Riscos de explosões e contaminações: petroleira quer estocar gás embaixo do solo de Alagoas

'É UMA BOMBA RELÓGIO'

Riscos de explosões e contaminações: petroleira quer estocar gás embaixo do solo de Alagoas


Depois de testemunhar bairros inteiros ficando desertos devido ao afundamento de solo causado pela exploração de sal-gema da Braskem, Alagoas vive a iminência de novos riscos subterrâneos. O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas, o IMA, concedeu autorização prévia a um projeto que fará do estado o primeiro do Brasil a receber um sistema de armazenamento de gás natural no subsolo.

A empresa Origem Energia, que já é responsável por 99% do gás e 93% de todo o petróleo terrestre do estado, agora quer implementar em Pilar, cidade que está a 35 km de Maceió, o primeiro sistema de estocagem subterrânea de gás natural do Brasil, tecnologia conhecida como ESGN.

Órgãos municipais e estaduais propagam a novidade como parte da estratégia de futuro de Pilar, cidade de base pesqueira de 35 mil habitantes que entrou numa rota de investimentos impulsionada pelos royalties do petróleo. A cidade também pretende ter  uma estátua gigante de Jesus Cristo e o primeiro teleférico de Alagoas, além de já ter um avião instagramável na sua entrada.

No entanto, ao invés de decolar, Pilar pode sofrer uma pane e não sair do lugar com o projeto de estocagem. Especialistas consultados pelo Intercept Brasil e pela Agência Tatu apontam que os riscos do projeto – como vazamento de gás, explosões, contaminação de lagoas e adoecimento de moradores e trabalhadores – estão sendo minimizados nos estudos usados para embasar o licenciamento ambiental.

A concessão da licença prévia foi anunciada, no dia 15 de julho, pelo presidente do IMA, Gustavo Lopes, durante o evento “Energia 360 Alagoas: caminhos para a Segurança Energética”, promovido pela empresa dona do projeto em um hotel cinco estrelas. 

O órgão estadual diz que o pedido atende a todas as exigências do processo de licenciamento e que a licença prévia foi dada após a análise técnica do órgão, com a contribuição de consultores contratados para avaliar os impactos ambientais do empreendimento.

Origem Energia pretende usar a infraestrutura deixada pela Petrobras que antes serviam para extrair gás ou petróleo. Alguns poços são próximos à Lagoa Manguaba. (Foto: Elisson Monteiro/Agência Tatu)

O objetivo da Origem Energia é armazenar até 500 milhões de m³ de gás ao ano no subsolo da cidade – volume equivalente a cerca de 30 milhões de botijões de gás de cozinha, quase o mesmo volume de todo o gás de cozinha vendido mensalmente no Brasil, em torno de 35 milhões de botijões.

A companhia quer aproveitar a infraestrutura deixada pela Petrobras e usar áreas subterrâneas que antes serviam para extrair gás ou petróleo, agora quase vazias, para estocar o gás. 

A licença prévia significa que a localização e concepção do projeto foram aprovados, bem como sua viabilidade ambiental. Agora falta o aval da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, que confirmou à reportagem que está analisando a solicitação da empresa.

Apesar do avanço na parte administrativa, o empreendimento desperta medo na população local e é criticado por especialistas, que questionam os riscos associados ao uso dessa tecnologia em um estado já marcado por desastres ambientais relacionados à exploração subterrânea.

Moradores de Pilar reclamam que não foram consultados sobre o projeto e temem o risco de impacto ambiental nas lagoas da região. “É uma bomba relógio”, define o líder comunitário Luís Augusto Peixoto. “E se acontecer algum problema como aconteceu na Lagoa Mundaú por causa da Braskem?”, questiona o presidente da colônia de pescadores, Josué Félix da Silva, outro que teme a chegada do projeto.

Especialistas em matrizes energéticas consultados pelo Intercept Brasil e pela Agência Tatu fazem diversas críticas ao projeto e ao Relatório de Impacto Ambiental, o RIMA, apresentado pela empresa no trâmite para o licenciamento ambiental.

Pilar tem um avião instagramável na entrada da cidade, mas ao mesmo tempo enfrenta problemas de saneamento básico. (Foto: Elisson Monteiro/Agência Tatu)

O professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, pontua que ainda não há definições específicas de estocagem de gás nas normas técnicas brasileiras e não descarta riscos de vazamento.

“O campo de Pilar tem uma geologia super complexa. O principal risco é o vazamento do gás, seja nos poços novos ou nos antigos. O uso de poços abandonados para fins de estocagem é muito específico e não está completamente definido pela ANP, por desconhecimento mesmo”, opina.

A ANP reconheceu em nota que, atualmente, não há resolução específica sobre a atividade de estocagem subterrânea de gás natural. Apesar disso, o órgão argumenta que a atividade possui muitas similaridades com a de exploração e produção de petróleo e gás, regulada desde 1998.  

Os pesquisadores alegam também que, se viabilizado, o projeto pode aprofundar os danos ambientais e sociais na região e agravar a crise climática.

A Origem Energia foi a vencedora dos leilões da Petrobras em Alagoas. A empresa é, atualmente, a única a explorar petróleo e gás no mar de Alagoas, de acordo com dados da ANP.

Pescadores alegam não conhecer impactos do projeto

O bloco de exploração de petróleo e gás controlado pela Origem em Pilar inclui uma grande área urbana e até parte da Lagoa Manguaba, segundo o RIMA do projeto. De acordo com os documentos apresentados ao IMA, a estocagem ficaria restrita a seis poços.

No entanto, um dos poços, o 7-PIR-55-AL, fica em meio à Mata Atlântica, a menos de 1 km da Lagoa Manguaba e a 2,6 km de uma vila de pescadores. O pescador Silva questiona a falta de informações sobre o projeto e lamenta a falta de diálogo com quem depende da Lagoa Manguaba para viver. Ele conta que os pescadores têm receio de que algum incidente contamine a lagoa ou ponha em risco suas casas.

O pescador Jurandir dos Santos conta não ter sido informado sobre o projeto de estocagem e lamenta a falta de comunicação com a comunidade. (Foto: Elisson Monteiro/Agência Tatu)

“Não sabemos de nada. Eles fizeram uma audiência, mas não participamos. Acho que primeiro ela [a empresa] tem que chamar a comunidade, principalmente o pessoal da pesca, que eu acho que vai ser a parte mais afetada nessa área”, diz o pescador.

Uma audiência pública aconteceu em 20 de março, conforme exige o licenciamento ambiental. Mas nem a comunidade ribeirinha nem a população de Pilar foram amplamente convidadas, segundo relataram à reportagem.

“Houve apenas uma audiência para apresentar benefícios socioeconômicos, com termos técnicos que os moradores não entendem”, critica Peixoto. “O que importa – ações de prevenção ao risco ambiental e de vida – não tem nada concreto.”

A comparação com o caso Braskem, quando a extração de sal-gema no subsolo da capital Maceió resultou no afundamento de solo de cinco bairros e fez 60 mil pessoas deixarem suas casas, é inevitável. Silva diz que a conclusão do caso Braskem atemoriza a região.

“Hoje ainda tem muitos pescadores que não foram assistidos como deveriam ser”, exemplifica o presidente da Colônia, que já tem mais de 40 anos de pesca.

‘Não sabemos de nada. Eles fizeram uma audiência, mas não participamos’

Além do afundamento dos bairros, a ação da empresa afetou também a região lagunar da capital alagoana. Em dezembro de 2023, uma mina colapsou em um trecho da Lagoa Mundaú e mais de 1,8 mil pescadores ficaram impedidos de realizar seu trabalho em um raio de 1 km da mina. A distância entre essa área lagunar e a Lagoa Manguaba, em Pilar, é de  aproximadamente 11 km.

Silva conta que a comunidade também sofre até hoje os efeitos das atividades da Petrobras em Pilar, como o desaparecimento de espécies. “Hoje não tem mais a diversidade de peixes como no passado. Tinha época que a água ficava borbulhando. O subsolo da gente hoje é contaminado”, diz, ao informar que, em 2011, houve um vazamento de petróleo que atingiu a Lagoa Manguaba

Jurandir dos Santos também é pescador. Ele conta não ter sido informado sobre o projeto de estocagem, lamenta a falta de comunicação com a comunidade e disse não ter boas expectativas para o futuro da lagoa e da pesca. “A gente ama a lagoa, porque a nossa vida foi dedicada à pesca”, diz. 

A Origem Energia contesta os relatos da população sobre a divulgação e o acesso à audiência pública. “Audiência foi realizada com ampla divulgação para a população, por meio de spots na rádio, publicidade na imprensa, divulgação no site e redes sociais da Origem Energia, bem como envio de convites para os públicos de interesse, incluindo a Colônia de Pescadores de Pilar”, disse em nota.

A empresa alega que a audiência foi realizada presencialmente no Espaço Mestra Bida, em Pilar, e teve transmissão ao vivo. O IMA alega que recebeu registros da divulgação da audiência pública. “Cabe ao empreendedor garantir a divulgação prévia por meios eficazes”, disse em resposta à reportagem. 

Especialistas apontam riscos de explosão e contaminação

Em documento direcionado a investidores, a Origem Energia defende que o mercado de gás está mudando e que, com mais empresas competindo, em certos momentos é produzido mais gás do que o necessário. A estocagem permitiria guardar esse excedente. O caminho inverso também aconteceria em momentos de alta demanda, quando o gás guardado poderia ser retirado e usado imediatamente. 

A empresa alega que isso daria mais flexibilidade para as indústrias e que, além disso, seria um projeto importante para a transição energética em direção a formas de energia limpas, pois poderiam acionar termelétricas a gás e gerar energia sempre que houvesse momentos em que as fontes de energia renovável não estivessem produzindo energia.

O processo funcionaria assim: o gás chega pela rede de gasodutos que interligam boa parte do país, é comprimido e depois enviado pelos poços e tubulações até o local de armazenamento no subsolo. Quando a empresa quiser vender ou utilizar o estoque, o gás é retirado de volta pelos mesmos poços.

No entanto, uma análise do projeto feita pelo Instituto Arayara, organização internacional de cientistas e ambientalistas, contesta as alegações da Origem Energia.

A organização explica que vazamentos de gás metano são inevitáveis  em operações de armazenamento e que a exposição frequente a poluentes como metano e benzeno pode causar sérios problemas de saúde, como doenças no pulmão e até câncer.  

“Ainda que eventos como explosões e incêndios sejam considerados de baixa probabilidade, sua ocorrência pode ter consequências catastróficas”, alerta o Instituto — como já foi visto em vários casos ao redor mundo, como na Índia e no México.

“Ademais, os vazamentos de metano são inevitáveis nas operações de armazenamento, reforçando o papel desse gás como um potente acelerador do aquecimento global — até 25 vezes mais forte que o CO₂”, afirma o Instituto, na análise.

O gás metano, altamente inflamável, pode vazar e formar atmosferas explosivas, diz o Instituto. Segundo o próprio Plano de Resposta à Emergência da empresa, tais riscos existem, mas o plano carece de informações específicas sobre ações concretas para evitá-los.

Outro problema, segundo a organização, é que a injeção e armazenamento do gás é feita em pressão mais elevada que a pressão natural do poço, gerando risco de fratura geológica da camada de armazenamento.

“Não é possível afirmar se essas fraturas podem gerar instabilidade no terreno, mesmo que em menores proporções do que as geradas pela mina de sal-gema em Maceió”, adverte a análise.

O RIMA do projeto alega que a pressão não é suficiente para gerar falhas na estrutura. Mas os especialistas do Instituto alertam que nem no EIA nem no RIMA foi encontrado qualquer estudo de estabilidade geológica.

“Caso haja danos geológicos, observa-se previamente que houve imperícia ou até negligência dos responsáveis do estudo de impacto ambiental, operação do empreendimento e dos técnicos do órgão ambiental que aprovaram o estudo”, alerta a análise.

Outro ponto crítico é a possibilidade de contaminação do aquífero Barreiras, que atravessa a área do projeto. “Se houver falhas na estrutura dos poços, os hidrocarbonetos podem vazar e atingir as águas subterrâneas, contaminando mananciais usados pela população rural”, explica a análise assinada pelos especialistas Urias Neto e Daniela Barros.

Para o líder comunitário Luís Augusto Peixoto, o RIMA  é técnico e inacessível, e falha justamente no mais importante, a questão de como lidar com os  riscos.

O líder local não está sozinho. A preocupação também é compartilhada pelo pesquisador Anton Schwyter, que atuou como gerente de Energia, Clima e Geociências do Instituto Arayara. “Não há orientações claras sobre como proceder em situações de emergência, o que é fundamental em empreendimentos desse porte”, afirma.

“Com relação à questão de risco de explosão, ou mesmo à questão da resistência do terreno, com relação a desabamentos, a gente também não viu lá [NO RIMA] nada relativo a planos de emergência, no que se refere a você, no caso de uma emergência ter que sair, retirar as pessoas”, afirma. 

Esses detalhes estão no EIA, obrigatório para a Origem Energia obter a licença e que deveria estar acessível a todos, mas que a população diz não ter tido acesso. A reportagem só teve acesso após solicitação ao IMA. Enquanto o RIMA tem 56 páginas, o EIA, ambos elaborados pela Mais Ambiental, é composto por 843.

A reportagem só teve acesso ao Estudo de Impacto Ambiental, que deveria estar público, após solicitação ao IMA. (Foto: Reprodução/Agência Tatu)

No EIA, a empresa apresenta um conjunto de diretrizes para gerenciamento de riscos e resposta a situações emergenciais relacionadas às atividades de exploração e produção de petróleo e gás. 

Entre os riscos, o estudo aponta vazamento ou rompimento de dutos de petróleo/gás, incêndios e explosões nas instalações, derramamento de substâncias químicas e combustíveis, emissões de gases poluentes, acidentes envolvendo transporte de cargas perigosas, contaminação do solo e de corpos hídricos, danos à fauna e flora locais, riscos à saúde de trabalhadores e populações próximas.

A população diz que não só desconhece o projeto, como diz que nunca passou por qualquer orientação por parte da companhia. O plano também não é específico para ESGN, tendo sido criado para a operação de exploração de petróleo e gás já existente.

Para o doutor em sustentabilidade e professor da Universidade Federal de Alagoas, a UFAL, João Marcos Pavanelli, esses relatórios são produzidos previamente, apenas para cumprir etapas burocráticas.

“Essa consultoria, por exemplo, não vai mitigar nenhum dos impactos que ela mesma aponta. O que existe, de fato, é algo feito para inglês ver”, declara.

Para Pavanelli, de maneira geral os relatórios apresentados para obtenção de licenciamento ambiental “são elaborados de forma extremamente subjetiva, muitas vezes com medidas bastante duvidosas, sem qualquer crivo metodológico sério”.

De acordo com a Origem, a prática de estocagem subterrânea é consolidada mundialmente, sendo utilizada há mais de 100 anos nos Estados Unidos e por pelo menos seis décadas na Europa. No caso de Alagoas, os próprios reservatórios do Campo de Pilar já operaram com injeção de gás por mais de uma década, sob gestão da antiga operadora. 

“A técnica de injetar e retirar gás de reservatórios depletados é corriqueira na indústria do petróleo e dominada globalmente”, afirmou a companhia.

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Em resposta a questionamentos sobre riscos e segurança, a empresa reforçou que os planos de mitigação e resposta a emergências foram elaborados e entregues ao IMA durante o processo de licenciamento ambiental. A licença prévia só foi concedida após a análise do EIA e do RIMA.

“A Origem Energia possui planos de Resposta a Emergências, Gerenciamento de Estocagem Subterrânea de Gás Natural, Integridade de Instalações e Monitoramento que visam prevenir acidentes e proteger vidas e o meio ambiente”, disse a empresa em nota. Segundo a Origem, esses protocolos incluem o monitoramento contínuo da integridade dos poços e treinamentos periódicos com os colaboradores.

Sobre críticas de especialistas que afirmam que os planos apresentados seriam genéricos e voltados à exploração convencional de petróleo e gás, a empresa alegou que a estocagem será realizada em poços já existentes e que não há aumento nos riscos operacionais.

“Trata-se de uma atividade que era praticada pela antiga operadora por mais de 10 anos. Portanto, os planos devem ser elaborados de forma integrada às operações de produção de óleo e gás já existentes no Polo Alagoas”, justificou.

Conflitos de interesse nos estudos de impacto ambiental

Para viabilizar o projeto, a Origem apresentou estudos de impacto ambiental elaborados pela Mais Ambiental, empresa cujo um dos funcionários é sócio de Ramon Cruz, um ex-gerente do IMA e atual consultor do órgão.

Fabrício Lima, engenheiro ambiental que assina como coordenador da Mais Ambiental em diversos documentos, é sócio de Cruz na empresa Nuvenn Topografia e Engenharia. As duas empresas funcionam no mesmo edifício – em salas diferentes, compartilhando o mesmo telefone.

Ao entrar em contato com o número, não atende ninguém em nome da Mais Ambiental e sim Lima. Perguntamos se o número era da Nuvenn, o que foi confirmado. Também perguntamos sobre Cruz. Lima informou que seu sócio entraria em contato.

Cruz foi gerente de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do IMA até ser exonerado em março de 2025. Ele esteve na equipe durante boa parte do processo de licenciamento do projeto de estocagem, iniciado em 16 de outubro do ano passado

Mesmo após a exoneração, Cruz continua trabalhando como consultor do IMA. O órgão pagou R$ 2.694,96 para que ele participasse de um evento da Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente, a Abema, em São Paulo, ocorrido em 27 de maio deste ano. 

O órgão estadual reconheceu que Ramon Cruz atuou na Gerência de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade, a Geclim, mas alegou que o setor não possui qualquer relação com os processos de licenciamento ambiental conduzidos pelo IMA. “Atualmente, ele não faz parte do quadro funcional do órgão e não participou de nenhuma etapa do licenciamento mencionado”, disse o IMA.

Questionada pela reportagem sobre o possível conflito de interesse entre a empresa responsável pelos estudos e o IMA, a Origem Energia se limitou a informar a equipe técnica listada nos próprios documentos de impacto ambiental.

Rota insustentável e de alto risco, diz análise

Pilar se promove como a cidade mais inovadora de Alagoas. Grande parte da receita municipal vem dos royalties de petróleo e gás, que aumentaram após a aquisição do bloco pela Origem Energia.

A cidade tem um avião instagramável na entrada principal e a promessa de ter a maior estátua de Cristo do país. Símbolos do que seria a “grande decolagem do Pilar” em direção ao futuro, segundo o ex-prefeito Renato Filho, do MDB, apoiador do deputado federal Arthur Lira, ex-presidente da Câmara dos Deputados e integrante do PP. A estocagem de gás é mais uma das apostas de futuro da cidade, que ao mesmo tempo enfrenta problemas básicos de saneamento. Na orla lagunar, ao lado do totem colorido com o nome do município, a água suja é despejada diretamente na Lagoa Manguaba – a mesma que pode ser afetada pelo projeto de estocagem de gás.

Ter a maior estátua de cristo do país é um dos planos de Pilar. (Foto: Elisson Monteiro/Agência Tatu)

A Origem Energia justifica que o projeto de estocagem trará desenvolvimento econômico para Pilar, mas os efeitos são limitados, segundo os especialistas. Na fase de operação, o projeto contará com quatro operadores de campo, um engenheiro de estocagem e um de medição, destaca o documento do Instituto Arayara.

Para a entidade, insistir “no gás natural como vetor de desenvolvimento é aprofundar uma rota insustentável e de alto risco para o meio ambiente e para as populações afetadas”. Além disso, a instalação de uma infraestrutura para estocagem e processamento de gás natural tende a abrir caminho para termelétricas e indústrias de grande impacto ambiental e social.

‘Insistir no gás natural como vetor de desenvolvimento é aprofundar uma rota insustentável e de alto risco para o meio ambiente e para as populações afetadas’

A organização também destaca que a proximidade dos poços com residências rurais, chácaras e pequenas propriedades acentua os riscos à saúde humana. A análise do Arayara conclui que o projeto está longe de representar um avanço para a transição energética e para a cidade.

“Além do impacto climático, os riscos socioambientais são significativos”, diz a organização, enfatizando que o descarte inadequado ou casos de vazamento da água de produção ameaçam a agricultura local, comprometendo a principal atividade econômica de comunidades próximas. A exposição contínua a poluentes como metano e benzeno também pode levar a graves problemas de saúde, incluindo doenças respiratórias e câncer.

Entre as obras previstas em Pilar, está a construção do primeiro teleférico de Alagoas. (Foto: Elisson Monteiro/Agência Tatu)

Procurado pela reportagem, o Ministério Público Federal, o MPF, respondeu que ainda não recebeu denúncias sobre o empreendimento, mas que “indícios de falhas, riscos não esclarecidos ou ausência de transparência” podem levar à instauração de investigação. Já o Ministério Público de Alagoas, o MPAL, disse que está acompanhando o licenciamento e que“até o momento não houve nenhuma notícia de irregularidades”.

A Origem defendeu que o projeto geraria, inicialmente, até 20 empregos diretos durante a fase de instalação e seis novos na etapa de operação. Procurada pela reportagem, a prefeitura de Pilar afirmou estar “acompanhando com atenção” o projeto, mas que o poder de decisão sobre a viabilidade da atividade é exclusivo do IMA. A gestão municipal tenta afastar qualquer comparação com o colapso geológico provocado pela Braskem em Maceió. 

“Trata-se de operações de natureza técnica e geológica completamente distintas daquelas desenvolvidas pela Braskem em Maceió”, informou por meio de nota. 

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