João Filho

Tarcísio de Freitas quer aniquilar escola pública para lucrar com ela

Renato Feder, secretário de Educação e empresário do setor de tecnologia, anunciou o fim dos livros físicos e uso de conteúdo digital nas escolas paulistas.

Renato Feder implantou, sem consultar professores e especialistas em educação, um sistema de ensino à distância durante a pandemia.

Renato Feder implantou, sem consultar professores e especialistas em educação, um sistema de ensino à distância durante a pandemia
Renato Feder implantou, sem consultar professores e especialistas em educação, um sistema de ensino à distância durante a pandemia no Paraná. Ilustração: Rodrigo Bento/Intercept Brasil

Nesta semana, a PM de São Paulo protagonizou uma chacina em que 16 cadáveres foram empilhados na Baixada Santista. Para vingar o assassinato de um colega, policiais assassinaram 16 moradores de periferia, muitos deles sem qualquer ligação com o crime. Foram dias de terror para quem mora na região. Há denúncias de execuções sumárias, torturas e ameaças. A carnificina teve o endosso do governador Tarcísio de Freitas, que classificou essa operação criminosa como “profissional” e disse ter ficado “extremamente satisfeito”

Apesar de ter entrado para a política através do bolsonarismo, Tarcísio é considerado um homem de perfil técnico, liberal e moderado. É assim que a mídia mainstream e a direita, que se diz civilizada, o enxergam. É claro que isso não faz sentido. Tarcísio nasceu no bolsonarismo, defende as ideias essenciais do bolsonarismo e suas ações como governador têm revelado a sua alma bolsonarista. O fato dele saber usar os talheres e se comportar minimamente à mesa do jogo político não o tira do espectro da extrema direita. Assim como Paulo Guedes, Tarcísio é mais um lobo extremista vestido em pele de cordeiro liberal.

Não é só na área de segurança pública que os métodos bolsonaristas estão sendo implantados. A educação pública paulista está prestes a ser destruída por um empresário que, graças ao bolsonarismo, foi alçado à condição de especialista do setor. Renato Feder, o secretário de Educação escolhido por Tarcísio, é um empresário formado em administração de empresas que nunca teve qualquer experiência na área da educação pública. Em 2020, do nada, o empresário passou a ser o nome favorito para assumir o MEC durante o governo Bolsonaro no lugar de Weintraub. Feder só não foi nomeado porque a bancada evangélica pressionou por um nome mais “terrivelmente evangélico”. O empresário então passou a ser cogitado para secretarias de Educação de governos estaduais comandados por bolsonaristas. 

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Ratinho Jr foi o primeiro a nomear Feder, que comandou uma gestão trágica para a educação pública do Paraná. Sempre guiado pela lógica do mercado, Feder implantou a fórceps, sem consultar professores e especialistas da área, um sistema de ensino à distância durante a pandemia. Ignorando as diferentes realidades dos estudantes, Feder impôs a obrigatoriedade do uso de webcam durante as aulas. Diante da possibilidade de alunos não terem condições para ter os equipamentos necessários para assistir às aulas, Feder soltou a pérola:  “É obrigatório! Obrigatório (sic) a orientação dos professores para abrir a janela! ‘Ai, mas o aluno não tem webcam…’ Se vira!”. Apesar do empresário arrotar o sucesso da medida, o resultado foi péssimo. Alguns colégios tiveram que arrecadar celulares e computadores para os alunos mais carentes e muitos deles não puderam assistir às aulas. 

Essa gestão desastrosa, mas considerada moderna aos olhos daqueles que seguem a cartilha ultraliberal, fez com que Tarcísio nomeasse Feder como secretário da Educação em São Paulo. Nesta semana, o empresário decidiu abolir o uso de livros didáticos na rede pública de ensino estadual a partir do 6º ano do fundamental. O governo abrirá mão dos materiais didáticos fornecidos de graça pelo MEC e passará a usar materiais digitais com conteúdo produzido pelo governo paulista. Hoje, as escolas e os professores têm autonomia para escolher os livros que estão disponíveis no catálogo do MEC. Com a decisão de Feder, as escolas serão obrigadas a usar o material indicado pelo governo paulista

Um relatório da Unesco divulgado na semana passada criticou o uso exclusivo de material digital nas escolas e revelou como isso pode prejudicar a concentração dos estudantes. A entidade alerta ainda para a falta de estrutura tecnológica em boa parte das escolas. Muitos  educadores e especialistas do setor são frontalmente contra a medida e apontam inúmeros problemas na mudança, mas isso não é capaz de frear o ímpeto modernizador do empresário. “A aula é uma grande TV, que passa os slides em Power Point, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional sai”, decretou Feder com a convicção de quem nunca estudou o assunto. O aluno que não tiver computador e celular para estudar o conteúdo em casa, já sabe qual é a recomendação do secretário: “se vira!”.

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O empresário rebateu as críticas dos educadores e afirmou que os livros do MEC porque são “rasos e superficiais”. A profundidade dos pensamentos de Feder podem ser encontrados em um livro de sua autoria, o “Carregando o Elefante – Como transformar o Brasil no país mais rico do mundo”. Nele, o autor difunde um ultraliberalismo da pior espécie, com ideias estapafúrdias como a extinção do MEC e do ensino público. 

Para Feder, todas as escolas devem ser privatizadas. Em um trecho do livro, o empresário compara escolas com lanchonetes: “Assim como é melhor que uma empresa privada frite hambúrgueres, ao invés do governo, o mesmo ocorre no caso da Educação”. No início de seu livro há uma dedicatória especial ao…dinheiro: “Este livro é dedicado ao dinheiro, não pelos bens materiais que se pode comprar com ele mas, sim, enquanto embaixador da produção, do valor e da troca justa. (…) Ao dinheiro, símbolo da criatividade humana e da vontade de homens e mulheres de melhorar de vida”. Esse é o secretário que considera “rasos e superficiais” os livros concebidos por estudiosos da Educação. 

Como fica evidente em seu livro, Feder tem em mente um projeto de destruição da educação pública. Seu objetivo final é colocar a iniciativa privada para controlar e regular o setor de acordo com as regras do mercado e, claro, faturar com ele. Seja atuando como empresário, seja como secretário de Educação, é o dinheiro que norteia as suas ações. Poucos dias antes de assumir a secretaria em São Paulo, a Multilaser — empresa fundada e controlada por ele — fechou um contrato de R$ 76 milhões para compra de notebooks educacionais. Agora, como secretário, o empresário é responsável por fiscalizar a execução contratual de sua própria empresa. Parece que agora está explicada a pressa e a obsessão por digitalizar a qualquer custo o ensino público em São Paulo, não é mesmo? 

Além desse contrato, a Multilaser mantém outros com o governo. O fato de Feder ter se afastado do comando da empresa dias antes de assumir o cargo no governo é irrelevante. Trata-se, obviamente, de um movimento protocolar para tentar disfarçar um indisfarçável conflito de interesses. Na prática, ele continua sendo acionista da Multilaser através de uma offshore sediada em um paraíso fiscal. Algo parecido ocorreu com outro liberal que emergiu com o bolsonarismo, Paulo Guedes, que era ministro da Economia e, ao mesmo tempo, mantinha dinheiro em conta offshore localizada em paraíso fiscal.

Tal qual Tarcísio e Guedes, Feder é mais um liberaloide que surfou a onda bolsonarista vislumbrando participar da vida pública. Com a ajuda da grande imprensa, eles ainda tentam manter uma aura de modernidade, uma pose de centro-direita, o que é incompatível com o bolsonarismo. O fato é que, ainda que não compartilhem da cartilha do bolsonarismo em sua plenitude, são sócios dele e aceitam numa boa conviver com as tendências fascistoides. Feder não é o empresário liberal que chegou para modernizar o ensino público em São Paulo, mas um empresário escolhido a dedo  pelo governo bolsonarista para atuar como o exterminador do futuro. 

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