Coronavírus: grávidas devem ser consideradas grupo de risco, dizem especialistas

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Coronavírus: grávidas devem ser consideradas grupo de risco, dizem especialistas

Os dados sobre o novo coronavírus são limitados, mas, por precaução, a indicação é tratar gestantes como grupo de risco.

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A crise do coronavírus

Parte 32


Na quinta-feira de manhã, Jesse Robertson foi internada em um hospital em Denver, no Colorado.

Ela estava com 38 semanas de gravidez, e havia chegado a hora de induzir o parto. “Felizmente, parei de trabalhar há duas semanas e eu meio que me coloquei em repouso, para tentar manter esses pequeninos tranquilos aqui”, disse ela antes de entrar na sala de parto. “Mantê-los aqui dentro o maior tempo possível.”

Conforme o novo coronavírus se espalha pelo país, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, o CDC, divulgou “considerações intermediárias” para prevenir a infecção em ambientes obstétricos de internação, como a maternidade em que Robertson se internou. Mas pouco se sabe sobre como o vírus afeta a gravidez.

Enquanto isso, a hostilidade do governo Trump aos direitos reprodutivos e aos cuidados de saúde enfraqueceu a rede de segurança de planejamento familiar. As políticas ostensivamente decretadas para impedir o financiamento governamental ao aborto levaram os baixos orçamentos ao limite e provocaram escassez de pessoal em todo o sistema. Agora, fornecedores de planos de saúde e especialistas estão preocupados com o fato de que a tensão adicional do surto de coronavírus possa deixar sem acesso aos cuidados básicos de saúde pessoas em idade reprodutiva, sem plano e marginalizadas.

Apesar do crescente temor em torno da disseminação do vírus, Robertson, que é médica e possui mestrado em saúde pública, se manteve calma. “É como os britânicos dizem: Mantenha a calma e continue.”

De frente com a incerteza

Durante um seminário online do CDC para profissionais de saúde em 12 de março, o obstetra Romeo Galang, parte da equipe de resposta ao vírus da agência, reiterou que há informações limitadas sobre como o covid-19 interage com a gravidez. “O que sabemos hoje sobre o covid-19 e a gravidez é baseado em pouquíssimos relatórios e séries de casos… da China”, disse ele. “O desafio desses relatórios é que os relatos sobre os resultados maternos, perinatais e neonatais foram inconsistentes, e os detalhes variavam.”

Um estudo de caso, publicado pela revista The Lancet em fevereiro, não revelou sinais de “transmissão vertical” da infecção – ou seja, que tivesse passado de mãe para filho – embora o estudo tenha sido limitado a apenas nove mulheres grávidas que tiveram resultado positivo para o vírus. Um segundo relatório, também publicado na The Lancet, observou que dois casos neonatais do vírus foram confirmados na China, mas não havia indicação de que fossem resultado da transmissão via sangue do cordão umbilical, por exemplo, ou via leite materno.

O segundo relatório sugeriu que o novo coronavírus – oficialmente, SARS-CoV-2 – tem alguma semelhança com o surto anterior da SARS. Estudos desse outro vírus revelaram uma conexão entre infecção e um maior risco de complicações durante a gravidez, incluindo aborto espontâneo, parto prematuro e restrição de crescimento intrauterino. “No entanto, as mulheres grávidas com infecção por covid-19 no presente estudo tiveram menos complicações e menos resultados maternos e neonatais adversos do que seria esperado” com base na SARS.

No total, segundo Galang, os relatórios da China incluíram pelo menos 34 mulheres grávidas afetadas pelo vírus, com início da doença em um intervalo de 13 dias antes do parto a três dias após o parto. Quase todas as mulheres tiveram os bebês por cesárea, algumas motivadas pela doença e outras devido a outros fatores. Duas passaram pela UTI; dessas, uma deu à luz a um bebê saudável e a outra, a um natimorto. Nenhuma das mães morreu. Não há dados sobre a infecção por covid-19 e início de gravidez, disse Galang.

“As mensagens mais importantes disso tudo são que, primeiro, ainda não sabemos muito”, disse Michael Policar, professor emérito de obstetrícia, ginecologia e ciências da reprodução da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Francisco, onde exerceu a obstetrícia por quase 40 anos. “Realmente não há nada publicado nos Estados Unidos.”

Mas, diz ele, o que viu e ouviu até agora sugere que o covid-19 “se parece muito com o que acontece durante a gravidez com outros tipos de infecções por vírus da gripe”. Isso significa que o vírus “tem uma tendência a se desenvolver como uma condição com significativamente mais sintomas” em mulheres grávidas. “E isso é completamente esperado, dado o fato de que qualquer mulher que já está grávida tem um certo grau de comprometimento imunológico para não rejeitar seu próprio feto.”

Policar concorda que ainda não há nada que sugira que a infecção possa ser transferida de mãe para filho. Mas ele diz que ainda há coisas a serem observadas, incluindo febre alta, principalmente no primeiro trimestre, “durante o período em que os sistemas orgânicos estão se desenvolvendo no embrião e depois no feto”, o que pode aumentar a probabilidade de alguns defeitos congênitos. “É muito cedo para saber se ocorrerá o mesmo com o coronavírus.”

A maior preocupação é com as mulheres com gravidez de alto risco por conta de problemas de saúde subjacentes, bem como as médicas grávidas que podem estar na linha de frente da epidemia.

A maior preocupação é com as mulheres com gravidez de alto risco por conta de problemas de saúde subjacentes, bem como as médicas grávidas que podem estar na linha de frente da epidemia. “Os hospitais poderiam ao menos considerar limitar a exposição de profissionais de saúde grávidas aos pacientes que confirmaram infecções pelo covid-19”, disse Galang durante o seminário do CDC. “Isso, é claro, se for possível e com base na disponibilidade de pessoal.”
Denise Jamieson, presidente do departamento de ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory, que também participou do seminário do CDC, disse que, dada a “escassez de dados” sobre o covid-19, “as mulheres grávidas devem ser consideradas uma população de risco para estratégias focadas em prevenção e administração de contágio.”

“Sabemos que mulheres grávidas são uma população com maior risco de suscetibilidade a infecções, doenças graves e mortalidade associadas a outras infecções respiratórias. Isso se deve às mudanças fisiológicas que ocorrem durante a gravidez, incluindo o aumento da frequência cardíaca e o consumo de oxigênio, diminuição da capacidade pulmonar e uma mudança da imunidade mediada por células”, disse ela. “Essas mudanças podem aumentar o risco de doenças mais graves em mulheres grávidas, em comparação com adultas não grávidas.”

A American College of Obstetricians and Gynecologists e a Sociedade de Medicina Materno-Fetal desenvolveram um algoritmo para ajudar os profissionais a avaliar pacientes grávidas. É um fluxograma colorido que guia os médicos através de várias perguntas para determinar a saúde e o potencial de risco de uma paciente. Ela tem febre? Ela está com falta de ar? Ela tem diabetes, hipertensão ou HIV? E vem com um aviso impresso em vermelho: “Esteja ciente de que o covid-19 é uma situação em rápida evolução e esta orientação pode ficar defasada à medida que novas informações sobre o covid-19 em mulheres grávidas se tornarem disponíveis”.

Sobrecarregado, sob pressão

O surto de coronavírus também tem implicações mais amplas para a rede de provedores de planejamento familiar e para as populações de baixa renda, com um plano que cobre pouco ou sem qualquer plano, e marginalizadas que atendem.

“Para as mulheres em geral, muitas delas veem o obstetra e ginecologista com mais frequência do que um médico de atenção primária ou veem o próprio obstetra e ginecologista como seu médico de atenção primária. E isso certamente é verdade com as mulheres que também frequentam clínicas públicas de planejamento familiar”, disse Adam Sonfield, gerente sênior de políticas do Guttmacher Institute, que publicou na semana passada uma matéria analisando as possíveis consequências do covid-19 sobre a saúde sexual e reprodutiva. “Muitas vezes, é a principal entrada delas no sistema de saúde; geralmente é a principal fonte de atendimento ou a única fonte de atendimento em um determinado ano.” Além dos serviços ginecológicos e contraceptivos, os provedores de planejamento familiar examinam as pacientes para uma ampla variedade de questões. “E, você sabe, isso claramente terá um papel importante em uma crise como essa”, disse Sonfield.

No entanto, a rede de clínicas que realiza esse trabalho tem sofrido ataques crescentes nos últimos anos, à medida que legisladores conservadores têm atacado o maior provedor de planejamento familiar do país, o Planned Parenthood. Tomemos, por exemplo, a chamada regra da mordaça doméstica que o governo Trump promulgou no ano passado, que, entre outras coisas, proíbe qualquer clínica que receba financiamento do Título X – único fluxo de financiamento do país dedicado aos cuidados básicos de saúde reprodutiva – de encaminhar pacientes para provedores de aborto.

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Embora a restrição visasse a Planned Parenthood, provavelmente levou 981 clínicas a abandonar o programa. Esses provedores atendiam quase metade das quase 4 milhões de pessoas que dependem do Título X para cuidados básicos de saúde, disse Sonfield. A regra deixou seis estados sem um único provedor financiado pelo Título X. “Isso combinado com as intensas variedades da epidemia de covid-19 pode ser extremamente prejudicial para milhões de pessoas que dependem dessa rede para atendimento”, disse ele.

Durante uma palestra na semana passada na conferência anual da Associação Nacional de Planejamento Familiar e Saúde Reprodutiva, Policar disse que a melhor maneira de mitigar quaisquer problemas de prestação de serviços seria confiar na telemedicina quando possível e aumentar a “triagem telefônica” das pacientes antes das visitas agendadas para determinar potenciais fatores de risco. Todos os serviços eletivos, como exames anuais de rotina, devem ser adiados quando possível.

“Esse governo puxou todas as alavancas sob seu controle para minar e enfraquecer a infraestrutura de seguro de saúde de nosso país.”

A guerra do governo Trump contra o sistema de saúde do país é vasta e contínua. Entre outros insultos, ele apoia o desmantelamento da Lei de Assistência Acessível; finalizou os requisitos de trabalho para o Medicaid que ameaçam retirar inúmeras pessoas dos registros; e continuou a defender cortes profundos propostos no orçamento do CDC em meio ao surto de coronavírus.

“Nos últimos anos, esse governo puxou todas as alavancas sob seu controle para minar e enfraquecer a infraestrutura de seguro de saúde de nosso país, visando especificamente pessoas que já enfrentam barreiras sistemáticas ao atendimento, incluindo imigrantes, pessoas de cor, jovens e pessoas com baixa renda e pessoas LGBTQ+”, disse Zara Ahmed, gerente sênior de políticas da Guttmacher, à Bustle. “Agora, o efeito cumulativo de anos de ataques aumentará os desafios de combater uma epidemia em comunidades que já estão marginalizadas”.

Policar observa que o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva permanecerá crítico em meio ao surto viral, principalmente se os próprios profissionais forem infectados e reduzirem ainda mais o número de médicos disponíveis para atender os pacientes. Mulheres que precisam de cuidados pré-natais de rotina ou contraceptivos para controlar problemas de saúde subjacentes, ou que estão tentando impedir uma gravidez indesejada, têm necessidades sérias e contínuas a serem atendidas. “A gravidez não intencional é tanto um problema pessoal enorme quanto um problema de saúde pública”, disse ele. Quase metade de todas as gestações nos EUA não é intencional. “Do ponto de vista da paciente que está motivada a evitar uma gravidez indesejada, toda vez que há uma barreira na frente dela para conseguir os serviços de que precisa, isso é um problema”, disse ele.

Robertson disse que entende que, para muitas, o acesso a cuidados de saúde adequados pode ser difícil. Mesmo com um excelente plano de saúde, não é fácil obter os cuidados de saúde reprodutiva necessários. “Eu poderia divagar por horas sobre isso”, disse ela.

Mas ela disse que trabalhar em um hospital ajudou a focar seu pensamento enquanto se preparava para o parto: Manter uma boa higiene; limitar o número de superfícies que você toca e não tocar seu rosto; gerenciar o número de pessoas com quem você entra em contato. Em outras palavras, lide diretamente com as coisas que você pode controlar. “Sendo uma defensora da causa, trabalhando na área da saúde e sabendo o que deveria estar sendo feito, definitivamente vou ficar tipo, ‘ei, desculpa, só quero ter certeza de que você lavou as mãos’”, disse.

E ela tem um plano para manter esses protocolos quando os bebês estiverem em casa. “Tem sido um jogo de espera e eu tenho um bando de pessoas que estão tão empolgadas, mas, ao mesmo tempo, provavelmente é melhor que eu fique tipo ‘oh, desculpa pessoal! Nós apenas vamos nos esconder aqui e enquanto isso eu mando fotos para vocês.’”

Tradução: Maíra Santos

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