Milei é esperança de condenados pelo 8 de Janeiro foragidos na Argentina

Viva la impunidad, c...!

Milei é esperança de condenados pelo 8 de Janeiro foragidos na Argentina

Cartas Marcadas

Parte 24

Cartas Marcadas é uma newsletter semanal que investiga a ascensão da extrema direita, as ameaças à democracia e os bastidores do poder em Brasília.


Buenos Aires, 27 de fevereiro de 2025. Eram 8 horas da manhã quando avistei, em uma das mais movimentadas avenidas da capital da Argentina, um homem condenado a 16 anos e meio de prisão por envolvimento na tentativa de golpe de estado no Brasil.

Não era só isso. Em volta daquele homem, que trabalhava tranquilamente abordando pedestres na tentativa de vender passeios turísticos, dezenas de viaturas da Polícia Federal Argentina faziam uma operação em torno do prédio do Ministério da Educação.

Mas a condenação no Brasil ou a presença policial na Argentina não pareciam colocar medo em Josiel Gomes de Macedo — condenado por, entre outras acusações, ter ateado fogo em uma viatura da Polícia Legislativa Federal no fatídico 8 de Janeiro.

Depois da reportagem em que revelei seu paradeiro, talvez você saiba o que houve: fui alvo de uma enxurrada de ameaças de morte, perseguição e violência física, além de ter meus dados pessoais e os de meus familiares vazados por políticos e militantes bolsonaristas.

Talvez você diga: “Paulo, foi por uma boa causa”. Afinal, Josiel e as outras dezenas de condenados na Argentina devem ter sido presos e extraditados desde então. Ledo engano. Não houve absolutamente nenhum avanço na responsabilização dos foragidos.

Até aquela altura, apenas cinco bolsonaristas estavam presos no país vizinho e 61 eram alvo de pedidos de extradição. Tudo continua igual. Josiel está solto e, até agora, nenhum condenado foi extraditado. Mas nesta semana, finalmente, as coisas podem começar a mudar.

Nesta edição de Cartas Marcadas, convidei o repórter argentino Facundo Iglesia para contar o atual estado de coisas da colônia golpista do Brasil em terras argentinas.

A partir de amanhã, começa o julgamento da extradição dos cinco bolsonaristas que estão presos. Mas nem isso parece ser motivo de alento. Afinal, caberão recursos à Suprema Corte da Argentina e, por fim, a Javier Milei. E tem mais: cerca de uma centena segue vivendo no país sem ser incomodada pela polícia. Vamos aos fatos.


No dia 8 de janeiro de 2023, a especialista em marketing digital Ana Paula de Souza saiu de Florianópolis, em Santa Catarina, para integrar a horda bolsonarista que invadiu o Palácio do Planalto durante o ataque à Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A viagem não terminou bem. A Polícia Militar do Distrito Federal prendeu Ana Paula dentro do Palácio do Planalto. Liberada para responder o processo judicial em liberdade, agora ela está detida na Argentina. Eu tive autorização para entrevistá-la e perguntei o que levou ela a fazer parte do 8 de Janeiro.

Ana Paula afirmou que apenas exigia transparência no sistema de votação. “É meu direito constitucional. Eu achava que o Brasil era uma democracia. Por que não posso questionar?”, ela me perguntou.

Depois de ser condenada pelo STF a 14 anos de prisão, Ana Paula contou que, em fevereiro de 2024, rompeu sua tornozeleira eletrônica e fugiu para a Argentina, onde entrou como turista. Segundo ela, ninguém a ajudou: só contou à família onde estava depois que chegou.

Há mais de 100 brasileiros, condenados ou acusados por participação na tentativa de golpe, que tomaram a mesma decisão, confiando que o governo de Javier Milei, um grande aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, os receberia de braços abertos.

Apenas em 2024, 181 brasileiros solicitaram asilo político na Argentina por meio da Comissão Nacional de Refugiados, a Conare. Mas, em novembro de 2024, o juiz federal Daniel Rafecas ordenou a prisão de 61 condenados pelo golpe que estavam no país. No mesmo mês, cinco deles, entre eles Ana Paula, foram presos.

A audiência que decidirá a extradição deles acontece na próxima quarta-feira, 3. O desfecho será decisivo não apenas para os cinco bolsonaristas, mas também para a já delicada relação entre a Argentina de Javier Milei e o Brasil do presidente Lula.

O julgamento da extradição, inicialmente marcado para 18 de junho pelo tribunal de Rafecas, já foi adiado três vezes. A primeira porque coincidia com uma marcha convocada por apoiadores da ex-presidente Cristina Kirchner; a segunda porque o governo brasileiro solicitou ser parte no processo; e a terceira porque um dos advogados dos presos pediu a suspeição do juiz, sem consultar o restante das defesas.

“Eles nos torturam, marcam uma data e cancelam um dia antes como se nada tivesse acontecido, sempre com desculpas absurdas”, disse Ana Paula, de dentro da Penitenciária de Ezeiza, onde está presa há um ano.

Além dela, serão julgados Joelton Gusmão de Oliveira (condenado a 17 anos), Rodrigo de Freitas Moro Ramalho (14 anos), Joel Borges Correa (13 anos) e Wellington Luiz Firmino (17 anos). Após a audiência, o tribunal terá três dias úteis para definir a sentença.

Caso a extradição seja aceita, resta ainda um recurso à Suprema Corte argentina. Depois disso, a decisão final cabe ao Poder Executivo — ou seja, a Javier Milei.

Também ouvi a advogada Carla Junqueira, que defende Ana Paula e Rodrigo Moro. Ela afirma que “o Brasil não respeitou o devido processo legal” nos julgamentos do 8 de Janeiro. Segundo ela, houve “desproporção na dosimetria das penas” e “influência política nas condenações”.

Mas fontes do Judiciário argentino discordam. “São condenados com sentença definitiva do tribunal máximo do Brasil. Além disso, fugiram para evitar a pena”, afirma uma das fontes, acrescentando que os crimes atribuídos a eles também existem na legislação argentina, o que viabiliza a extradição.

Publicamente, o governo argentino evita se manifestar. Embora um advogado próximo a Milei defenda um dos bolsonaristas presos, o presidente nunca se pronunciou diretamente sobre o assunto.

Nos bastidores da diplomacia brasileira, a leitura é de que os cinco presos estariam sendo usados como “bodes expiatórios” como uma maneira de preservar, ao mesmo tempo, laços comerciais com o Brasil e relações com o bolsonarismo.

O Itamaraty avalia que a Argentina dificilmente concederá refúgio aos condenados, já que não quer ser vista como paraíso de foragidos. Mas também não confia que a polícia argentina fará grande esforço para agilizar a prisão dos foragidos que seguem no país.

Em dezembro do ano passado, o próprio Jair Bolsonaro, por meio de uma mensagem gravada enviada à Conferência de Ação Política Conservadora, o CPAC, em Buenos Aires, agradeceu a Milei por “sua recepção a essas pessoas que estão em seu país”.

Um ano depois, Ana Paula diz se sentir traída pelo governo argentino. “Se você acredita que Lula está perseguindo pessoas, e essas pessoas pedem refúgio aqui e você não faz nada, ignora, isso é uma total falta de coerência”, diz. “A Argentina, assim como os Estados Unidos, sabe muito bem o que acontece no Brasil. Não são inocentes”, afirma.

Em meio ao imbróglio, uma dúvida persiste. “Somos muitos, mais de 300 brasileiros. Por que só existem cinco presos?”, questiona a própria Ana Paula. Fontes do Judiciário argentino até afirmam que a Interpol e a Polícia Federal estão procurando os demais.

No entanto, no mês passado, três deles — Symon Filipe de Castro Albino, Daniel Luciano Bressan e Claudiomiro Rosa Soares — participaram, na Universidade de Buenos Aires, de um protesto público contra Gilmar Mendes, ministro do STF.

Durante uma palestra do magistrado, Symon Filipe de Castro Albino se levantou no meio da plateia e afirmou, com o microfone em punho, que estava sendo acusado injustamente por Alexandre de Moraes. Acredite se quiser: nem ele nem nenhum outro foi detido desde então. 

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