Enlouquecido pelas acusações de pedofilia no caso Epstein, Donald Trump tem feito loucuras para mudar o foco do noticiário. Nas últimas semanas, o presidente dos Estados Unidos tem intensificado a fabricação de factoides e mentiras para justificar as ações mais absurdas.
Na segunda-feira, 11, Trump decidiu declarar estado de emergência em Washington e anunciou uma intervenção federal na segurança pública da capital. Tropas da Guarda Nacional foram enviadas para as ruas porque, segundo Trump, a cidade está tomada por “gangues violentas e criminosos sanguinários”.
Para justificar a ação, apresentou dados falsos sobre as taxas de homicídio da cidade e ainda a comparou com Brasília, que afirmou ser “uma das capitais mais violentas do mundo” — afirmação também baseada em dados falsos.
As mentiras serviram para justificar uma política higienista na capital dos EUA. Para a alegria da Ku Klux Klan, Trump deixou claro qual é o seu plano ao dizer frases como “os sem-teto precisam sair imediatamente de Washington”, “queremos nossa capital de volta”, “vou tornar a nossa capital mais segura e mais bonita”.
Todas as ações recentes feitas contra o Brasil também se baseiam em mentiras grotescas. Nesta semana, Trump disse, mais uma vez, que “o Brasil tem sido horrível em relações comerciais” com os EUA porque “aplica tarifas enormes”. Na verdade, a tarifa média sobre produtos americanos importados pelo Brasil é de apenas 2,5%. Trump sabe que é uma mentira facilmente verificável, mas não está nem aí. Vai falando, criando a narrativa e que se dane o fact-checking.
Para justificar a aplicação da Lei Magnitsky e o cancelamento de vistos de cidadãos brasileiros, o governo dos EUA inventou que Jair Bolsonaro está sendo perseguido e que o Brasil é um violador sistemático dos direitos humanos.
O Departamento de Estado do país norte-americano apresentou um relatório em que analisa como estão os direitos humanos no mundo. Segundo ele, a “situação dos direitos humanos no Brasil piorou” durante o ano de 2024. O documento se fundamenta basicamente em distorções e factoides.
Até a Operação Escudo – matança indiscriminada realizada pela PM de São Paulo na Baixada Santista em julho de 2023 – foi destacada pelo governo estadunidense. De fato, tratou-se de uma flagrante violação dos direitos humanos, mas vamos aos fatos: o governo federal criticou a ação policial, enquanto o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, responsável pela Polícia Militar, não só defendeu como disse estar “extremamente satisfeito” com a atuação dos policiais.
Se houvesse algum rastro de coerência nessa empreitada humanista do governo dos EUA, Tarcísio estaria com seu visto ameaçado. Mas quem veste o boné do MAGA [sigla para Make America Great Again ou Fazer a América Grande Novamente, em tradução literal], como o sabujo governador paulista, tem imunidade para defender qualquer atrocidade.
O relatório não utiliza quaisquer critérios lógicos e se limita a criticar governos de países não alinhados ideologicamente e passar pano para os amiguinhos. Ainda aponta uma escalada de violação de direitos humanos no Brasil após a saída de Bolsonaro do governo, mas não vê nada demais em El Salvador — onde um notório violador de direitos humanos acaba de ganhar o direito de se reeleger para sempre. Trump só tem coisas boas para falar desse humanista chamado Bukele.
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Depois de atacar o PIX, agora está atacando o SUS através do programa Mais Médicos. Funcionários do Ministério da Saúde do governo Dilma Rousseff, responsáveis pelo programa, tiveram seus vistos para os EUA suspensos. A embaixada americana chamou o Mais Médicos de “golpe diplomático que explorou médicos cubanos, enriqueceu o regime cubano corrupto e foi acobertado por autoridades brasileiras”.
É uma constatação tão fantasiosa e absurda que não me darei o trabalho de contestá-la. Basta ver os mais de 60 países que contratam médicos cubanos de maneira similar. A Itália, governada pela extrema direita, mantém 300 médicos cubanos trabalhando em seu território – mas, claro, não sofrerá nenhuma sanção.
A falsa acusação contra o Brasil trata-se da mais pura e simples canalhice, sem lastro na realidade e jamais vista na história da relação entre os dois países. Nem quando os EUA apoiaram o Golpe de 1964 as autoridades americanas foram tão explicitamente canalhas.
Mesmo com tantas mentiras, intimidação e truculência gratuita por parte dos EUA, há quase que uma campanha na imprensa brasileira para que Lula ligue para Trump para tentar baixar a fervura. Querem que o brasileiro aja como se o americano fosse um presidente normal e não um delinquente que criou um mundo paralelo.
As chances de Trump armar uma arapuca como fez com o ucraniano Zelensky no Salão Oval são enormes. Não é loucura imaginar o presidente dos EUA humilhando Lula em telefonema e, depois, divulgando o áudio. Estamos falando de um maluco que ligou pro ministro das finanças da Noruega para ameaçá-lo com tarifaço caso não seja lhe concedido o prêmio Nobel. É esse o nível de insanidade.
Uma ligação para o presidente dos EUA agora, quando o governo de lá tem rejeitado todas as tentativas de aproximação do Brasil, é pedir para ser alvo de mais um showzinho midiático de Trump.
Há uma infinidade de análises na imprensa sugerindo que Lula deveria ser mais pragmático e baixar a cabeça para Trump em favor dos interesses brasileiros. O pragmatismo é uma das principais marcas da carreira política de Lula. Cobrá-lo por isso chega a ser ridículo.
Lula conversava com George Bush com a mesma franqueza com que conversava com Hugo Chávez. O fato é que não há base mínima para uma negociação quando a exigência de uma das partes é a interrupção do julgamento de um criminoso. Lula já se mostrou disposto a falar com Trump, mas não com o revólver apontado para a sua cabeça.
O presidente dos EUA não é um estadista sério.
A imprensa que cobra a ligação de Lula é a mesma que chafurda no jornalismo declaratório e impulsiona as mentiras de Trump nas manchetes. Ainda não se entendeu que estamos lidando com um autocrata maluco e de alta periculosidade para o mundo. O presidente dos EUA não é um estadista sério, com propostas de negociação legítimas, mas um bullier com ímpeto fascista e imperialista.
Autoridades do país norte-americano agridem verbalmente o Brasil quase todos os dias com base em mentiras absurdas, enquanto os filhos de Bolsonaro ameaçam o país ao lembrar que os EUA têm bombas atômicas. Trump apoia incondicionalmente no Brasil a facção que planejou assassinar Lula e outras autoridades brasileiras. Atuam como uma gangue internacional.
Faltando mais ou menos um mês para o julgamento e condenação de Bolsonaro, é certo que a tensão entre Brasil e EUA irá continuar. E a culpa é única e exclusiva de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Enxergar incompetência e falta de pragmatismo de Lula nessa treta é legitimar a chantagem golpista dos bandidos que vandalizam a democracia.
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