No dia 28 de agosto de 2025 (preste atenção: escrevi 2025 mesmo), o juiz Felipe Agrizzi Ferraço, da 2ª Vara Cível da Comarca de Imbituba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, concedeu liminar que determinou a remoção da edição de 12 de agosto da newsletter Cartas Marcadas.
Discordamos frontalmente da decisão, que derrubou a versão da reportagem que estava publicada no site e nas redes sociais do Intercept Brasil sob ameaça de multa diária de R$ 5 mil. Mas tivemos de cumpri-la.
Com menos de três meses no ar, Cartas Marcadas sofre algo que, infelizmente, tem se espalhado pelo país: decisões judiciais que retrocedem a tempos sombrios e determinam a censura de conteúdos jornalísticos sérios e rigorosos. Já aconteceu com o Intercept e com outros veículos brasileiros.
Como sempre, trata-se de um ataque frontal à liberdade de imprensa e um precedente perigoso para a democracia. Nesse caso específico, é ainda mais revoltante.
A reportagem censurada envolve pessoas que ocupam cargos como servidores públicos na elite do funcionalismo público federal. Ela foi feita como manda o jornalismo: com base em documentos oficiais, dados públicos, apuração em campo e entrevistas – inclusive com a pessoa que pediu a censura à justiça.
Cartas Marcadas nasceu justamente depois de um longo período em que estive afastado da reportagem, após uma onda de ameaças de morte. Trata-se, portanto, de um projeto que envolve a certeza de que o jornalismo vale a pena mesmo diante dos retrocessos que o Brasil vive.
Nós prometemos: vamos recorrer dessa decisão que, para nós, é uma afronta à liberdade de imprensa prevista na Constituição.
Afinal, o que fazemos vale a pena?
Resolvi trazer nessa edição extra sobre a censura judicial uma notícia boa: o caso dos voos de Hugo Motta pagos com verba do Fundo Partidário, revelados em primeira mão na segunda edição de Cartas Marcadas, será alvo de investigação oficial na Justiça Eleitoral.
Talvez você tenha visto que o Ministério Público pediu que o Tribunal de Contas da União analisasse a denúncia. No último dia 27 de agosto, o TCU analisou a representação e decidiu encaminhar o processo ao Tribunal Superior Eleitoral.
Os ministros determinaram que o TSE e sua Secretaria de Auditoria recebam integralmente os autos para dar o devido tratamento. Ou seja: a apuração não será arquivada — ela segue viva e agora será examinada pelo foro competente para investigar o uso de recursos do Fundo Partidário.
O contraste do avanço da investigação com a censura que o TJ-SC nos impôs resume bem o que vivemos: de um lado, tentam calar nossas reportagens; de outro, quando o jornalismo cumpre seu papel, as instituições são obrigadas a se mover. É a prova de que investigar vale a pena, mesmo sob ataque.
LEIA OUTRAS EDIÇÕES DE CARTAS MARCADAS:
- Senado arma julgamento paralelo para sabotar Supremo Tribunal Federal
- PM promovido por Ronaldo Caiado matou delator do PCC
- Vereador do Novo que fez “Dossiê Moraes” descumpriu contrato de R$ 33 milhões no governo Bolsonaro
- Empresa de Nikolas gasta R$ 750 mil na Meta para convocar cristãos para guerra
- Vídeo: Marcos Pereira, presidente do Republicanos, come ‘bife de ouro’ em NYC
- PL usa fundo partidário para pagar sócio de Eduardo Bolsonaro e organizador do CPAC no Brasil
- Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo posam de defensores da imprensa que sempre atacaram
- Dinheiro de produtora contratada pelo PL vai parar em reduto eleitoral de Valdemar da Costa Neto
- Advogados espalham falso relato de tortura contra presa do 8 de Janeiro
O Intercept é sustentado por quem mais se beneficia do nosso jornalismo: o público.
É por isso que temos liberdade para investigar o que interessa à sociedade — e não aos anunciantes, empresas ou políticos. Não exibimos publicidade, não temos vínculos com partidos, não respondemos a acionistas. A nossa única responsabilidade é com quem nos financia: você.
Essa independência nos permite ir além do que costuma aparecer na imprensa tradicional. Apuramos o que opera nas sombras — os acordos entre grupos empresariais e operadores do poder que moldam o futuro do país longe dos palanques e das câmeras.
Nosso foco hoje é o impacto. Investigamos não apenas para informar, mas para gerar consequência. É isso que tem feito nossas reportagens provocarem reações institucionais, travarem retrocessos, pressionarem autoridades e colocarem temas fundamentais no centro do debate público.
Fazer esse jornalismo custa tempo, equipe, proteção jurídica e segurança digital. E ele só acontece porque milhares de pessoas escolhem financiar esse trabalho — mês após mês — com doações livres.
Se você acredita que a informação pode mudar o jogo, financie o jornalismo que investiga para gerar impacto.