Quando Donald Trump impôs um tarifaço sobre produtos brasileiros, em julho, Eduardo Bolsonaro se apresentou como um articulador junto ao governo americano e disse que seria “mais fácil um porta-aviões americano chegar ao Lago Paranoá” do que o vice-presidente Geraldo Alckmin ser recebido por autoridades americanas.
Flávio Bolsonaro foi além e trouxe para a mesa duas bombas atômicas: “Essa situação tem que ser encarada como uma negociação de guerra sim, em que nós não estamos em condições normais, de exigir nada do Trump. Ele vai fazer o que ele quiser, independente da nossa vontade. Cabe a nós termos a responsabilidade de evitar que caiam duas bombas atômicas aqui no Brasil para depois anunciarmos que vamos fazer anistia”.
Os bolsonaristas juraram que autoridades brasileiras não seriam recebidas pelo governo norte-americano. Pior que isso: disseram que os EUA poderiam atacar militarmente o Brasil caso Jair Bolsonaro fosse preso.
Iniciou-se uma pressão, principalmente por parte da grande imprensa, para que Lula ligasse para Trump. Afinal de contas, uma republiqueta das bananas sofreria economicamente com o tarifaço da maior potência do mundo. O brasileiro não só não ligou, como continuou criticando a postura imperialista do americano.
O tempo passou e a economia brasileira não sofreu grandes impactos. Aliás, nossas exportações estão batendo recordes mesmo após o tarifaço. No fim das contas, quem mais sofreu foi o governo dos EUA, que passou a ser pressionado por empresários para revogar as tarifas contra o Brasil. Lula não precisou ligar. Foi Trump quem ligou, não para ameaçar com porta-aviões ou com bombas atômicas, mas para dizer que os americanos estão sentindo a falta do café brasileiro. O americano não citou o nome de Bolsonaro ou condenou a “ditadura do judiciário”. Nada disso. Trump chegou pisando fofo, só no sapatinho.
Três meses após as falas ameaçadoras dos filhos de Bolsonaro, o chanceler brasileiro Mauro Vieira foi recebido na Casa Branca pelo secretário de estado dos EUA Marco Rubio, designado por Trump para liderar as negociações com o Brasil.
Se for do interesse de Trump, até química com líderes de regimes comunistas pode rolar.
Rubio também é um desses maluquinhos embriagados pela ideologia de extrema direita tal qual Eduardo Bolsonaro, mas antes de tudo é um soldado de Donald Trump. Dentro do surrealismo bolsonarista, a indicação de Rubio para a negociação foi um sinal inequívoco de que o governo americano iria jogar duro com o Brasil. Os afagos de Trump seriam parte de uma estratégia de negociação para puxar o tapete do brasileiro.
Um dia antes da reunião com o chanceler brasileiro, integrantes do governo americano deram declarações acusando o judiciário brasileiro de perseguir até cidadãos americanos. O Representante Comercial dos EUA, Jameson Greer, afirmou que a maior parte da alíquota sobre o Brasil é explicada pela “imensa preocupação acerca do Estado de Direito, censura, e direitos humanos” no país.
A declaração acendeu um alerta no Itamaraty e deixou o bolsonarismo em festa. Os nepobabys do golpismo, Paulo Figueiredo e Eduardo Bolsonaro, comemoraram nas redes sociais. Esse seria um sinal claro de que o governo dos EUA iria tratar de pautas políticas nas conversas com o Brasil.
Bom, a reunião aconteceu e ambos os representantes dos governos saíram dela satisfeitos. A gritaria de Eduardo Bolsonaro e dos trumpistas mais obcecados ideologicamente não sentou à mesa com os adultos.
Mais uma vez, o nome de Bolsonaro não foi citado e os assuntos políticos internos do Brasil não foram objeto de discussão. O clima foi de cordialidade e não houve qualquer intimidação à soberania brasileira. Assim como o presidente dos EUA, Rubio teve que pisar fofo com o Brasil.
Confirma-se o que já se supunha: o bolsonarismo foi mesmo largado ferido na estrada por Trump. Mais do que um maluquinho de extrema direita, o americano é um homem de negócios. Se for do interesse dele, até química com líderes de regimes comunistas pode rolar. Amigos, amigos negócios à parte.
Não nos esqueçamos da excelente relação que Trump mantém com o ditador norte-coreano Kim Jong Un. Ali a química rolou forte. Em 2017, Pyongyang lançou uma série de testes de mísseis provocativos, aumentando a tensão com os EUA e motivando provocações de Trump a Kim no Twitter.
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Depois dessa rusga inicial, os dois líderes passaram a trocar cartas respeitosas — classificadas por Trump como “cartas de amor” — e se encontraram três vezes. “Você e eu temos um estilo único e uma amizade especial”. escreveu Trump em uma das cartas. Isso demonstra que, ao contrário dos delírios bolsonaristas, Donald Trump não tem grandes compromissos com ideologias.
Ambos os países classificaram o encontro como positivo e publicaram uma nota em conjunto — uma clara demonstração de que os dois países estão se entendendo. As conversas sobre tarifas ainda não aconteceram, ainda é um primeiro passo, mas já está definidio que assuntos políticos não entrarão em pauta nas próximas rodadas de negociações.
Mauro Vieira declarou ao sair da reunião: “Prevaleceu uma atitude construtiva, com aspectos práticos para a retomada das negociações entre os dois países. Há boa química entre os governos, e o diálogo está aberto.”
O bolsonarismo balançou o rabinho, fez festinha para Trump e até ganhou alguns biscroks dele ao conseguir que autoridades sofressem sanções com a Lei Magnitsky. Mas nada além disso. A realidade dos fatos se impôs e as fantasias bolsonaristas foram barradas das negociações.
Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo continuarão vivendo de migalhas que alimentam suas narrativas delirantes. Mas agora a conversa será entre os adultos, as crianças birrentas e suas demandas ficam de fora. Dá pra dizer com tranquilidade que hoje é mais fácil o Eduardo Bolsonaro ser deportado do que um porta-aviões aparecer no Lago Paranoá.
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