Mehdi Hasan

“Trump holandês” é pior do que o original

Partido de extrema direita liderado por Geert Wilders, que pretende erradicar o Islã, pode vencer as eleições parlamentares holandesas na semana que vem.

KOBLENZ AM RHEIN, GERMANY - JANUARY 21:   Geert Wilders, leader of the Dutch PVV political party speaks at a conference of European right-wing parties on January 21, 2017 in Koblenz, Germany. In an event hosted by the Europe of Nations and Freedom political group of the European Parliament, leading members of the Front National of France, the Alternative for Germany (AfD), the Lega Nord of Italy, the Austria Freedom Party and the PVV party of the Netherlands are meeting for a one-day conference. France, the Netherlands and Germany all face national elections this year and in each case right-wing populists are in a strong position. (Photo by Thomas Lohnes/Getty Images)

Tenha pena dos holandeses, se puder. O partido liderado por um populista de extrema-direita, anti-Islã e anti-imigrantes, chamado Geert Wilders está prestes a receber a maioria dos votos nas eleições parlamentares holandesas que serão realizadas na semana que vem. Mas os jornalistas que apelidaram Wilders de “Trump holandês” e “Donald Trump dos Países Baixos” devem  desculpas ao presidente dos EUA.

É verdade, Wilders está concorrendo como um desconhecido que quer “fazer da Holanda um grande país novamente” e insulta seus adversários no Twitter. É verdade, ele foi elogiado por diversos conservadores americanos de extrema direita, desde os legisladores republicanos Michele Bachmann e Steve King até os ativistas “anti-jihad” Frank Gaffney e David Horowitz. E, é verdade, ele usa um penteado bufante oxigenado.

Contudo, quando se trata do Islã e de muçulmanos, o espalhafatoso líder do Partido pela Liberdade faz o presidente dos Estados Unidos parecer moderado. Enquanto Trump tenta proibir a entrada de imigrantes de seis países de maioria muçulmana; Wilders quer proibir a imigração de todos os muçulmanos. Enquanto Trump planeja vigiar mesquitas; Wilders quer proibi-las. Trump afirma que vai erradicar o “terrorismo islâmico radical” da “face da terra”; Wilders quer erradicar o Islã, e ponto.

Acha que estou exagerando? Wilders defende que o Islã “não é uma religião, é uma ideologia (…) a ideologia de uma cultura atrasada”, uma ideologia “totalitária”. “O Islã é o cavalo de Troia da Europa”, declarou. “Se não impedirmos a islamificação agora, a [criação] da Eurábia e da Holandarábia serão apenas uma questão de tempo. Na opinião do político holandês, “não existe ‘Islã moderado’”.

Veja também esse tweet do ano passado: “#2017em3palavras: Islã nunca mais”.

Islã nunca mais? Como se livrar de uma religião sem se livrar de seus 1,6 bilhão de adeptos? Essa é pura e simplesmente a linguagem do genocídio. Wilders sempre alegou odiar o Islã, e não os muçulmanos, mas seus ataques explícitos a instituições e imigrantes muçulmanos sugerem o contrário.

Trump pode ter se cercado de ideólogos anti-Islã, mas Wilders é o próprio ideólogo anti-Islã e, de acordo com seu irmão mais velho Paul (com quem não mantém contato), é assim há muito tempo. Wilders visitou um kibutz em Israel no fim de sua adolescência, e as mais de quarenta visitas subsequentes ao Estado judaico ajudaram a convencê-lo de que o Islã pretende “dominar” a civilização ocidental.

Há também outra diferença fundamental e muito importante entre Wilders e Trump. Perguntei à ex-deputada holandesa Fadime Orgu, que conheceu Wilders quando ambos eram membros do Partido Popular pela Liberdade e Democracia (VVD), partido de centro-direita, entre 1998 e 2004, sobre as constantes comparações entre Wilders e Trump na mídia. “Ele não é como Trump”, riu Orgu, uma das primeiras muçulmanas eleitas para o parlamento holandês. Wilders, diz ela, é um “político de verdade” — o terceiro mais antigo no parlamento holandês —, além de ser “esperto”.

De fato. Ao contrário de outros incitadores de extrema-direita, Wilders disfarça sua intolerância anti-muçulmanos por meio da linguagem do liberalismo e do Iluminismo. O demagogo holandês conquistou eleitores de esquerda defendendo que as posições tolerantes na Holanda com relação às questões sociais, como casamentos homoafetivos, estariam ameaçadas devido a uma “invasão islâmica”.

Mas sua ligação com o liberalismo é superficial e oportunista. Como é possível apoiar a liberdade de expressão e defender a proibição do Alcorão ao mesmo tempo? Como é possível apoiar a liberdade religiosa e, ao mesmo tempo, prometer fechar todas as mesquitas? Como é possível alegar estar combatendo o extremismo islâmico em nome dos direitos de homossexuais e ser aliado de Marine Le Pen na França e Matteo Salvini na Itália, ambos contrários aos direitos de homossexuais?

E como é possível alegar não ser racista ou xenófobo ao mesmo tempo que difama e ameaça imigrantes do Marrocos e seus filhos nascidos na Holanda? Wilders lançou sua candidatura em fevereiro acusando a “escória marroquina” de tornar as “ruas inseguras”. Pouco antes disso, em dezembro, um tribunal de Amsterdã o julgou culpado por insultos públicos e incitação da discriminação em declarações realizadas em um comício em março de 2014. Winston Ross do site Newsweek descreveu a ocasião em um perfil de Wilders:

Protegido por dois guarda-costas, [Wilders] se dirigiu a um pequeno pódio com “Eye of the Tiger” tocando em um equipamento de som barato, acompanhado de aplausos escassos. “Pergunto a todos vocês”, disse apontando para a plateia, “vocês querem mais ou menos marroquinos nesta cidade e na Holanda?” A plateia respondeu em coro animado, “menos, menos, menos!”. Wilders sorriu e disse “então, que isso seja providenciado”.

De novo, essa não é a linguagem do genocídio?

Wilders insiste que não estava defendendo a violência. No entanto, palavras geram consequências, e o discurso de ódio pode levar a crimes de ódio. Veja Anders Breivik, o autodenominado fascista que assassinou 77 pessoas na Noruega em 2011 como parte de sua “guerra civil” contra a “islamização contínua da Europa”. Breivik mencionou Wilders em tom de aprovação 30 vezes em seu manifesto on-line e parece ter comparecido a um comício de Wilders. Wilders pode ter chegado a criticar o crime de Breivik, mas também o reconheceu como um companheiro ideológico implicitamente quando o criticou por ter distorcido “de forma violenta” os “ideais libertários anti-islamização”.

Assim como nos EUA, no Reino Unido e (ao que tudo indica) na França, a “anti-islamização” é uma plataforma eleitoral eficaz na Holanda. Surpreendentemente, o partido de Wilders está empatado nas pesquisas com o Partido pela Liberdade e Democracia do primeiro ministro Mark Rutte. Será que o “Capitão Oxigenado” pode infringir um dos maiores abalos políticos à Europa desde a Segunda Guerra Mundial e conquistar o governo holandês? Por enquanto, todos os grande partidos políticos holandeses se comprometeram a não formar um governo de coalizão com o partido de Wilders. Cas Mudde, professor da Universidade da Geórgia e especialista em populismo, disse que, dessa forma, é “improvável” que Wilders se torne primeiro ministro na próxima quarta-feira , mas admite que “tudo é possível”.

Mesmo que não se torne primeiro ministro, Wilders já foi bem-sucedido em forçar a Holanda – e por associação, a União Europeia como um todo – à extrema-direita em pontos como Islã e imigração. “Por muito tempo, Wilders pôde definir a agenda política holandesa”, observou Mudde. Em Janeiro, por exemplo, em uma tentativa explícita de impressionar eleitores de Wilders, o primeiro ministro Rutte publicou uma propaganda ocupando uma página inteira nos jornais pedindo que as pessoas que “se recusam a se adaptar e que criticam nosso valores” a “ se comportarem de forma normal ou irem embora”. Por todo o continente, assim como do outro lado do Atlântico, políticos de todo o espectro político começaram a seguir seus passos e se apropriar de sua cartilha.

Por consequência, é difícil discordar das avaliações do próprio Wilders sobre o futuro. “Mesmo se eu perder essas eleições,” disse no mês passado, “o gênio não vai voltar para a lâmpada.”

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