João Filho

Extrema direita usa chacina de Castro para tentar recuperar força eleitoral

Enquanto famílias choram, bolsonaristas ignoram ligações de Castro com o crime organizado, fazem demagogia pela paz e miram em 2026.

Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do PL, classificou operação de matança como um "sucesso" (Foto Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress)

A extrema direita passou a acumular derrotas na guerra de narrativas depois de anos dominando e pautando o debate público. Este ano está sendo especialmente ruim para o bolsonarismo, que viu seu principal líder ser preso e tem tomado surras inéditas em votações no Congresso. 

Mas eis que vem o governador Cláudio Castro, do PL, e produz mais de uma centena de cadáveres. A barbárie liderada pelo bolsonarista está sendo usada como tentativa de recuperar o protagonismo da extrema direita no debate público. 

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Supor que a operação foi feita com o único objetivo de faturar eleitoralmente não é exagero. Basta acompanhar as declarações do governador e dos principais nomes do bolsonarismo, e o movimento coordenado nas redes sociais. 

O objetivo da operação era prender Doca, apontado como a principal liderança do Comando Vermelho, o CV. Resultado: Doca fugiu, e a polícia matou mais de cem. Mesmo assim, o governador considerou a operação um “sucesso” absoluto. Todo o espetáculo em torno da chacina parece ter sido feito sob medida para a exploração eleitoral. É a necropolítica em estado bruto. 

O governador Castro chamou o Comando Vermelho de “narcoterrorista” — um termo que nunca se usou no Brasil para se referir às facções criminosas. O bolsonarismo passou a usá-lo com um único objetivo: incluir o Brasil na lista de nações que estão na mira de intervenções militares ilegais de Donald Trump. 

Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do PL, classificou operação de matança como um "sucesso" (Foto Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress)
Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do PL, classificou operação de matança como um “sucesso” (Foto Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress)

Justamente na semana em que o senador Flávio Bolsonaro, do PL do RJ, pediu para que os EUA atacassem a Baía de Guanabara, o governador promoveu uma chacina e a classificou como uma ação contra “narcoterroristas”. Está tudo desenhado. O massacre de Cláudio Castro foi planejado e serviu aos propósitos políticos e eleitorais da extrema direita brasileira. Não há outra leitura possível do episódio.

Até semana passada, o bolsonarismo estava nas cordas do debate público depois da retomada da normalização das relações diplomáticas do Brasil com os EUA. A soberania nacional foi a principal pauta do país desde o início do ano. O bolsonarismo perdeu quase todas as batalhas e viu Lula tomar a bandeira do patriotismo de suas mãos. Soma-se a isso as derrotas no debate sobre taxação dos ricos, PEC da Blindagem e outras disputas importantes. 

A maior chacina da história do Brasil escandalizou o mundo e dominou o debate público, levando para um terreno em que a extrema direita costuma nadar de braçada. O bolsonarismo comemorou a matança, responsabilizou Lula pelo avanço do crime organizado e atacou a esquerda que “defende bandido”. 

O tema da segurança pública traz consigo essa armadilha narrativa para a esquerda. Qualquer proposta que não passe pelo assassinato indiscriminado de criminosos é automaticamente tratada como uma defesa da bandidagem. É um discurso que tem aderência em grande parte da população, que sofre com a violência urbana e sente medo. 

Ocorre que esse debate nem deveria existir. Primeiro, porque a história recente demonstra que a violência policial é uma fábrica de crime organizado — o Primeiro Comando da Capital, o PCC, nasceu no massacre do Carandiru, enquanto o Comando Vermelho surgiu para combater a tortura nas penitenciárias. 

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Segundo, porque há um consenso entre pesquisadores da segurança pública de que o crime não diminui quando a polícia mata mais. Continuar defendendo a matança indiscriminada de bandidos em nome da segurança pública é a negação da ciência. É tão negacionista quanto achar que vacina não salva vidas. 

A excitação com o momento é tanta que governadores reacionários defenderam a matança de Cláudio Castro e foram até o Rio de Janeiro prestar apoio. Os corpos ainda não haviam sido totalmente identificados, mas lá estavam eles, no Palácio da Guanabara, endossando a barbárie promovida pelo governo fluminense.

Após a celebração de uma cena de guerra, os governadores anunciaram o “consórcio da paz” — um projeto ridículo, sem medidas concretas, apenas com uma promessa vazia de que os estados trabalharão em conjunto. É a extrema direita se aproveitando dos cadáveres que Castro ofereceu para tentar recuperar o fôlego eleitoral.

Nenhum desses líderes de extrema direita está verdadeiramente preocupado com a segurança pública. Esse não é um problema sério para quem mora em condomínios, anda com seguranças e carros blindados. Todos eles estão exaltando um governador cujas suspeitas de ligação com o crime organizado saltam aos olhos – e são robustas demais para serem ignoradas por quem está preocupado com o avanço do crime organizado. 

Sabe os drones e as armas com que o CV recebeu os policiais no dia do massacre? Podem ter sido comprados com a intermediação de um aliado político do governador, o deputado estadual Thiago Raimundo de Oliveira Santos, o TH Joias. 

Segundo o Ministério Público Federal, o parça do governador é um “relevante membro do Comando Vermelho – e investigações conjuntas, que incluem Ministério Público do RJ e Polícia Federal, indicam que TH fazia parte de um quadrilha denunciada por intermediar a compra e venda de drogas, armas e equipamentos antidrones.

‘Essa gente tem fetiche com preto e pobre sendo assassinado’.

TH foi preso em um condomínio de luxo graças a uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil, coordenada pelo MPF. Sem precisar dar um tiro sequer – até porque foi executada em condomínios de luxo.

A operação prendeu também um assessor parlamentar de TH Joias, e Alessandro Pitombeira Carracena, secretário municipal de Ordem Pública do Rio na gestão de Marcelo Crivella, do Republicanos, e ex-secretário estadual de Defesa do Consumidor de Cláudio Castro. Todos eles fazem parte do mesmo grupo político do governador. É o mesmo grupo político que há várias gestões comanda a segurança pública do Rio de Janeiro. 

Castro financiou o crime organizado com verba do fundo eleitoral. Durante a última campanha, o governador gastou quase meio milhão de reais para comprar combustível em postos de um líder de uma organização criminosa. A ex-mulher do criminoso, sócia de alguns desses postos, foi nomeada — e já exonerada — pela gestão de Castro para um cargo no Departamento de Recursos Minerais do Rio de Janeiro. 

Não nos esqueçamos, ainda, de quando um líder do CV fugiu da cadeia pela porta da frente e cumprimentou com um aperto de mão o então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro, em 2021. Antes de prendê-lo, a Polícia Federal interceptou uma ligação do secretário com Marcinho VP, líder máximo do CV, preso há 25 anos. 

Em um dos trechos da conversa, o secretário exalta o criminoso: “Você é um cara que talvez seja mais importante que o secretário de Segurança Pública no Rio”. Sabe quem nomeou esse secretário? Ele mesmo, Cláudio Castro. O homem de confiança do governador fazia acordos com o chefão do CV.  

Senador Flávio Bolsonaro indicou homem de confiança para a segurança pública do governo Castro (Foto: Andressa Anholete/Agência Senado)
Senador Flávio Bolsonaro indicou homem de confiança para a segurança pública do governo Castro (Foto: Andressa Anholete/Agência Senado)

Não podemos esquecer também outra figura central desse grupo político: Flávio Bolsonaro. Ele é o homem que manda e desmanda na Secretaria de Segurança Pública do estado. O atual secretário, Victor Cesar dos Santos, é homem de confiança de Flávio. 

Antes de ser nomeado para o cargo atual, ele foi superintendente da PF no DF, indicado também por Flávio. Como se sabe, as conexões do filho de Jair com o crime organizado são de longa data. O seu gabinete já foi cabide de emprego para parentes de chefe de milícia e financiou a construção de prédios ilegais para a milícia, como apontou o MP. 

As fartas suspeitas da ligação de Castro com o crime organizado deveriam afastar o apoio de qualquer um minimamente preocupado com a segurança pública do país. Mas o que se viu foi o contrário: uma rede de solidariedade ao governador levantou-se imediatamente após o massacre. 

Os deputados Nikolas Ferreira e Paulo Bilynskyj, do PL, além de vários outros políticos bolsonaristas, nem tentaram disfarçar a alegria com as mortes na Penha. Não se viu um décimo da satisfação quando a operação na Faria Lima prendeu engravatados que lavavam dinheiro do PCC. 

Claro, essa gente tem fetiche com preto e pobre sendo assassinado. Enquanto famílias choram por seus mortos, Cláudio Castro, Flávio Bolsonaro e cia limitada preparam suas próximas campanhas milionárias.

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