João Filho

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Folha, Globo e Estadão partem para o chilique coletivo contra a justiça tributária

Campanha bem-sucedida para ricos pagarem mais impostos é tratada como “ataque”: começou a ladainha de que o “nós contra eles” divide o Brasil. 

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Caminhada do Dois de Julho. Salvador - BA 
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Caminhada do Dois de Julho. Salvador - BA 
Foto: Ricardo Stuckert / PR
Governo Lula embarcou em uma campanha dura, mas respeitou os limites.
Foi o suficiente para mídia corporativa e parte da classe política pedirem moderação. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Dominado pelo Centrão e pelo bolsonarismo — leia-se direita e extrema-direita —  o Congresso segue empenhado em continuar sabotando o governo. O objetivo é claro: fazer Lula sangrar até o final do mandato e abrir um caminho eleitoral para a candidatura de Tarcísio de Freitas. Os presidentes da Câmara e do Senado rasgaram um acordo com o governo e, na calada da noite, lideraram a derrubada do decreto que aumentava o IOF — um imposto para os mais ricos.  

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A manobra foi flagrantemente inconstitucional. A Câmara, em acordo com o presidente do Senado, lançou mão do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) para anular o decreto presidencial que garantiu o aumento do imposto. O PDL é um instrumento para ser usado exclusivamente quando o Executivo usurpa a competência do Legislativo, o que não foi o caso. O governo tem a prerrogativa de aumentar a alíquota de imposto. 

Nunca o parlamento teve tanto poder. Com a chave do cofre nas mãos — leia-se orçamento secreto — os congressistas da oposição, que são ampla maioria, sentem-se à vontade para fazer o que quiser com o governo. É uma espécie de parlamentarismo informal. O velho jogo da governabilidade do Executivo não existe mais. Lula divide o governo com partidos e não ganha apoio deles no Congresso.

Trata-se de uma sabotagem sobretudo à democracia, o que não chega a ser novidade, afinal de contas estamos falando de um grupo formado essencialmente por golpistas e simpatizantes de golpistas.   

Acuado e de mãos atadas, o governo decidiu reagir em duas frentes: a jurídica, acionando o STF para reverter a derrubada do decreto; e a política, levando um debate sobre justiça tributária para a opinião pública. 

Antes mesmo do governo entrar com a ação no STF, Ciro Nogueira, que foi um dos articuladores da derrubada do decreto, lançou uma ameaça velada: “se recorrer ao STF, vai ser pior para o país”. 

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E não foi só a oposição que se indignou, a grande imprensa também correu para proteger os ricos de pagarem mais impostos. O governo passou a ser acusado por aumentar a tensão política, como se recorrer ao judiciário diante de uma flagrante inconstitucionalidade não fosse absolutamente legítimo. 

No campo político, governistas passaram a compartilhar vídeos gerados por inteligência artificial que chamam o Congresso Nacional de “inimigo do povo” e apelidam o presidente da Câmara de “Hugo Nem Se Importa”. 

A campanha foi um sucesso nas redes sociais, animando a militância e furando a bolha das esquerdas. Foram críticas duras, incisivas, mas dentro dos limites que se espera do embate político dentro de uma democracia. Nos vídeos não há golpes abaixo da cintura, baixarias, ameaças ou ataques pessoais. 

Mas não foi assim que oposicionistas e os bonitões da grande imprensa encararam. Iniciou-se um chororô — ou “mimimi” como eles gostam de falar —  desproporcional, como se o parlamento e a democracia estivessem sendo vítimas de ataques virulentos. 

A reação soa como piada, já que caminhamos para quase uma década de violência massiva por parte do bolsonarismo contra os poderes constituídos. Os vídeos compartilhados nesta semana são brincadeira de criança perto da virulência das mamadeiras de piroca dos golpistas. A reação afetada da imprensa e dos bolsonaristas é o cúmulo do ridículo.

A defesa dos ricos e a possibilidade de eleger o queridinho Tarcísio de Freitas fez a imprensa se alinhar quase que inteiramente aos golpistas. Editoriais e colunistões têm se dedicado a criticar a reação do governo, que até então andava meio cabisbaixo, sem um mote político e parecia fadado a caminhar para o fracasso eleitoral em 2026. Isso mudou e a imprensa que quer eleger Tarcísio não gostou. 

Começou a velha ladainha de que o discurso do “nós contra eles” divide o Brasil. É uma crítica velha, surrada, que traz embutida a demonização da prática política — a mesma que criou o ambiente para o surgimento do bolsonarismo. 

Durante a semana, Estadão, Folha e O Globo lançaram editoriais com duras críticas ao governo e em defesa de Hugo Motta e do Congresso. Com um título quase infantil — “Lula não gosta da iniciativa privada” — o editorial do Estadão ofereceu um prato cheio para os bolsonaristas ao ressuscitar a imagem do Lula populista e malvadão contra os ricos. 

Já a Folha debochou do mote da luta de classes: “[Lula] ​​decidiu, com a ajuda de aliados e militantes, transformar sua tentativa de elevar um imposto numa cruzada heroica contra opressores poderosos dos brasileiros desvalidos.” O editorial do O Globo partiu para o malabarismo retórico ao dizer que o aumento do imposto dos super ricos vai acabar prejudicando os mais pobres também. 

Como se sabe, os editoriais são espaços de opinião dos barões da imprensa, que são super ricos, e, portanto, nada mais natural que sejam usados para defender seus próprios interesses. Mesmo assim, impressiona a cara de pau. 

É uma gente que tem ganhado todas as disputas nos últimos anos e não está acostumada a perder.

Absolutamente nenhum dos editoriais cogitou sequer a hipótese da derrubada do decreto de aumento do IOF ser inconstitucional. A ação é vista como inconstitucional por 10 entre 10 juristas sérios, mas na imprensa ela é tratada como legítima e necessária. O jornalismo morreu e o que prevalece é a opinião dos super ricos que comandam a imprensa corporativa.

Mas a defesa mais aguerrida e ostensiva de Hugo Motta e do Congresso foi feita no Jornal Nacional da última quinta-feira. Com uma reportagem de quase 7 minutos, o jornal deu amplo espaço para o Centrão e bolsonaristas se defenderem e chamou os vídeos divulgados pelo governo de “ataques”. 

Hugo Motta e o Congresso foram tratados como vítimas de uma ofensiva violenta por parte de Lula e do governo. Assim como os editoriais dos jornalões, o Jornal Nacional também omitiu a flagrante inconstitucionalidade da ação do Congresso. Fica parecendo que só é inconstitucional quando é do interesse da Globo. 

Como bem disse o jornalista Lúcio de Castro, o Jornal Nacional fez um “editorial disfarçado de matéria” jornalística em “defesa da escumalha que sequestro o Congresso”. Toda a reportagem tem um tom de indignação contra o governo, como se ele agisse sob um espírito antidemocrático. Mais uma vez estamos diante do cúmulo do ridículo. É como se até semana passada a nossa democracia vivesse na mais absoluta ordem e tranquilidade.

Vendo a escalada da tensão entre os poderes, o STF buscou a conciliação. Ignorou a flagrante inconstitucionalidade do PDL do Congresso e anulou  todos os decretos, tanto o do governo, quanto o do legislativo. O ministro Alexandre de Moraes chamou o embate entre Executivo e Legislativo de “indesejável” e que ele contraria a Constituição, que prega a harmonia e independência dos Poderes. 

Para mediar a paz, o STF propôs uma reunião de conciliação entre Lula e Alcolumbre, representante do Congresso. A decisão do STF é equivocada do ponto de vista jurídico, mas pode ser compreensível do ponto de vista político. 

Não cabe ao tribunal fazer cálculos políticos, mas sabemos que não é assim que a coisa funciona na prática. O fato é que os decretos do governo são constitucionais, os da oposição não. Entre fazer valer a Constituição e diminuir a tensão entre os Poderes, o tribunal optou pela primeira opção. Um grave erro ao meu ver.

Em resumo: o governo está tentando resolver minimamente a disparidade tributária entre ricos e pobres. O aumento do IOF seria tímido e nem de longe resolveria essa desigualdade. Isso bastou para deflagrar um imenso chilique coletivo dos representantes dos super ricos no parlamento e na imprensa. 

É uma gente que tem ganhado todas as disputas nos últimos anos e não está acostumada a perder. O governo, que até então buscava conciliar de todas as formas, resolveu reagir e botar o bonde do embate político na rua. E começou a marcar pontos com a opinião pública. 

Resta saber se o governo terá fôlego para manter esse embate político e eleitoral até 2026 e como o consórcio pró-Tarcísio — formado por grande imprensa, Centrão e bolsonarismo — continuará reagindo. O STF colocou a bola no meio campo, zerou o placar e quer quer os dois times se entendam antes da bola rolar novamente. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. 

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