Essas são Agatha e as oito crianças vítimas da política de terror de Wilson Witzel no Rio de Janeiro

Essas são Agatha e as oito crianças vítimas da política de terror de Wilson Witzel no Rio de Janeiro

O problema da PM não é ter dado errado. É ter dado certo demais.

Essas são Agatha e as oito crianças vítimas da política de terror de Wilson Witzel no Rio de Janeiro

Agatha tinha oito anos. Tomou um tiro nas costas ao lado do avô, dentro de uma Kombi, na Fazendinha, localidade do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. Segundo os moradores, policiais atiraram na direção de uma moto que passava pelo local, um tiro em direção de um alvo em movimento em um bairro populoso, as ruas estavam cheias na sexta-feira à noite.

Mas tudo bem, o governo do Estado pediu desculpas antecipadas pela morte da criança – isso foi no mês passado, antes de Agatha ser assassinada. “O governador e o governo do estado lamentam profundamente todas essas mortes. Essas e todas as outras que possam acontecer”, disse o secretário de governo do estado Cleiton Rodrigues ao defender sua política de terror após seis inocentes serem mortos em cinco dias de operações policiais – também um bebê de menos de dois anos foi ferido.

“O governador e o governo do estado lamentam profundamente todas essas mortes. Essas e todas as outras que possam acontecer.”

“Essas e todas as outras que possam acontecer” é a profecia – ou ameaça? – que se cumpriu contra a vida de Agatha Vitória Sales Félix e contra quatro outras crianças, todas assassinadas na Grande Rio. Entre mortas e feridas, já são nove as crianças vítimas da mais extrema barbárie que deveria levar Wilson Witzel aos tribunais. Uma estava dentro do condomínio onde morava; outra descascava batatas na porta do bar da família; andava de bicicleta; a caminho da escola ou da igreja. Como alguém que promove essa política ainda não está preso?

 

A PM deu certo demais

A Polícia Militar do Rio de Janeiro foi criada por D. João no início do século XIX em um contexto em que a exitosa revolução dos pretos do Haiti apavorava as elites brasileiras. Eles tinham o poder de inspirar movimentos similares. A função original da polícia era – não nos enganemos com os discursos e documentos oficiais – defender a propriedade e as camadas dirigentes contra as gentes perigosas e de cor. Guerra aos pobres, em suma.

O fundamento da segurança pública no Brasil até hoje nunca mudou: é a forma articulada pelo estado para manter os pobres sob controle e, eventualmente, fazer investir no extermínio quando esse controle se encontra sob ameaça.

Não custa lembrar que o símbolo da PMERJ traz um pé de açúcar, um pé de café, duas armas e a coroa imperial. Mais explícito que isso, impossível: braço armado em defesa da propriedade (originalmente os grandes latifúndios) e do poder.

Portanto, não adianta dotar esta polícia de um – teoricamente – “perfil cidadão”, ensinado em algumas aulas, e pensar que está resolvido. A PM foi criada para matar e morrer. Nesse sentido, é uma das instituições mais bem sucedidas do Brasil: mata e morre. Muito.

Não há como ser otimista quanto a isso. Há, evidentemente, bons policiais, mas a missão que justifica a corporação, inscrita em sua história e brasão, é essa: defender o status quo contra as ameaças a ele, fundamentando essa defesa no monopólio da violência voltada contra os mesmos pretos e pobres dos tempos do rei.

A única solução para a PM – que é em seus quadros também majoritariamente pobre e preta, também vitimada por uma violência absurda – é sua extinção como a conhecemos hoje e sua refundação. Como fazer isso? Não há resposta pronta. Mas é fato que é uma discussão necessária e urgente. A barbárie nada de braçada nas nossas praias.

A discussão sobre o que deu errado na polícia parte de um pressuposto equivocado. O problema das PMs não é ter dado errado. É até hoje ter dado certo. Certo demais.

A sociopatia do novo rei

#ACulpaÉDoWitzel. Essa é a tag que tem sido levantada nas redes sociais a cada morte durante operações policiais no Rio do governador cuja política de segurança pública é “mirar na cabecinha”. O número de assassinatos causados por essa ideia sociopata aumentou 23% em relação ao mesmo período ano passado, de acordo com o Observatório da Segurança Pública do Rio. O número de mortes em ações policiais aumentou 46%. A taxa de crianças baleadas aumentou 80% na era Witzel. Foi desses índices frios que saiu o tiro que matou mais uma criança.

No caso de Agatha, a PMERJ tuitou: “Na noite desta sexta, 20/09, policiais da UPP Fazendinha foram atacados de vários pontos da comunidade de forma simultânea. A equipe revidou à agressão. Logo após eles foram informados que um morador foi ferido na localidade “Estofador”. O “morador” era Agatha.

 

 

O tal confronto foi questionado por moradores e logo rebatido pelo avô da menina: “Atirou na kombi e matou a minha neta. Foi isso. Isso é confronto? A minha neta tava armada por acaso pra poder levar um tiro?”

 

 

Depois de responder ao menos a 14 perfis com a resposta padrão acima, A PMERJ filosofou mais um pouco:

 

 

O governador, sempre tão ativo nas redes sociais, não tuita nada desde 20h18 de ontem.

O sangue das crianças do Rio

Não conseguimos encontrar fotos nos jornais e nas agências de notícias, e em alguns casos sequer sabemos os nomes delas. Isso mostra o quanto esses corpos são ignorados também pela imprensa. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, estas são as crianças baleadas e mortas durante ação ou operação policial só este ano.
 

1 – 04/01

Uma criança de 10 anos que não teve a identidade revelada foi baleada no bairro Galo Branco, em São Gonçalo. Ela foi atingida nas costas, dentro do condomínio onde mora. De acordo com a PM, houve um confronto nas imediações. Ela sobreviveu.

 

2 – 14/02



 
Jenifer Silene Gomes, 11 anos, foi morta com tiro no abdômen, em Triagem. Ela havia chegado da escola e descascava cebolas na porta do bar da família quando foi atingida. Testemunhas contaram que os policiais chegaram ao local pela linha do trem em busca de traficantes e atiraram em direção a um suspeito.
 

3 – 06/04

Uma criança que não teve a identidade revelada foi baleada no Conjunto Esperança, no Complexo da Maré. Em uma super operação para prender o traficante 3N – com uso de helicóptero como plataforma de tiros – foram mortas oito pessoas. Além desta criança, uma adolescente de 15 anos também foi baleada. Ambos sobreviveram.
 

4 – 10/05



 
Kauã Vítor Nunes Rozário, 11 anos, foi morto quando andava de bicicleta no último sábado na Vila Aliança, em Bangu. De acordo com a PM, houve confronto naquele dia. Na ocasião, outras duas pessoas foram baleadas, entre elas, um mototaxista de 25 anos, que também morreu.
 

5 – 18/06

Letícia Tamirez Gazol Ferreira, 9 anos, estava a caminho da Escola municipal Aline Gonçalves, no Parque Beira-Mar, em Duque de Caxias, quando foi baleada no tórax e braço. Havia um assalto e a polícia interviu. Além de Letícia, seu primo, de 6 anos, foi ferido por estilhaços; um vendedor de café foi baleado na barriga e 3 pessoas morreram. Letícia sobreviveu.
 

6 – 01/07

Uma criança de 6 anos que não teve a identidade revelada foi baleada no Complexo do Chapadão. Ela não foi para escola porque havia uma operação policial na região. Ela foi atingida quando dançando balé no quintal de casa. Ela sobreviveu.
 

7 – 23/07

Um bebê de 1 ano e 10 meses que não teve a identidade revelada foi baleado no pé esquerdo na Favela da 48, em Bangu. Ele estava no colo da mãe, que a caminho da Igreja, também foi baleada e morreu. Ela levou 10 tiros ao ficar no meio do fogo cruzado em uma ação da PM no local para “coibir confrontos armados entre grupos rivais”. Outras duas pessoas foram mortas. O bebê sobreviveu.
 

8 – 29/08

Lauane Cristina Machado Batista, 7 anos, foi baleada na perna direita na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, durante um patrulhamento dos policiais da UPP. Ela sobreviveu.

 

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