Brucutu como um bom militar bolsonarista, o deputado Guilherme Derrite, relator do PL Antifacção, adotou uma postura intimidatória com jornalistas que faziam seu trabalho na Câmara na última quinta-feira, 13.
“Eu já falei que eu não quero falar com a imprensa. O que vocês querem que eu faça? Quer que eu brigue, quer que eu xingue vocês?”, esbravejou o deputado pelo PP e ex-capitão da Rota, da Polícia Militar de São Paulo.
Derrite anda tenso com a repercussão negativa da série de patacoadas que ele cometeu com o texto do do projeto de lei. Em apenas cinco dias, ele apresentou quatro versões diferentes. Não consultou o governo, não reuniu especialistas nem se dignou abrir um debate público.
O deputado está com pressa. Na ânsia por faturar eleitoralmente em cima da maior chacina do país, no Rio de Janeiro, Derrite meteu os pés pelas mãos e conseguiu desagradar ao mesmo tempo o governo federal, o mercado financeiro e a bancada da bala. É um fenômeno da incompetência!
Além das muitas barbaridades propostas a toque de caixa pelo deputado, chamou a atenção o impulso por retirar a Polícia Federal das investigações contra o crime organizado. Ele recuou da decisão depois de sofrer pressão por todos os lados, mas não admitiu que errou.

Para tentar conter os danos à sua imagem, o deputado publicou um vídeo no qual afirma que a interpretação de que ele quis boicotar a PF é “desonesta” e que essa nunca foi sua intenção. O ex-capitão da Rota se fez de louco, é claro.
Não é razoável imaginar que um secretário de Segurança Pública de São Paulo não sabia que o texto da sua autoria representava o fim da autonomia e da independência do principal aparelho de inteligência do país contra o crime organizado. É claro que ele tinha plena consciência do que estava fazendo quando colocou que as ações da PF deveriam ser submetidas aos governadores.
A sede por limitar o trabalho da corporação no combate ao crime organizado ficou ainda mais evidente na última versão do texto. O deputado recuou e manteve a autonomia da PF, mas esvaziou um dos fundos que abastecem a corporação. Derrite quer retirar mais de R$ 360 milhões ao ano de fundos federais de combate ao crime e direcioná-los aos governos estaduais. Como se vê, está mesmo empenhado em enfraquecer o papel da Polícia Federal.
Há uma operação de sabotagem às propostas do governo federal para impedir o avanço do crime organizado. O mesmo aconteceu com a PEC da Segurança Pública, que foi imediatamente rechaçada pelos governadores de extrema direita.
Derrite, apadrinhado de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo pelo Republicanos, foi escolhido a dedo para boicotar qualquer possibilidade de sucesso e impedir que Lula conquiste um triunfo eleitoral. Não há outra explicação possível para o papelão que o deputado cumpre na relatoria do PL. A extrema direita se mobilizou para dificultar as investigações sobre organizações criminosas.
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Quem está gostando é o crime organizado. Tem havido uma sequência de ações que beneficiam os criminosos lideradas pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, e apoiadas pela extrema direita. A PEC da Bandidagem, por exemplo, só não avançou graças à mobilização da população nas redes e nas ruas.
Mesmo depois de ter sido humilhado por parlamentares bolsonaristas, Motta parece que voltou a comer na mão deles. A escolha de Derrite foi feita na calada da noite, quando todos os olhos estavam voltados para COP30.
Nunca é demais lembrar que, neste momento, dois dos maiores articuladores da candidatura de Tarcísio ao Planalto, Antônio Rueda e Ciro Nogueira, presidentes do União Brasil e do PP, estão sendo acusados de conexão com o PCC. A indicação do braço direito do governador para atuar contra facções criminosas é um acinte. Há um cheiro podre no ar.
Se a primeira versão do texto de Derrite fosse aprovada, a Polícia Federal ficaria impedida de investigar possíveis ligações do governador Cláudio Castro, do PL do Rio de Janeiro, com as milícias ou do governador Tarcísio com o PCC. Imagine a bizarrice que seria a PF pedindo autorização dos governadores para investigar eles próprios.
Nesta semana, por exemplo, a PF divulgou diálogos interceptados entre membros do Comando Vermelho com um ex-deputado estadual, um secretário e um ex-subsecretário do governo de Cláudio Castro. As conversas mostram tentativas da facção de influenciar o policiamento ostensivo, pagamentos de propina, um pedido de resgate de carros roubados e até um encontro presencial entre um faccionado e um secretário de Castro para tratar de “cobertura política”.
Trata-se de uma ação de inteligência que a Polícia Federal só consegue executar com autonomia, independência e dinheiro. O objetivo de Derrite era justamente minar essas três coisas.
Apesar de ser tratado por Tarcísio como um homem de perfil técnico, Derrite está longe de ser uma referência na área de segurança pública. Sua carreira como policial mostra que ele é especialista em matar gente.
‘O negacionismo triunfa quando o assunto é violência urbana e favorece o crime organizado’.
Como se sabe, Derrite foi afastado da Rota por excesso de letalidade em serviço. Se a Rota acha que você mata demais é porque você mata demais mesmo. Derrite já disse que, para ser um bom policial, tem que ter pelo menos três assassinatos no currículo. Esse é o principal homem de Tarcísio para a área de segurança pública.
Derrite é, acima de tudo, mais um negacionista de extrema direita no tema da segurança pública. A letalidade da Polícia Militar em São Paulo disparou sob sua gestão. Ao mesmo tempo, o PCC segue mais fortalecido do que nunca.
A lambança de Derrite com o texto do PL não é acidental. É um projeto político-eleitoral. A confusão armada pelo relator fez com que Hugo Motta adiasse a votação do PL. A intenção é prolongar o debate sobre segurança pública, porque percebeu-se que o tema colocou o governo Lula na defensiva depois do massacre na Penha.
O negacionismo triunfa quando o assunto é violência urbana e favorece o crime organizado. Quanto menos inteligência e mais “bandido bom é bandido morto”, melhor para os chefões das facções criminosas.
A obsessão de Derrite e seu grupo político por alijar o principal aparelho de inteligência do país evidencia qual é hoje o principal entrave para combater as facções criminosas: o bolsonarismo e a extrema direita.
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