Também houve um #EleNão nos EUA. E Trump venceu.

Também houve um #EleNão nos EUA. E Trump venceu.

O precedente da eleição de Trump tem algo a nos ensinar: hashtags favorecem candidaturas com o estilo do Bolsonaro.

Também houve um #EleNão nos EUA. E Trump venceu.

Hoje pela manhã, a Rosana Pinheiro-Machado e o Marcos Nobre indicaram uma possível saída de Jair Bolsonaro ainda no primeiro turno. Mesmo que com chance remota, eles apontam seus motivos. “A campanha de Bolsonaro criou confusão onde ela não existia. O eleitorado antipetista estacionado na candidatura do capitão parece começar a pensar duas vezes onde parecia mais do que decidido”, escreve Nobre, apontando para o precedente do caso Marina, com o derretimento da candidatura nos últimos dias do primeiro turno, e para o voto estratégico anti-PT se mover para um candidato mais viável e com capacidade de vitória no segundo turno.

Pinheiro-Machado aponta para a possibilidade de um alto engajamento dos movimentos de luta social (como a marcha das mulheres contra Bolsonaro) e da guerra dos memes (com a questão do #elenão e #elenunca, especialmente). “Somente com uma onda muito forte. #Elenão, que já é uma hashtag muito maior que o #elesim, precisa crescer como uma avalanche e tomar as ruas. Os atos do dia 29 precisam ser gigantes e, a partir de então, atuar num tom uníssono, com todo o mainstream possível na semana final”, escreveu ela em seu perfil no Facebook.

As duas interpretações são plausíveis, interessantes e, na minha opinião, erradas.

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Eu acho que estamos caindo, nessa eleição, em um erro primário, que é o de interpretar os movimentos eleitorais e de motivação como se o eleitor estivesse se comportando de acordo com nossas expectativas de racionalidade e de preferência eleitoral.

Quero pedir licença para ignorar sumariamente as pesquisas eleitorais. Não tenho nada contra os institutos e acho que qualquer pesquisa, por pior que seja a metodologia, indica, no mínimo, algumas tendências interessantes. No entanto, temos o reflexo de presumir que pesquisas têm mais impacto do que a realidade sugere – boa parte das análises na eleição de Trump, por exemplo, indicava uma vitória de Hillary, o que causou tanto uma crise de super confiança na campanha democrata quanto um enviesamento da análise de cientistas políticos profissionais, que viam Trump com muito menos chances do que ele, de fato, detinha. Em vez de focar nas pesquisas, então, quero falar dos precedentes da nossa atual corrida eleitoral.

Dizer para um eleitor-padrão do Bolsonaro que ele é perigoso é, fundamentalmente, elogiar o candidato.

Primeiro, o precedente Marina. O derretimento de última hora da sua candidatura não é um movimento que deva se repetir no caso Bolsonaro. Se o Bolsonaro derreter nessas últimas duas semanas, essa descida vai ser objeto de estudo para três ou quatro anos de pesquisa e não vai ser fácil entender os motivos. Não tem nada, absolutamente nenhum indício formal, que nos autorize concluir que o sujeito que decidiu votar no capitão vai, de uma hora para outra, mudar de ideia – especialmente se a gente pegar o precedente da Marina como guia. Antes de mais nada, vale lembrar que Marina só subiu depois que Eduardo Campos morreu. O fato pareceu muito mais forte do que a candidata. Passada a comoção, ela regrediu.

Mas vamos lá: como foi que a Marina perdeu a eleição? Foi necessário um esforço racista, classista e até de pânico moral-religioso para destruir a candidatura da Marina em 2014. Não tenho a menor simpatia pela candidata, mas creio que depois de quatro anos podemos olhar para trás e concluir isso sem qualquer controvérsia. O PT e o PSDB se uniram em uma campanha suja para mobilizar os piores instintos e medos do eleitor brasileiro contra a candidata: ela era uma opção ruim, pois era fraca, de uma religião estranha, falava com um sotaque bizarro, não conhecia a complexidade política do Brasil etc.

Alguma dessas razões motivaria alguém a deixar de votar no Bolsonaro? Dizer para um eleitor-padrão do Bolsonaro que ele é perigoso é, fundamentalmente, elogiar o candidato. Dizer que ele perde no segundo turno para o PT é insultar a inteligência desse eleitor, já que ele vai lembrar que o PSDB é especialista em perder eleições para o PT e que não existe alternativa eleitoralmente viável melhor na praça. Marina? Ciro? Esses são comunistas disfarçados. Amoêdo? Álvaro Dias? Esses não têm voto.

O grau do sentimento de frustração com o establishment e da quebra com a política convencional, eu acho, não está sendo bem compreendido no contexto brasileiro – nem o apelo romântico que a candidatura Bolsonaro tem para, no mínimo, 20% dos eleitores que já aderiram ao candidato desde o ano passado.

Se houver um derretimento, vamos ter que estudar o que aconteceu e qual foi a estratégia utilizada. E daí teremos que dar a letra dessa estratégia para outros lugares do mundo que passaram pelo mesmo movimento romântico e antiestablishment e contar para eles o que foi feito aqui e como funcionou. O que o precedente dos últimos quatro anos nos ensina é que candidatos com as características do Bolsonaro até podem perder eleição, mas eles dificilmente perdem votos.

Bolsonaro está na frente na guerra dos memes e na guerra cultural.

Então, a possibilidade do voto anti-PT se mover para outro candidato me parece formalmente só um desejo. A gente pode até gostar de pensar que as pessoas vão agir estrategicamente e, dentre as que odeiam o PT, escolher uma opção menos radical do que o Bolsonaro. Mais uma vez, presume-se que essa pessoa confia em mecanismos convencionais. Vocês estão errados. Estamos todos isolados em bolhas e querendo confirmar teorias da conspiração bizarras e improváveis sobre urnas eletrônicas, compra de dados de pesquisas eleitorais e terraplanismo.

Com isso, quero falar um pouco sobre o ponto da Pinheiro-Machado: entrar na guerra dos memes e agitar as ruas podem ajudar a mobilizar eleitores indecisos contra o Bolsonaro, mudar a posição de eleitores que migraram para o Bolsonaro, mas são mais moderados, além de agregar e motivar o público de orientação de esquerda e centro-esquerda.

Eu não sei qual vai ser o resultado dessa eleição, mas eu sei de uma coisa: o Bolsonaro está na frente na guerra dos memes e na guerra cultural. O precedente do Trump tem uma coisa para nos ensinar aqui: fazer o jogo online e o do pânico moral favorece candidaturas com o estilo do Bolsonaro.

Talvez mobilizações populares, na rua ou na web, sejam um bom meio de agregar afetos, organizar pessoas para votar e até consolidar candidaturas para o congresso, de forma geral. Mas sou cético quanto a isso.

O caso da #resistance, o movimento no twitter de “resistência” de diversos luminares de centro-esquerda e centro-direita estadunidense contra o Trump, sugere bastante cuidado com a aposta nas redes sociais como um meio de derrotar candidatos como o Trump ou o Bolsonaro. As eleições norte-americanas mobilizaram, em 2016, toda a elite do cinema, das artes e do teatro contra Trump. Talvez o episódio mais emblemático seja o vídeo em que Trump aparece falando barbaridades sobre como pessoas famosas poderiam tratar mulheres, conforme o vídeo abaixo.

O vídeo iniciou uma série de reações, virou trending topic, foi tema de artigos na imprensa, pessoas declararam, por todo o lado, que Trump era um candidato inviável e seria derrotado de forma retumbante nas urnas. Toda a cartilha da ação e reação online foi seguida, outros casos de comportamento lamentável do então candidato vieram à tona e vídeos de campanha apelando para a emoção do eleitor pipocaram.

Deu errado.

O eleitor de Trump sabia de todos esses defeitos. Talvez ele até se importasse com esses problemas. Mas o fato da denúncia partir do campo oposto foi um fator de mobilização – saber que o outro lado achava eles detestável foi combustível para aumentar o apoio ao Trump. Nenhum momento foi mais emblemático dessa capitalização em cima do sentimento de desprezo do lado oposto do que o comentário de Hillary Clinton sobre a “sacola de deploráveis”.

Semana passada o Ciro Gomes fez algumas considerações, no mínimo, interessantes, comparando Bolsonaro ao Hitler e afirmando que tem muito nazista no Sul. Vocês podem imaginar que a declaração não foi recebida de forma particularmente efusiva nos circuitos políticos ao sul do Brasil. A hashtag “elenão” foi imediatamente respondida com uma “elesim”, e eu fico pensando se colocar pessoas na rua gritando palavras de ordem provavelmente não vai mobilizar o voto pró-Bolsonaro ainda mais.

Assim como Trump, Bolsonaro se beneficia de atavismos, da ideia de nós-contra-eles.

Eu ficaria muito surpreso em ver algum caso de mudança de opinião política ou voto com base em hashtags. O instrumento pode ser ótimo para motivar um grupo, mas não vai tirar votos do Bolsonaro. Acreditar nisso é ir contra toda a evidência que a gente tem em campanhas parecidas ao redor do mundo. Mesmo em caso em que, eventualmente, os candidatos de extrema-direita perdem a eleição executiva (como na Suécia, ou na França), o crescimento de partidos dessa natureza e a normalização da presença deles como força política tem se consolidado em tudo que é lugar. O Bolsonaro não é diferente. Assim como Trump, ele se beneficia de atavismos, da ideia de nós-contra-eles. Uma espécie de vanguarda imune às manipulações do politicamente correto agrega esse eleitor talvez mais até do que o antipetismo.

Acreditar que um movimento dessa natureza vai comover quem já decidiu o voto por Bolsonaro reflete uma falta de empatia com esse mesmo eleitor – uma incompreensão da visão de mundo desse camarada. Mesmo que todos eleitores do Bolsonaro não sejam fascistas malucos sedentos pela volta de uma ditadura violenta, declarar simpatia ou aderência ao Bolsonaro é o equivalente a dizer que todas as outras alternativas não servem mais. Para esse sujeito essas manifestações chegaram tarde demais. É ingênuo pensar quem já decidiu e declarou o voto no Bolsonaro vai mudar de ideia porque viu o vídeo de uma manifestação ou uma hashtag na internet.

O valor dessas manifestações é o de mostrar uma agitação democrática, uma ocupação do espaço público e uma mobilização de uma população que se vê particularmente vulnerável diante do crescimento da extrema-direita brasileira. Talvez essas manifestações consigam capturar alguns indecisos, mas também vale perguntar se quem está indeciso, até agora, no contexto dessa eleição, ainda vai votar. Minha aposta é que os eleitores que permanecem indecisos, até agora, vão, na grande maioria, votar nulo ou ir fazer um churrasco com os amigos na hora de comparecer à urna. Existe um número pequeno de pessoas que ainda pode ser “capturado” nessa eleição, ainda mais no primeiro turno.

Uma direita decente, racional e que rejeita discursos autoritários no Brasil parece ser uma ficção.

Então, tem um cenário de queda do Bolsonaro capaz de tirar ele do pleito ainda no primeiro turno?

Talvez. Mas é muito pouco provável. Se acontecer, não vai ser por qualquer motivo que nós, analistas políticos, somos capazes de prever. O foco de quem quer derrotar o Bolsonaro já deve se mover para o segundo turno – imediatamente – e, creio eu, tem que deixar de lado a fé cega em um derretimento do candidato, em teto eleitoral ou qualquer coisa parecida.

A eleição no segundo turno vai ser complicada. O poder de agregação do Bolsonaro, especialmente no nível micro, nas periferias, nas igrejas neopentecostais, em todo tipo de associação – desde o pessoal que joga bola junto até a galera que vai no rolê sertanejo universitário no final de semana –é muito alto. E a repulsa à candidatura do Haddad, em círculos conservadores e às vezes nem tanto, deve nos fazer acordar para algo que essa eleição tem deixado muito claro: a ideia de uma direita decente, racional e que rejeita discursos autoritários no Brasil parece ser uma ficção.

Se a tendência apontada pela pesquisa Ibope de hoje se confirmar, Bolsonaro e Haddad chegarão no segundo turno com alta rejeição. Dificilmente há tempo para um factoide novo tirar qualquer um dos dois candidatos do segundo turno. E daí a estratégia de Bolsonaro é clara: agregar os votos desse movimento conservador, com claras características neointegralistas, que vem tomando forma nos últimos 12 anos. Ao Haddad restará confiar que uma mensagem antiautoritária e progressista, junto com o impacto dos programas sociais dos oito anos do governo Lula, irão bastar para frear o movimento representado por Bolsonaro – ao menos nas urnas.

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