Senado arma julgamento paralelo para sabotar STF

TV Justiça vs TV Senado

Senado arma julgamento paralelo para sabotar STF

Cartas Marcadas

Parte 10

Cartas Marcadas é uma newsletter semanal que investiga a ascensão da extrema direita, as ameaças à democracia e os bastidores do poder em Brasília.


Você já sabe que, hoje, o Supremo Tribunal Federal começa a julgar Jair Bolsonaro por uma tentativa de golpe de estado. Não é só um processo contra um ex-presidente: é o primeiro grande teste da Justiça brasileira diante da maior ameaça à democracia desde a ditadura.

O julgamento, porém, não acontece em um vácuo. Infelizmente, os ataques que levaram milhares às portas dos quartéis e ao 8 de Janeiro continuam vivos. Sim, por dever de ofício, eu preciso relembrar a vocês que a engrenagem da extrema direita segue operando a pleno vapor.

Faço isso porque minha sensação é que, infelizmente, não basta julgar e condenar os algozes de nosso passado recente. É triste, mas os mesmos crimes que serão analisados no STF seguem em curso. Na edição desta semana de Cartas Marcadas, quero provar isso. Vamos aos fatos.


Muito provavelmente você que me lê não sabe, mas o bolsonarismo todo está mobilizado: logo mais, às 11h, no mesmo horário em que Bolsonaro estará no banco dos réus, o Senado abrirá espaço para uma audiência pública que vai funcionar como uma espécie de julgamento paralelo.

Enquanto a TV Justiça estiver exibindo o voto de Alexandre de Moraes e de outros ministros, a TV Senado estará transmitindo ao vivo um evento da extrema direita planejado para sabotar o STF, atacar a democracia e reforçar a narrativa da perseguição. A data e o horário não são coincidências: são uma estratégia deliberada de confronto.

É difícil acreditar em tamanha desfaçatez, mas só até descobrir que a Comissão de Segurança Pública do Senado, que vai promover a famigerada audiência, é presidida pela dupla Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, e Sergio Moro, do União Brasil do Paraná.

O roteiro da audiência é o puro suco da desinformação e do golpismo. O primeiro tema da pauta será a atuação da USAID, agência de cooperação internacional dos EUA, acusada de “ameaçar a soberania nacional” nas eleições de 2022.

Para sustentar essa narrativa, foi convidado Mike Benz, ex-funcionário do governo Trump e atual referência da ultradireita global contra a “censura online”. Não é a primeira vez que ele será recebido no Congresso. Há cerca de três semanas, ele usou o Parlamento para disseminar as mais rasteiras teorias da conspiração sobre o Brasil.

Não se engane. Benz não é um especialista neutro: antes de se apresentar como defensor da liberdade de expressão, atuava sob o pseudônimo Frame Game, promovendo teorias conspiratórias supremacistas e conteúdos racistas e antissemitas.

Outra peça do espetáculo no Senado será o relatório “Arquivos do 8 de Janeiro”, do jornalista Michael Shellenberger, que acusa Alexandre de Moraes e seus auxiliares de comandarem uma “força-tarefa judicial secreta” para prender golpistas

Complementando o palco, Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da assessoria de Moraes no TSE, também estará na sessão. Indiciado por violação de sigilo funcional e denunciado pela PGR por tentativa de subversão da ordem democrática, Tagliaferro vai usar a audiência para dar visibilidade à “Vaza Toga 3”, publicada recentemente pela Revista Oeste e que ele promete levar ao Parlamento Europeu.

O material é um conjunto de mensagens trocadas entre funcionários do gabinete de Alexandre de Moraes com quase nenhum valor de notícia – mas que, nas mãos do extremismo bolsonarista, se tornou uma suposta prova cabal de ilegalidades cometidas pelo STF e pelo TSE.

O requerimento da audiência que trará essa salada de frutas do golpismo, assinado por Eduardo Girão e Magno Malta, deixa claro o objetivo: deslegitimar o STF e reforçar a narrativa de que o golpe teria sido uma invenção da Justiça.

A participação de Benz e Tagliaferro expõe a disposição da extrema direita de usar a estrutura do eEstado e plataformas internacionais para pressionar o STF. Além disso, evidencia que os crimes julgados pelo Supremo seguem sendo cometidos dentro das instituições.

Não queria dizer isso, mas a tentativa de golpe de 2023 não foi um episódio isolado: ela continua em curso, renovada em diferentes formas de sabotagem. A prisão de Bolsonaro é necessária, mas não suficiente — a engrenagem criminosa precisa ser interrompida por completo.

LEIA OUTRAS EDIÇÕES DE CARTAS MARCADAS:


Hoje quero propor algo diferente. Se você também acredita que essa atividade tem caráter golpista e conspiratório, é hora de agir. Eu sei que é pouco diante da gravidade dos fatos, mas queria propor que você enviasse mensagens ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, cobrando punição aos senadores presentes através do Conselho de Ética.

Comente no último post de Alcolumbre no Instagram aqui e faça ouvir sua voz. Cada comentário ajuda a pressionar pela responsabilização política de quem tenta atacar nossas instituições. A pressão da sociedade civil é fundamental para mostrar que o golpismo não passará despercebido.

O Intercept é sustentado por quem mais se beneficia do nosso jornalismo: o público.

É por isso que temos liberdade para investigar o que interessa à sociedade — e não aos anunciantes, empresas ou políticos. Não exibimos publicidade, não temos vínculos com partidos, não respondemos a acionistas. A nossa única responsabilidade é com quem nos financia: você.

Essa independência nos permite ir além do que costuma aparecer na imprensa tradicional. Apuramos o que opera nas sombras — os acordos entre grupos empresariais e operadores do poder que moldam o futuro do país longe dos palanques e das câmeras.

Nosso foco hoje é o impacto. Investigamos não apenas para informar, mas para gerar consequência. É isso que tem feito nossas reportagens provocarem reações institucionais, travarem retrocessos, pressionarem autoridades e colocarem temas fundamentais no centro do debate público.

Fazer esse jornalismo custa tempo, equipe, proteção jurídica e segurança digital. E ele só acontece porque milhares de pessoas escolhem financiar esse trabalho — mês após mês — com doações livres.

Se você acredita que a informação pode mudar o jogo, financie o jornalismo que investiga para gerar impacto.

Apoie o Intercept Hoje

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar