Fotos autor Leandro Demori.

Leandro Demori

Foi então que lembrei de Zezé Di Camargo

Jair Bolsonaro é o maior fenômeno político popular desde Lula.

Foi então que lembrei de Zezé Di Camargo

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Divulgação: Jair Bolsonaro

Na quinta-feira, eu mandei um áudio pro meu irmão pra ver como andavam as coisas. Ele mora no interior. No interior, não: na verdade, ele mora no interior do Brasil. (sim, é diferente morar no oeste do Brasil de morar no interior do Rio)

“Eu ainda não sei em quem votar”, ele me disse. “Vai todo mundo de Bolsonaro, dos meus funcionários aos meus amigos empresários.” Meu irmão toca uma pequena empresa que herdou dos nossos pais. O que mais lhe chamou atenção foi que seus amigos “estudados, inteligentes, intelectuais” também votariam no Bolsonaro.

Então lembrei de Zezé Di Camargo.

Em 2002, Zezé fez campanha para Lula. Em 2014, para Aécio. Hoje, morre de amores por Bolsonaro. É o artista modelo do Jair: sertanejo, mulherengo, rico, “raiz”. Daqueles que merecem ser financiados pela Lei Rouanet. Zezé, de fato, já é: ele cavucou alguns milhões de reais da Rouanet durante sua carreira. Para Bolsonaro, a lei é um problema fundamental, menos para Zezé.

No ano passado, eu provoquei o João Brizzi, mestre dos designers aqui do site, com Zezé em mente: “O Brasil está mudando tão rápido quanto os humores de Zezé Di Camargo. Temos que ir pro Oeste”. Trabalhávamos juntos na revista piauí. Minha tese era que, pela primeira vez na história do país, o oeste geográfico colonizaria o litoral, culturalmente falando. E que isso significava a potencial eleição de Jair Bolsonaro. Vocês sabem: o agro é pop, armamentismo pra resolver na bala, os machões com seus carros tunados, o preconceito escancarado, e o sertanejo. Eu nasci e cresci lá, eu sei como é.

Acabou que o Brizzi e o câmera Ricardo Marques foram parar em Barretos porque Bolsonaro não tinha agenda no Centro Oeste, região onde liderava nas pesquisas (às vezes acima de Lula). O vídeo nunca foi ao ar. Era outubro de 2017. Bolsonaro estava consolidado nas sondagens e os depoimentos colhidos – que hoje soam clichê – já mostravam o Brasil que teríamos dali pra frente. “Conheci o capitão quando vi alguém falando mal dele na internet”, nos disseram duas pessoas ouvidas em uma praça, fãs de Bolsonaro. “Vi ele na televisão, quando falaram mal dele”, disse outro eleitor. “Eu acho que ele é autêntico”, soltou um professor de História. “Ele fala o que precisa ser dito”, concluiu um cara mais velho que tinha tomado tapa na cara de milico durante a ditadura.

As entrevistas eram ardidamente verdadeiras, mostravam toda a falência civilizacional do país. Aquelas pessoas não eram fascistas, a maior parte delas sequer saberia definir o fascismo. Elas estavam cansadas e queriam respostas rápidas e convictas sobre seus problemas mais imediatos, queriam que alguém lhes desse soluções que parecessem possíveis contra a corrupção do PT, contra a violência, contra o que viam como um complô da mídia para acabar com a família tradicional. Bolsonaro tinha todas elas: “Sou ficha limpa; Bandido bom é bandido morto; Deus acima de todos.” As pessoas estavam, de fato, em campanha por ele.

Jair Bolsonaro é o maior fenômeno político popular desde Lula. Eu vou repetir para que não reste dúvida: Jair Bolsonaro é o maior fenômeno político popular desde o fim da ditadura. O bolsonarismo, hoje, só não é maior do que o petismo/lulismo. Aécio fez 51 milhões de votos e agora tenta se escorar em um cargo de deputado federal para não perder o foro privilegiado. Marina fez 22 milhões de votos e virou uma voz distante e um vexame eleitoral. Alckmin? Serra? Quem mais? Com Bolsonaro é diferente. Ele soube surfar uma onda gigantesca de desilusão causada pelo desastre econômico e pela roubalheira, e essa onda está longe de acabar.

Mesmo que perca no fim de todo esse processo eleitoral (o que hoje parece bem difícil), ele já é grande demais para acharmos que seu balão será esvaziado em janeiro do próximo ano. Diziam, até poucos meses atrás, que ele derreteria, que não teria tempo de TV, que seria enforcado na própria língua. Seus preconceitos, sua inépcia fantasiada de simplicidade e suas ideias (essas, sim) fascistas encontraram abrigo em milhões de pessoas que foram, por muitos anos, ignoradas pela elite intelectual de esquerda. Bolsonaro não derreteu e nem vai, porque a sociedade brasileira se viu no espelho diante de Jair. Teremos muitos anos de bolsonarismo pela frente. Eu também queria notícias melhores, mas não há. Bom voto.

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