O buraco na camada de ozônio na Antártica, no dia 24 de setembro de 2006.

Poluição de empresas americanas prejudica recuperação da camada de ozônio

Agência de Proteção Ambiental americana se recusou a considerar o potencial de destruição de ozônio de produtos químicos liberados por empresas americanas.

O buraco na camada de ozônio na Antártica, no dia 24 de setembro de 2006.

A resposta global ao “buraco na camada de ozônio”, como a questão ficou conhecida nos anos 1970, é há muito tempo considerada um modelo para a solução de problemas ambientais – e a esperança de que ainda possamos consertar a crise climática. Depois que os cientistas perceberam que os produtos químicos usados para resfriamento e em aerossóis estavam fazendo com que a camada protetora de ozônio da Terra se afinasse, ameaçando causar um grande aumento nos casos de câncer e outras doenças, países ao redor do mundo se uniram para resolver isso. Até mesmo as empresas que fabricavam e vendiam os produtos químicos responsáveis – clorofluorcarbonos, ou CFCs – participaram do Protocolo de Montreal, o tratado internacional que começou a eliminá-los em 1989. Desde então, a camada de ozônio se recuperou parcialmente.

O compromisso internacional de eliminar os produtos químicos que destroem a camada de ozônio manteve-se tão firme que, em 2018, quando se descobriu que algumas fábricas chinesas usavam uma substância proibida pelo tratado conhecido como CFC-11, elas receberam condenações dos EUA e de outros países. Erik Solheim, então chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que supervisiona o Protocolo de Montreal, chamou a liberação da substância que destrói a camada de ozônio de “nada menos que um crime ambiental que exige ação decisiva”. A China tratou do problema rapidamente.

No entanto, recentemente surgiram provas de que empresas dos EUA também estão liberando produtos químicos destruidores da camada de ozônio. Embora a camada de ozônio esteja se recuperando de modo geral, os cientistas têm observado níveis decrescentes do gás em algumas regiões. Produtos químicos usados para tudo, de fracking a resfriamento, parecem ser os culpados, de acordo com comentários que a organização sem fins lucrativos Agência de Investigação Ambiental enviou à Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a EPA, em dezembro. Segundo registros da EPA, a poluição química, parte da qual vem dos EUA, já atrasou o progresso na camada de ozônio. O contratempo resultante parece ser pior em áreas altamente povoadas em latitudes do sul, onde poderia causar mais danos. As emissões contínuas dos produtos químicos podem atrasar a cura da camada de ozônio em até 30 anos, de acordo com um artigo de 2017 publicado na Nature Communications.

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Apesar da ameaça, a EPA não considerou os impactos de 14 produtos químicos potencialmente nocivos para a camada de ozônio. A avaliação segue em andamento sob a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas. Questionado sobre a decisão, um porta-voz da EPA escreveu em um e-mail dizendo que “como os riscos de destruição do ozônio são adequadamente avaliados e gerenciados de maneira eficaz sob a Lei do Ar Limpo, a EPA não espera incluir o potencial de destruição do ozônio nas avaliações de risco” de três dos produtos químicos. A resposta da agência não abordou os outros 11 produtos químicos sob análise.

Lacunas e emissões não rastreadas

Tanto a Lei do Ar Limpo quanto o Protocolo de Montreal regulam alguns desses produtos químicos de curta duração que desgastam a camada de ozônio. Mas eles abrem uma exceção quando os produtos químicos são subprodutos ou usados como matéria-prima para a fabricação de outros produtos – uma brecha que pode explicar por que alguns deles ainda estão se acumulando na atmosfera mais de 30 anos após a entrada em vigor do tratado.

O tetracloreto de carbono, por exemplo, um potente produto químico que destrói a camada de ozônio usado para fabricar CFCs, é fortemente regulado pelo tratado. No entanto, a quantidade de produto químico na atmosfera vem aumentando. Embora as fontes exatas da poluição tenham sido tratadas como mistério, parte da discrepância parece dever-se ao uso crescente de tetracloreto de carbono como matéria-prima para outros produtos químicos. Segundo a EPA reconheceu, esse tem sido seu uso principal. Entre 2012 e 2018, empresas dos EUA lançaram quase 600 toneladas do produto químico no ar. Entre os maiores emissores estão uma fábrica da Dover Chemical em Ohio e duas na Geismar, em Louisiana – uma de propriedade da Rubicon e as outras da Occidental – conforme uma análise dos dados da EPA pela empresa de consultoria Material Research.

Questionado sobre a emissão de tetracloreto de carbono da Rubicon, Mark Dearman, gerente geral da empresa, respondeu que: “Atualmente, estamos operando sob nossas permissões de ar sob a EPA e o Departamento de Qualidade Ambiental do estado da Louisiana e estamos constantemente trabalhando a cada ano para reduzir nossas emissões e sermos bons administradores ambientais”. A Occidental e a Dover Chemical não responderam aos pedidos de comentário.

Os níveis de outro produto químico que destrói a camada de ozônio, o cloreto de metileno, também estão aumentando, subindo 8% ao ano entre 2000 e 2012, de acordo com as análises mais recentes. O cloreto de metileno não foi regulamentado pelo tratado, porque dura um curto período de tempo na atmosfera e, por isso, considerado como produtor de impacto mínimo no ozônio. Porém, sua liberação é responsável por grande parte do atraso na recuperação da camada de ozônio, de acordo com o artigo da Nature Communications.

As empresas americanas, incluindo SI Group, 3V Sigma e CR Bard, todas com sede na Carolina do Sul, lançaram 19,8 milhões de libras de cloreto de metileno no ar entre 2012 e 2018, de acordo com relatórios da empresa à EPA. Em uma declaração por e-mail, a porta-voz do SI Group, Melissa Quesnel, escreveu: “Quando o cloreto de metileno está em uso, temos controles de engenharia para recuperar e reciclar o máximo possível para limitar nossas emissões, cumprindo todos os regulamentos de emissões”. 3V Sigma e CR Bard não responderam às perguntas do Intercept.

Mas a chave para entender os níveis crescentes do produto químico pode ser o que não é rastreado pela agência. Ainal, as emissões industriais de cloreto de metileno relatadas pela EPA são reduzidas de acordo com aquilo que os cientistas calculam que esteja na atmosfera.

A diferença pode ser parcialmente explicada pelo uso do cloreto de metileno na indústria do petróleo e da gasolina. Nesses setores, as emissões do produto químico público não são divulgadas ao público pela EPA. Além de ser usado na fabricação de pesticidas e plásticos, o cloreto de metileno é usado no “setor de atividades de perfuração, extração e suporte de petróleo e gasolina”, de acordo com o relatório do EPA de 2017 e tem sido encontrado no ar perto de poços de fracking. À medida que o número desses poços aumentou, o mesmo ocorreu com os níveis de cloreto de metileno na atmosfera.

Ironicamente, os dois produtos químicos também são usados como matéria-prima para produzir a próxima geração de refrigerantes, introduzida para substituir CFCs e outros refrigerantes, porque não destruirão a camada de ozônio.

No entanto, até agora, há pouca pressão contra as empresas americanas que liberam os produtos químicos que destroem uma das maiores conquistas ambientais do mundo. “A China foi atacada internacionalmente pela produção de CFC-11”, disse Avipsa Mahapatra, que lidera a campanha climática da Agência de Investigação Ambiental. Os EUA e outros países pressionaram a China para parar de liberar substâncias como o CFC-11, que corroem o ozônio, continuou Mahapatra. “Mas até mesmo nos Estados Unidos estão sendo liberadas substâncias que danificam a camada de ozônio.”

Tradução: Cássio Zanon

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