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Depois da repercussão das mortes de Dom e Bruno, os crimes continuam no Vale do Javari

Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips, relembra luta do jornalista em defesa da Amazônia e denuncia regularidade de assassinatos na região onde seu marido foi morto.

Ilustração: Intercept Brasil

Ilustração: Intercept Brasil

Um ano se passou, mas parece que tem mais tempo. Foram dias muito intensos de tristeza, saudade e aprendizados.

Dom faz muita falta. Ele era um cara fácil de gostar, bacana, amoroso e companheiro. Fazia novas amizades com facilidade, porque escutava as pessoas com interesse genuíno. Amigos antigos me falam sobre a enorme saudade que sentem e amigos mais recentes me confessam que gostariam de ter convivido mais com ele.

Dom foi o amor da minha vida. A pessoa com que vivi a sintonia mais profunda e sincera. Tínhamos planos de envelhecer cuidando um do outro. 

Foto: Alessandra Sampaio/Arquivo Pessoal

Nossa convivência tinha risos e danças diárias e as crises resolvíamos em conversas honestas. Foi um relacionamento em que tive espaço pra crescer emocionalmente, acredito que ele também. Nossa parceria era baseada em incentivar um ao outro

A morte brutal de Bruno e Dom foi um choque e expôs a situação de extrema violência que o Vale do Javari já convivia há alguns anos. Indígenas e não indígenas ameaçados e assassinados por estarem na linha de frente contra as ações predatórias e criminosas de grupos que atuam impunemente na região. 

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Os problemas de falta de segurança e ameaças continuam graves e sem controle, apesar da repercussão mundial do caso. O que vemos hoje no Javari e outros territórios, inclusive demarcados, é a invasão, intimidação e roubo de recursos naturais ainda acontecendo, causando destruição impactante.

Dom costumava me falar: “Ale, esses criminosos que roubam terras, madeiras, traficam animais, contaminam a floresta com garimpo estão roubando na verdade, todos os brasileiros, porque essas terras pertencem à União (incluindo os territórios demarcados) e consequentemente pertencem aos brasileiros. Quem rouba está roubando de cada um de vocês”.

Concordo com ele, além dos criminosos estarem roubando cada cidadão brasileiro, estão roubando também o futuro de nossas crianças, que enfrentarão um clima mais hostil, com consequências diretas em suas vidas. Isso é para indignar a todos nós. 

Dom foi o amor da minha vida. A pessoa com que vivi a sintonia mais profunda e sincera. Tínhamos planos de envelhecer cuidando um do outro.

Quando alguém me pergunta o que fazer para melhorar essa situação, minha primeira resposta é: informe-se. Saiba mais sobre a Amazônia e seus povos, sobre o bioma em que você vive. Temos uma variedade incrível de plantas, animais, geografias e climas no Brasil que ainda conhecemos pouco. O protagonismo brasileiro é grande no cenário internacional também pelo fato do nosso ativo ambiental ser imenso. Ver esse patrimônio nacional sendo destruído é angustiante.

Tenho aprendido muito durante esse ano e desejo compartilhar as descobertas com quem se interessar pelo assunto, através de uma ONG em nome do Dom, o Instituto Dom Phillips, para divulgar informações sobre a Amazônia e sua complexidade. É um projeto ainda embrionário, pensado com muito cuidado, em fase de amadurecimento. 

Há tanto para aprender com os povos da floresta, com seus modos de vida sustentáveis e conexão com a natureza. Há muita sabedoria ancestral que desconhecemos e projetos socioambientais sérios e produtivos sendo desenvolvidos. Há mais interesse pelo tema da conservação e acredito que a consciência sobre o meio ambiente seja um aprendizado coletivo.

O que vemos hoje no Javari é a invasão, intimidação e roubo de recursos naturais.

Com um entendimento mais apurado do assunto podemos fazer escolhas mais acertadas no campo político, para não vivermos o pesadelo ambiental do governo anterior. Podemos também nos posicionar como consumidores mais atentos, cobrando transparência da cadeia produtiva e responsabilização das empresas com seus fornecedores e a mão de obra empregada na produção. 

A conscientização sobre nossas riquezas naturais seria uma grande oportunidade de compreendermos que nossos biomas são um bem comum de todos os brasileiros.

Como diz Ailton Krenak: “formamos um mutirão de pertencimento à terra”.

Alessandra e a família de Dom se uniram a uma equipe de jornalistas premiados para concluir o livro inacabado de Dom, “Como salvar a Amazônia”. Eles lançaram uma campanha de arrecadação para financiar as viagens de reportagem necessárias ao projeto. Você pode apoiar esta missão e manter a visão de Dom vivo clicando aqui e doando para a vaquinha.

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