O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em 2019. (Foto: Walterson Rosa/Folhapress)

Israel acirra conflito para tentar levar os EUA a uma guerra contra o Irã

A imprudência de Netanyahu foi alimentada pelo apoio incondicional dos EUA, mas é Israel que está pressionando para tirar sua guerra contra o Irã dos bastidores.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em 2019. (Foto: Walterson Rosa/Folhapress)

O bombardeio israelense sobre um consulado iraniano em Damasco, na Síria, em 1º de abril, foi o primeiro ato em uma nova fase do conflito regional entre os dois países. O ataque, que matou vários militares iranianos de alta patente, alterou o conflito: de guerra por procuração passou a confronto direto.

Na noite de sábado, o Irã lançou contra Israel sua resposta, longamente aguardada, direcionando ao país centenas de drones e mísseis balísticos. Os ataques, que teriam sido anunciados dias antes como parte das negociações de bastidores entre os EUA e o Irã, foram quase todos interceptados a caminho de Israel.

A investida do Irã, o primeiro ataque direto do exército de outro país contra Israel desde o lançamento dos mísseis Scud pelo Iraque durante a Guerra do Golfo, em 1991, foi lenta, deliberada e com aviso, aparentemente calculada para não acirrar a situação. O mesmo não pode ser dito sobre o ataque de Israel contra os iranianos na Síria.

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Embora as autoridades israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tenham tentado caracterizar o estado judeu como vítima de um ataque iraniano não provocado, foi o seu próprio ataque a um consulado em Damasco que desencadeou essa nova fase do conflito. Embora os EUA tenham criado as condições que podem ter encorajado a jogada de Netanyahu, a princípio foi Israel, agindo por conta própria e sem coordenação com seus aliados, que precipitou a mais recente e grave escalada.

Até mesmo os EUA, patronos e parceiros mais próximos de Israel, sinalizaram que não haviam estado envolvidos no planejamento do ataque ao consulado, nem tinham conhecimento a respeito. Após a resposta iraniana deste fim de semana, que causou danos muito contidos, aconselharam Israel a ter paciência e enxergar o ataque como o fim do atual impasse.

Os ataques recíprocos entre Israel e Irã empurraram agora o Oriente Médio para um terreno perigosamente desconhecido, no momento em que muitos decisores políticos americanos tentam deixar a região e voltar a atenção para a Europa e o leste asiático.

A despeito dos relatos de articulação do governo Biden em busca de uma saída diplomática, as autoridades israelenses prometem escalar a resposta ao Irã. Elas ameaçam atacar alvos militares dentro do Irã, além de locais ligados ao programa nuclear do país, uma obsessão israelense de longa data.

Os iranianos já alertaram que a continuidade desse ciclo desencadearia outro ataque recíproco contra Israel, de alcance mais amplo e com menor probabilidade de coordenação com os EUA ou com outras potências regionais para minimizar os danos. O resultado poderia ser uma guerra em grande escala entre dois estados poderosos, sendo que a segurança de um deles é praticamente garantida pelas forças armadas dos EUA. Sob essa luz, a perspectiva de que os EUA “se voltem para a Ásia”, ou mesmo se comprometam integralmente com a defesa da Ucrânia, seria provavelmente risível.

A potencial sinuca política para os EUA não passou despercebida em Washington. Uma reportagem da NBC News na manhã após o ataque do Irã citou três pessoas próximas a Joe Biden, que teriam dito que o presidente “manifestou em privado receio de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteja tentando arrastar Washington para um conflito mais amplo”.

Colhendo o que foi plantado

Apesar dos receios de Biden, foram os EUA que criaram um risco moral ao encorajar Israel a agir de forma mais imprudente. A decisão de Israel de atacar o prédio do consulado do Irã, onde morreram vários altos oficiais da Força Quds, de elite, dificilmente teria acontecido sem que Netanyahu acreditasse que poderia contar com o apoio dos EUA independentemente de suas ações.

Biden precisará enfrentar as contradições de uma política que, de um lado, apoia Israel e abre espaço para suas tendências mais extremistas, e, de outro, tenta fazer o que é melhor para os EUA.

Quem poderia culpá-lo? Houve mudanças repentinas nos EUA em relação à guerra em Gaza, e Biden aparentemente se opôs a novos ataques israelenses contra o Irã, mas as autoridades americanas, incluindo o presidente, vêm dando em geral um tom de apoio completo e inabalável a Israel. Embora o apoio nem sempre tenha se estendido ao próprio Netanyahu, o ataque contra Damasco parece ter sido um teste dessa distinção.

E a interação violenta com o Irã também coloca em destaque um abismo muito mais amplo entre os interesses dos EUA e de Israel, e os governantes de ambos os países. Os EUA têm incentivos materiais para reduzir seu foco no Oriente Médio, e não querem entrar em outra grande guerra na região, mas para Israel e para Netanyahu, pessoalmente, existem fortes razões para iniciar um confronto direto contra o Irã e seus aliados.

Desde o início do ataque a Gaza após o 7 de outubro, os civis israelenses abandonaram em grande parte a região norte do país, devido à presença próxima, do outro lado da fronteira com o Líbano, de combatentes do grupo militante Hezbollah, apoiado pelo Irã. Muitas autoridades de segurança israelenses consideram que uma guerra contra o Hezbollah, e, por extensão, contra o Irã, é inevitável. Elas preferem a estratégia de iniciar essa guerra agora, nos termos de Israel, enquanto os EUA ainda têm uma presença militar na região, que poderia ser obrigada a entrar no combate.

Da perspectiva de Netanyahu, uma vez que a guerra em curso termine, ele provavelmente enfrentará graves problemas políticos e jurídicos dentro de Israel. A expansão para um conflito regional poderia adiar o dia do seu acerto de contas, ou até mudar completamente o seu destino.

Os incentivos de Israel para a guerra contra o Irã deveriam, logicamente, colocar o país em rota de colisão com o sistema político dos EUA. No entanto, os profundos vínculos ideológicos, políticos e econômicos que os apoiadores de Israel cultivaram com os políticos e as elites de segurança dos EUA permitem que o país acabe envolvido em uma guerra contra o Irã, gostando ou não.

Não seria tão fácil. O Irã é maior que o Iraque, tem defesas muito mais sofisticadas e uma enorme rede de ativos militares regionais. Uma guerra em grande escala não teria limites de tempo, nem de âmbito. Considerando que os EUA enfrentam escassez de munições e financiamento para enviar à Ucrânia, e seguem observando com ansiedade a concentração militar da China no leste asiático, é difícil pensar em um momento pior para esse conflito, independentemente do quanto seja oportuno para Israel.

As autoridades israelenses estariam nesse momento discutindo se devem “ir com tudo” nos ataques contra o Irã, ou dar uma resposta mais comedida. Enquanto isso, o Irã já declarou que, caso Israel ataque, reagirá com ainda mais força, de forma abertamente calculada para superar as defesas aéreas israelenses. Caso isso aconteça, Biden precisará enfrentar as contradições de uma política que, de um lado, apoia Israel e abre espaço para suas tendências mais extremistas, e, de outro, tenta fazer o que é melhor para os EUA.

Ao contrário do que dizem alguns políticos americanos bajuladores, os interesses dos dois países não são idênticos, e, atualmente, não parecem sequer alinhados.

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