, do alto da sua sabedoria e discrição e com todas as letras, que se encontrou com Fux e o orientou a votar contra a condenação de Bolsonaro para não ser sancionado pelos EUA. 

Segundo o senador, houve uma “reunião secreta” em que Fux foi alertado: “Eu disse a ele: segue, inicia discordando do que tá acontecendo, do que o STF está fazendo, porque o seu nome vai entrar na lista. E expliquei o que era a lista. Inicialmente, perde visto”. 

Sabemos que Do Val é um lunático, um falastrão cheio de histórias fantasiosas, mas essa fala não pode passar batida. Trata-se de um senador da República afirmando abertamente que pressionou um juiz do Supremo a votar em favor do seu grupo político sob a ameaça de um país estrangeiro. Verdade ou não, não é pouca coisa e deve ser investigado. Do Val apagou o vídeo, mas foi tarde demais. 

‘O golpismo como prática política teve a condescendência de Fux’.

Em Brasília, a candidatura de Fux é dada como certa. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, já o cogita como um possível candidato ao Senado pelo partido no Rio de Janeiro. Eles não fazem nem questão de disfarçar o acochambramento com o juiz. 

O lema de campanha do carioca já vem pronto: “In Fux We Trust”. O cabo eleitoral também: Deltan Dallagnol teve a cara de pau de rememorar a famosa frase de Moro para comemorar o voto de Fux.

Há que se comemorar muito a condenação dos criminosos da gangue golpista, mas é preciso estar atento ao golpismo. Ele continua vivo e agora ganha uma nova liderança de peso. 

Fux entra para a história como um juiz capacho do lavajatismo e do bolsonarismo — duas correntes políticas de extrema direita que caminharam juntas por bastante tempo e que tanto atormentaram a democracia. O golpismo como prática política teve a condescendência do carioca, que o protegeu em todas as oportunidades que teve. 

Se antes o papel de Fux no golpismo era apenas de coadjuvante, a partir desse voto ele se torna um dos protagonistas. Em um Memorial do Golpismo, Fux teria um lugar de destaque e deixaria os colegas de STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça com inveja.

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