Vitimização no STF, plano B no Congresso: bolsonarismo acusa derrota e volta a apelar para anistia

Vitimização no STF, plano B no Congresso: bolsonarismo acusa derrota e volta a apelar para anistia

Enquanto advogados fazem réus de coitadinhos diante dos ministros, aliados de Bolsonaro querem reverter resultado do julgamento no Congresso.

Vitimização no STF, plano B no Congresso: bolsonarismo acusa derrota e volta a apelar para anistia

Fui testemunha ocular: os dois primeiros dias do julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal se revelaram calmos e protocolares, com exceção de um ou outro momento de humor diante da fala de alguns advogados. 

Diferentemente do julgamento da denúncia, em março, desta vez o Supremo não foi palco de ações violentas, manifestações contra ou a favor, nem mesmo parlamentares ou advogados da extrema direita fazendo barulho. 

Mas quem acha que isso é sinal de que as instituições estão funcionando perfeitamente e o risco de golpe foi superado está bastante enganado. E os últimos dois dias aqui na capital federal provam o contrário.

Por um lado, advogados do núcleo principal da trama golpista fizeram seus clientes de coitadinhos diante dos ministros do STF. Do outro, aliados de Jair Bolsonaro articulam a anistia com ainda mais força no Congresso Nacional. 

O movimento ganhou corpo com a presença em Brasília do cada vez mais pré-candidato bolsonarista ao Palácio do Planalto, o governador paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos. No Senado, uma audiência de caráter golpista no mesmo horário do julgamento mostrou a disposição de congressistas em desafiar o STF.

O evento ajudou a impulsionar a avalanche bolsonarista no ambiente digital. Uma análise da organização Democracia em Xeque apontou que, no primeiro dia, a presença nas redes sociais foi 80% da extrema direita, enquanto o campo progressista ocupou apenas 20% do espaço digital.

Da sala de imprensa do STF, acompanhei advogados de todos os oito acusados fazendo suas sustentações orais diante dos ministros da Primeira Turma do STF. E, sim, o clima foi ameno, ainda que o Supremo estivesse preparado para o pior. Um sistema gigante de segurança foi montado, com cães farejadores e dupla checagem em aparelhos de raio-x.

A precaução foi em vão. O advogado que mais repercutiu nas redes sociais, desta vez, foi o ex-senador cassado Demóstenes Torres, que representa o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha acusado de ter dado aval ao golpe de Bolsonaro.

Demóstenes foi educado com os ministros, mas nem tanto com seu cliente, a quem praticamente chamou de pobre e velho por não conseguir pagar um defensor e por ter 65 anos. “Garnier me bateu na porta e fiquei com pena dele”, afirmou o advogado após gastar mais da metade do tempo de sua sustentação elogiando ministro por ministro.

Vale lembrar que, no julgamento da admissibilidade da denúncia, em março, um dos advogados envolvidos no processo tentou invadir o plenário aos berros – e teve até voz de prisão decretada. Nem perto do que vi acontecer desta vez. 

Único réu presente no julgamento, o ministro da Defesa de Bolsonaro, general Paulo Sérgio, assistiu tudo durante o primeiro dia, mas fugiu de perguntas da imprensa – e até faltou ao segundo dia. Um comportamento bem diferente de quando estava no poder e inegavelmente tentou tumultuar o processo eleitoral com nota oficial que deixava brecha para questionar o resultado das eleições.

Seguindo a linha do coitadismo, o advogado do general Braga Netto, José Luís de Oliveira Lima, questionou a condenação pelo resto da vida de um homem de 69 anos, sem mácula, com 40 anos de serviço prestado ao país. 

Esqueceu de mencionar que, na época dos acampamentos golpistas, Braga Netto se deixou ser gravado afagando golpistas que estavam no QG do Exército em Brasília, pedindo para eles não perderem a fé.

Chama atenção que o tratamento entre juízes e advogados dos réus era de uma quase camaradagem. O que deixa ainda menos convincente o argumento de que viveríamos sob a tal ditadura da toga. Mas é difícil cobrar coerência de quem sempre defendeu o autoritarismo.

Ao final do primeiro dia de julgamento, vi o ministro Flávio Dino descer da tribuna e cumprimentar os advogados de Bolsonaro e do general Augusto Heleno, com sua simpatia característica, trocando cumprimentos e sorrisos. 

Nem parecia que, a poucos metros dali, parlamentares raivosos, do mesmo grupo que paralisou a Câmara no mês passado após a prisão domiciliar de Bolsonaro, tramam uma anistia para Bolsonaro e todos os golpistas.

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Eles já sabem que escapar da condenação no STF é quase impossível. Então, já estão contando com o plano B. 

Se há alguns meses atrás os presidentes da Câmara e Senado se opunham abertamente contra pautar a anistia para golpistas, o discurso já mudou nesta semana. 

A coluna Radar, da revista Veja, mostrou, na terça-feira, 2, por exemplo, que Hugo Motta entende que há “sentimento majoritário” em prol da anistia e que deve pautá-la no plenário em algum momento. 

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, declarou que vai apresentar um projeto de lei de anistia alternativo ao de Bolsonaro. 

A aposta em um caminho que desafia a decisão do tribunal fica ainda mais clara porque, ao mesmo tempo, Eduardo Bolsonaro continua na sua campanha anti-Brasil nos Estados Unidos, inclusive indo a reuniões na Casa Branca simultâneas ao julgamento. Uma afronta declarada.

A terceira linha de frente vai ser nas ruas, durante manifestação convocada para o próximo dia 7 de setembro, feriado nacional, e que será um termômetro importante da popularidade de Bolsonaro e da extrema direita.

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