João Filho

Tarifaço de Trump é estratégia mafiosa e golpista

Arruaça mentirosa da extrema direita usa risco econômico para tentar chantagear poderes, enfraquecer Lula e livrar Bolsonaro da cadeia.

Bonecos de Trump e Bolsonaro foram parte de manifestação em São Paulo, nesta semana, pedindo a taxação dos mais ricos no Brasil e criticando o tarifaço dos EUA (Foto: Allison Sales/Folhapress)

O novo tarifaço que Trump impôs ao Brasil é essencialmente golpista. Não está sustentado por qualquer motivo econômico ou político legítimo. É só mais uma arruaça golpista de uma extrema direita internacional articulada. O país mais rico do mundo hoje é governado por um delinquente golpista que atua no cenário geopolítico como um chimpanzé bêbado portando uma metralhadora. 

A carta pública do presidente dos EUA para Lula é um ataque inédito à soberania brasileira. Todos os motivos que foram elencados para justificar a taxação em 50% dos produtos brasileiros estão baseados em mentiras grosseiras. Trump simplesmente inventou que os EUA têm um déficit comercial com o Brasil, sendo que é justamente o inverso o que ocorre há pelo menos 15 anos. 

Ele falseou um dado que é amplamente conhecido, registrado inclusive pelo governo americano, colocou numa carta pública endereçada a um país que é um aliado histórico e que se dane. A verdade não importa. A mentira é a plataforma de comunicação da nova extrema direita internacional. 

A carta de Trump segue mentindo quando reforça a ladainha bolsonarista de que as eleições livres estão sendo atacadas e que Jair Bolsonaro está sendo perseguido pela justiça no Brasil. Em tom de exigência, ele ainda pede para que o seu julgamento seja interrompido “imediatamente”. Trata-se de uma violação de princípios básicos do direito internacional e um ataque direto e violento contra a Constituição brasileira e os poderes judiciário e executivo. 

Diferente do que aconteceu no debate sobre aumento do IOF, a burguesia nacional não se alinhou ao bolsonarismo. Claro, os EUA são o nosso segundo maior parceiro comercial, e muitos setores produtivos serão profundamente abalados com o tarifaço. Essa é uma pauta exclusiva da família Bolsonaro e do núcleo golpista que a cerca.

Amedrontada com a possibilidade iminente de ir para a cadeia, o bolsonarismo decidiu usar parte da elite nacional como uma espécie de escudo humano. Nossos patriotas não pensaram duas vezes antes de colocar o rabo do setor agropecuário — o mais prejudicado com o tarifaço — na reta. O agro foi um dos principais financiadores da trama golpista, mas acabou se tornando mais um dos companheiros golpistas que foram largados feridos na estrada. 

Bonecos de Trump e Bolsonaro foram parte de manifestação em São Paulo, nesta semana, pedindo a taxação dos mais ricos no Brasil e criticando o tarifaço dos EUA (Foto: Allison Sales/Folhapress)
Bonecos de Trump e Bolsonaro foram parte de manifestação em São Paulo pedindo taxação dos mais ricos no Brasil e criticando tarifaço dos EUA (Foto: Allison Sales/Folhapress)

Já a grande imprensa decidiu se alinhar em defesa da soberania nacional. Claro, os barões da imprensa sempre representarão os interesses das elites nacionais que, neste caso, convergem com os interesses do país e do povo brasileiro. 

Em editorial, o Estadão chamou a ofensiva de Trump de “coisa de mafiosos”. Mais que isso: convocou os “verdadeiramente brasileiros” a não serem “sabujos de um presidente americano que envergonha a democracia”. A aventura bolsonarista é antidemocrática até para os padrões historicamente frouxos do jornal da família Mesquita. Nessa briga, a família Bolsonaro ficará sozinha, contando no máximo com a meia dúzia de vira-latas golpistas que integram o seu núcleo duro.  

A definição escolhida pelo Estadão  — “coisa de mafiosos”— é precisa. É exatamente do que se trata. A extrema direita internacional se articula como uma máfia: agredindo as instituições de poder, chantageando governos e atuando à margem da democracia. Tudo neste episódio cheira à máfia.

Vejamos: o deputado federal licenciado e fujão Eduardo Bolsonaro e seu assecla Paulo Figueiredo — o neto de ditador que já foi preso em Miami por participar de esquema de propina —  fizeram questão de se apresentar como os coautores dessa intimidação à soberania e à democracia brasileira. E, de fato, o são. 

Financiado pelo papai e por dinheiro público, Eduardo passou os últimos meses ao lado de Figueiredo nos EUA fazendo um intenso lobby na Casa Branca em favor do golpismo no Brasil. Após o anúncio do tarifaço, ambos escreveram uma nota que soa como um grupo de terroristas fazendo exigências para soltar reféns. 

“Uma hora a conta chega”, começa o texto, que segue amontoando uma série de mentiras. Ao fim, a dupla golpista detalha quais são as exigências para evitar um mal maior para o Brasil: “Apelamos para que as autoridades brasileiras evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional que restaure as liberdades. Cabe ao Congresso liderar esse processo, começando com uma anistia ampla, geral e irrestrita, seguida de uma nova legislação que garanta a liberdade de expressão — especialmente online — e a responsabilização dos agentes públicos que abusaram do poder. Sem essas medidas urgentes, a situação tende a se agravar — especialmente para certos indivíduos e seus sustentadores. Restam três semanas para evitar um desastre.” 

Ou seja, um deputado e um militante bolsonarista denunciado por participar de trama golpista no Brasil estão atuando como coautores e porta-vozes de um governo estrangeiro que nos ameaça e chantageia. Haja patriotismo para os nossos patriotas.

Eduardo Bolsonaro, que falou em conferência conservadora nos EUA há poucos dias, disse que pediu a parlamentares republicanos a retomada de projeto de lei que pode barrar entrada de Alexandre de Moraes no país (Foto: Julia Mineeva/Thenews2/Folhapress)
Eduardo Bolsonaro foi para os EUA para fazer lobby na Casa Branca para tentar salvar o pai da prisão (Foto: Julia Mineeva/Thenews2/Folhapress)

Steve Bannon, outro integrante da máfia e que já foi preso por participar de um esquema de fraude em favor de Trump, foi ainda mais direto que Bolsonaro. Em entrevista ao UOL, o criminoso foi claro na chantagem: “Derrubem o processo contra Bolsonaro, que nós derrubamos as tarifas”. 

Bannon nem cargo tem no governo Trump, mas se sente à vontade para fazer esse tipo de ameaça a uma nação amiga dos EUA. O chefe da máfia autoriza que o criminoso atue como porta-voz informal do seu governo. Uma máfia não segue regras e formalidades. 

Mas a coisa ficou mais mafiosa ainda quando o senador Flávio Bolsonaro entrou em cena. Em uma entrevista para a CNN, ele avisou que chegou a hora de dar uma segurada nessa história de patriotismo. Segundo ele, o Japão quis bancar o patriota na Segunda Guerra Mundial e acabou levando duas bombas atômicas.

“Como é que sai dessa enrascada agora? A gente vai continuar com o nosso orgulho, né? ‘Somos brasileiros’? Todos nós temos orgulho de ser brasileiros, mas como é que resolve essa situação? Se você olhar para a Segunda Guerra Mundial, o que os Estados Unidos fez [sic] com o Japão? Lançou uma bomba atômica em Hiroshima para demonstrar força. Qual foi a reação do Japão naquela época? Falou: ‘Olha, nós aqui somos patriotas; isso é uma interferência dos Estados Unidos aqui no nosso país; nós aqui vamos resistir; fora ianques’. Qual foi a consequência três dias depois? Uma segunda bomba atômica em Nagasaki”. 

Trocando em miúdos: o Brasil capitula ou será atropelado pelos EUA. Como nos filmes de máfia, Flávio coloca a imagem da bomba atômica sobre a mesa para tornar tudo ainda mais ameaçador. Ele continua: “Não estamos em condições normais de exigir nada. Ele vai fazer o que ele quiser, independente da nossa vontade. Cabe a nós termos a responsabilidade de evitar que caiam duas bombas atômicas no Brasil, para depois anunciar que vamos fazer anistia”.

LEIA TAMBÉM:

Ou seja, temos um senador brasileiro nos fazendo uma proposta irrecusável: obedecemos os EUA ou sofreremos consequências terríveis, inclusive bélicas. Isso é coisa de máfia ou não é? 

Com a ajuda da máfia trumpista, a máfia bolsonarista sequestrou parte da economia brasileira para chantagear os poderes constituídos, tentar derrubar o presidente eleito e livrar Bolsonaro da cadeia para colocá-lo nas urnas na próxima eleição. É o golpismo em estado bruto. 

Por outro lado, Lula agora tem a oportunidade de surfar uma onda nacionalista e chegar forte em 2026. Não há dúvidas de que o tarifaço prejudicará a economia, mas não chega a ser um bicho-papão. Segundo a avaliação de economistas da XP, as tarifas devem reduzir o PIB em 0,3 ponto em 2025. É uma briga que dá para comprar, e Lula já sinalizou que responderá com reciprocidade. 

Em todos os países em que Trump meteu o bedelho, o candidato alinhado a ele perdeu a eleição. Foi assim no Canadá e na Austrália. Enquanto Tarcísio de Freitas veste o boné do MAGA e continua caninamente alinhado ao bolsonarismo, Lula poderá encarnar a defesa dos interesses brasileiros. 

Depois do IOF, o petista ganhou mais um mote eleitoral. Já o bolsonarismo terá de lidar com a pecha de entreguista, que sacrificou empregos brasileiros para tentar livrar Bolsonaro da prisão.

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.

É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
E é por isso que não podemos parar.

Nosso jornalismo é sustentado por quem acredita que informação é poder.
Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.

Apoie o Intercept Hoje

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar