Ilustração: Gustavo Magalhães para o Intercept Brasil

Deputados da bancada da bala e do Centrão defenderam militar que desviava armas no Exército

Após vender armamentos aos CACs, major foi defendido por deputados do DEM, PMDB, PSDB e PP junto ao general comandante Villas Bôas.

Ilustração: Gustavo Magalhães para o Intercept Brasil

Leonardo Machado de Azevedo, o major condenado por inserir dados de armas sem origem comprovada no sistema de registro do Exército para depois desviá-las, tinha força política em Brasília.

Deputados federais e distritais enviaram ofício para Raul Jungmann, então ministro da Defesa do governo de Michel Temer, e ao general comandante Eduardo Villas Bôas, para pedir que o militar retornasse ao trabalho depois que ele foi afastado do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados por fraudar o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, o SIGMA. O major atuou no setor entre janeiro e outubro de 2016.

O fato foi registrado pelo juiz da Justiça Militar Frederico Magno de Melo Veras nos autos do processo. Ao mencionar o ofício, o magistrado afirma que o militar “possui força política” e que nunca havia se deparado com a “inacreditável quantidade de votos díspares havidos neste feito”.

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“Registre-se que o acusado possui força política, ofício assinado por diversos deputados federais e distritais, endereçado ao então Ministro da Defesa  Raul Jungmann, com cópia ao então Comandante do Exército, General Villas Bôas, em que pretendia o retorno do Major Azevedo às funções que exercia no Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados, o SFPC, força esta que parece ter decorrido do seu modo de gestão enquanto chefe do referido Setor (o IPM no 0000185-07.2017.7.11.0111 apura justamente o registro irregular de armas), bem assim aparenta gozar de prestígio entre diversos oficiais da própria força”, escreve o juiz.

Assinam a “Manifestação de apoio ao retorno do Major de Infantaria Major Leonardo Machado de Azevedo ao Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados”: Alberto Fraga (DEM-DF), Josi Nunes (PMDB-TO), Izalci Lucas (PSDB-DF), Carlos Gagguim (PTN-TO), Rôney Nemer (PP-DF), Laerte Bessa (PR-DF), Delegado Waldir (PR-GO), Alexandre Baldy (PTN-GO), Pedro Chaves (PMDB-GO), Delegado Edson Moreira (PR-MG), Laudívio Carvalho (SD-MG), Ademir Camilo (PTN-MG) e Franklin Lima (PP-MG).

A reportagem procurou todos os então deputados que assinaram a manifestação de apoio. O ex-parlamentar Pedro Chaves, hoje chefe de gabinete do vice-governador de Goiás Daniel Vilela, afirmou em nota que não conhece o militar. “Nunca conheci ou tive contato. Da mesma forma desconheço qualquer informação sobre as acusações citadas contra ele”. Chaves disse também que, devido ao tempo, não se recorda “das circunstâncias da requisição” de sua assinatura no documento. O ex-deputado Ademir Camilo também disse desconhecê-lo. “Não tinha e não tenho contato com militares. Provavelmente (a assinatura) foi através da Comissão de Segurança (Pública)”.

Alexandre Baldy, ex-parlamentar e atualmente presidente da Agência Goiana de Habitação, a Agehab, também negou contato com o major.  “Não o conhecia e assinei o manifesto a pedido dos deputados da bancada a qual eu estava liderando”.

Josi Nunes, Carlos Gaguim, Delegado Waldir, Delegado Edson Moreira, Laudívio Carvalho, Rôney Nemer, Izalci Lucas, Laerte Bessa e Franklin Lima não retornaram os contatos.

Procurada, a assessoria de imprensa de Alberto Fraga disse que o deputado não se recorda do Major Leonardo Machado de Azevedo e que, como ficou quatro anos sem mandato, entre 2019 e 2022, os registros de documentos de legislaturas anteriores foram perdidos. 

No ofício encaminhado a Jungmann os deputados tentam justificar o retorno de Azevedo ao posto dizendo que ele é um “militar muito atencioso com a população” e que no trabalho demonstrou “profissionalismo e dedicação, integrando o bom atendimento e a boa administração pública em prol dos moradores do Distrito Federal, Goiás, Tocantins e Triângulo Mineiro” – áreas abrangidas pela 11º Região Militar.

No ofício, os deputados tentam justificar o retorno do major dizendo que ele é um militar muito atencioso com a população.

O documento é datado de 15 de março de 2017, mesmo ano em que foram apreendidos mais de 1.200 munições e 7 armas na casa de Azevedo – 4 sem registro em seu nome. 

A ação que correu no Superior Tribunal Militar está vinculada a um processo no TJDFT, no qual Azevedo foi condenado por posse irregular de munição de uso restrito. A defesa do militar recorreu da condenação e o processo ainda corre.

O SFPC é considerado um departamento sensível das Forças Armadas. O órgão concede os registros de armas de fogo e munições, os certificados para os CACs e as transferências de propriedade e destruição de armamentos. 

As irregularidades cometidas pelo major chegaram a nomes que, anos mais tarde, fariam parte da bancada da bala e seriam base aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O Ministério Público Militar viu irregularidades quando o Major Azevedo, logado no SIGMA, transferiu duas pistolas Glock calibre. 40 do acervo de atirador para o acervo do CAC Alex Lial Marinho. 

Hoje tenente-coronel, Marinho é ex-coordenador geral de Aquisições e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, nomeado pelo general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em junho de 2020. Marinho esteve na mira da CPI pelo caso do contrato de compra da vacina Covaxin. De acordo com documentos recebidos pela CPI, Alex “atuou fortemente para que seus funcionários superassem, de qualquer forma, os entraves junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que impediam a entrada da vacina Covaxin, em território nacional”.

Ex-secretário de Segurança foi vítima de esquema de Major

O setor onde Leonardo Machado de Azevedo trabalhou é responsável por receber e destruir armamentos. Militares interessados em se desfazer de seu acervo pessoal enviam o material para o SFPC. As armas apreendidas pela Receita Federal também são enviadas para serem destruídas lá.

Uma das vítimas do major foi o ex-deputado federal e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, coronel João Manoel Simch Brochado. Ele procurou o 11° Depósito de Suprimentos, o D Sup, em 2016, com a intenção de doar armamentos de seu acervo pessoal. Aos 88 anos e acompanhado de cuidadores, Brochado queria doar uma das armas especialmente à Aman, instituição que admirava e onde Azevedo também se formou. Não teve seu desejo atendido. 

Primeiro, porque fora ao lugar errado: o D Sup só destrói armas, não repassa armas doadas a ninguém. Mas o profissional que o atendeu, segundo o MPM, foi Azevedo. E Azevedo não avisou isso nem ao coronel Brochado, nem ao cuidador que acompanhava o militar aposentado. O major ficou com um revólver Taurus calibre .38 e um rifle Rossi calibre .38.

O revólver que era do Coronel Brochado foi vendido por R$ 1 mil ao capitão Marlon Anderson Santiago Daflon. Em depoimento, ele disse não saber do desvio. Contou que ficou sabendo de uma arma dando sopa através do capitão Luís Eduardo Consoni. 

O capitão lhe avisara que havia um senhor interessado em vender algumas arma, e o orientou que conversasse com Azevedo, que faria o intermédio. Daflon fechou negócio: pagou R$ 1 mil pela arma e R$ 25 pelo registro. O tenente Daflon só descobriu depois, através de um amigo, que Brochado nunca teve a intenção de vender as armas, e sim doá-las. Azevedo vendeu o que nunca foi dele. Brochado morreu em 2022, aos 94 anos, quando este processo ainda estava em andamento.

Procurado pela reportagem, Leonardo Machado de Azevedo decidiu não se pronunciar oficialmente por “orientação dos advogados”, mas respondeu que o intuito da reportagem seria alimentar “a repercussão que pode causar” e não “a investigação ou a busca pela verdade”.

As irregularidades cometidas pelo major chegaram a nomes que, anos mais tarde, fariam parte da  base do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Condenado, ele segue nos quadros do Exército, enquanto recorre da decisão. O processo de expulsão só é aberto após o trânsito em julgado, a decisão final, no caso, do Supremo Tribunal Federal.

A reportagem procurou o Exército Brasileiro. Questionamos se o SIGMA possui ferramentas que detectam possíveis irregularidades e se o sistema hoje proíbe que servidores cadastrem armas de fogo no próprio nome. O Exército não respondeu diretamente. 

Em nota, o Exército afirmou que “segue as leis e decretos que regulam os critérios de aquisição”, que “as irregularidades cometidas são apuradas nos critérios da lei; se considerados crimes militares são encaminhados para Justiça Militar”, e que “esclarecimentos a respeito do assunto serão prestados exclusivamente ao Ministério Público Militar”.

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