Publicamente, a JBS se apresenta como sustentável e lidera um grupo de empresários do agronegócio que pretende influenciar as negociações na COP30, evento que acontecerá em novembro no Pará. Mas é justamente no estado que vai sediar a chamada “COP da Amazônia” que a JBS pode estar comprando carne de uma fazenda com um histórico de desmatamento e de possível lavagem de gado, mostra um relatório do Greenpeace Brasil obtido pelo Intercept Brasil.
Naquele pedaço do Pará, entre as cidades de Marabá e Santana do Araguaia, a Amazônia quase não existe. A paisagem verde da floresta deu lugar a um grande mosaico marrom e cinza: uma savana do agronegócio.
Uma da terras que compõem esse aglomerado de destruição é a Fazenda Nova Orleans, uma propriedade que tem mais de 10 mil hectares, o equivalente a 48 vezes o tamanho do Parque Ibirapuera, em São Paulo, e maior do que o Parque Estadual da Cantareira, em São Paulo, uma das maiores florestas urbanas do mundo.
A Nova Orleans já foi autuada duas vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Mas isso pode não ter sido impeditivo para fornecer gado para a JBS, maior produtora de proteína animal do mundo.
Os documentos mostram que a Fazenda Nova Orleans conseguiu criar gado em área desmatada – portanto, ilegal –, e depois os transferiu para outra propriedade próxima, a Chácara Rancho Alegre, uma fornecedora de longa data da JBS.
Segundo o Greenpeace Brasil, a Rancho Alegre seria um hub da chamada “lavagem de gado”, um mecanismo usado para permitir que animais criados em áreas irregulares sejam transferidos para terras intermediárias antes de chegarem ao frigorífico.
Os elementos que apontam a possível triangulação
Os documentos obtidos pelo Intercept mostram que a Fazenda Nova Orleans atuaria como fornecedora de gado para a Chácara Rancho Alegre, que por sua vez, atuaria como uma intermediária, fazendo as entregas dos animais para o frigorífico JBS S/A, também localizado em Santana do Araguaia.
A Rancho Alegre tem 64 hectares e, pelos registros de movimentação de gado da propriedade, podem ter passado por lá pelo menos cerca de 4.174 animais entre 2018 e 2023, advindos de várias fazendas. Isso representa uma capacidade efetiva média na propriedade de 10,08 cabeças de gado em cada hectare ao ano. Esse cálculo considera o número de animais que saíram da propriedade por ano, dividido pelo total da área da propriedade.
O índice é muito acima da média usada pelo Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado na Amazônia, um documento aprovado pelo Ministério Público Federal, o MPF, que utiliza um índice de produtividade para monitorar o risco de que propriedades fornecedoras diretas de gado estejam triangulando animais vindo de áreas com ilegalidades ambientais.
Por meio deste índice, qualquer número acima de três cabeças por hectare ao ano é suspeito. O protocolo prevê que a propriedade deve ser bloqueada se passar o limite do índice, e o produtor precisa apresentar um documento descrevendo o sistema produtivo da propriedade que justifique a produtividade superior.
Entre dezembro de 2018 e agosto de 2023 houve vários registros de entregas da Fazenda Nova Orleans para a Chácara Rancho Alegre, somando 1.901 bois. Dados obtidos pelo Greenpeace Brasil mostram que a Chácara Rancho Alegre fez a entrega de 841 bois para o frigorífico da JBS, em Santana do Araguaia, entre maio de 2022 e março de 2023.
Outra pista está no próprio banco de rastreabilidade da Friboi, uma das marcas da JBS, que mostra que a Chácara Rancho Alegre é fornecedora da JBS desde, pelo menos, janeiro de 2018. Foram 129 entregas da Chácara Rancho Alegre para o frigorífico de Santana do Araguaia entre 2018 a 2024. Esse número, porém, não faz o detalhamento da quantidade de bois entregues.
Isso significa que todo o gado que passou da Fazenda Nova Orleans para a Chácara Rancho Alegre entre 2018 e 2023 pode ter entrado no frigorífico envolvido, segundo o Greenpeace Brasil. As movimentações e compra de gado da JBS de Santana do Araguaia continuaram entre 21 de agosto de 2023, após o último repasse da Fazenda Nova Orleans que se tem registro, até 01 de maio de 2024, conforme mostra o banco de rastreabilidade da Friboi.
Fazenda e chácara pertencem a ex-sócios com mesmo sobrenome
A Fazenda Nova Orleans foi autuada pelo Ibama em 2011 por desmatamento ilegal com uso de fogo, resultando em um embargo e multa de R$ 8,7 milhões, que depois foi baixada por prescrição da pretensão punitiva, quando o Estado perde o prazo legal de 5 anos para aplicar a sanção. Apesar disso, a área de 1,1 mil hectares seguia embargada até agosto de 2025, ou seja: não poderia ser utilizada para nenhuma atividade agropecuária, para permitir a regeneração da vegetação.
Em 2018, a fazenda voltou a ser embargada, desta vez no nome Mário Biernaski, que consta como dono da propriedade no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Pará, o Sicar. A multa referente a esta autuação, que compreende uma área de 500 hectares, já não se encontra disponível no sistema do Ibama para consulta.
Em 2013, a Nova Orleans entrou na Lista do Desmatamento Ilegal do Pará, a LDI, por suprimir 164 hectares de floresta. A propriedade também consta como inapta no sistema Selo Verde, devido a déficit de Reserva Legal e de Áreas de Preservação Permanente. O Selo Verde é uma plataforma que “subsidia o monitoramento e avaliação de políticas de desenvolvimento agropecuário sustentável e combate ao desmatamento ilegal no estado do Pará”.
No Selo Verde, também consta que houve alteração nos limites do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, da propriedade. A Fazenda Nova Orleans foi cadastrada no sistema, um registro obrigatório para todos os imóveis rurais brasileiros, em maio de 2016. Entre 2018 e novembro de 2019, os limites foram alterados.
Para o Greenpeace Brasil, essa seria uma tentativa da propriedade de não se comprometer com um desmatamento. Com uma plataforma interna, a ONG verificou que após a alteração dos limites, uma porção de desmatamento passou a constar como fora da propriedade.
A Chácara Rancho Alegre também é categorizada como inapta no Selo Verde com três ocorrências, por déficit de vegetação para fins de recomposição de áreas de Reserva Legal, desmatamento de 17 hectares e movimentação de gado e contaminação por desmatamento indireto. Apesar de a fazenda não apresentar embargos ambientais, o Greenpeace também não encontrou nenhuma licença ou autorização de desmatamento para a propriedade.
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Segundo o protocolo do MPF, caso o imóvel apresente desmatamento superior à 6,25 hectares, o frigorífico deve bloquear a compra. Logo, a JBS comprar da Rancho Alegre também iria contra o compromisso estabelecido pela empresa em 2009, que tem como critério desmatamento zero.
A Fazenda Nova Orleans pertence, de acordo com dados disponibilizados pelo Sicar, a Mário Biernaski, enquanto a Chácara Rancho Alegre tem como proprietária no registro Tania Marta de Sene Biernaski. Mário e Tania já foram sócios nas empresas Comercio de Madeiras e Laminados Catedral LTDA, extinta em 2019, e Sene & Biernaski advogados associados, encerrada em 2020.
Rumo à COP30, mas com cadeia suja e queimadas à vista
O Brasil é o maior exportador de carne bovina no mundo, mas prestes a receber a COP30 dentro de casa ainda não consegue lidar com as contradições do setor da pecuária, grande emissor de gases do efeito estufa.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, a Abiec, em 2024, o país registrou um avanço significativo nas exportações de carne bovina, atingindo 2,9 milhões de toneladas métricas e movimentando cerca de US$ 12,9 bilhões.
O crescimento foi expressivo em comparação com 2023, quando o volume exportado havia sido de 2,3 milhões de toneladas e a receita, de US$ 10,5 bilhões. Esses números reforçam a consolidação do país como o maior exportador mundial, sustentado por um rebanho de aproximadamente 196 milhões de animais. A China é o principal destino da carne brasileira, seguida pelos EUA.
Monitorar a cadeia de fornecedores, nesse contexto, é importante também do ponto de vista climático. Um relatório publicado pelo Greenpeace Nórdico em 2024 estimou que as emissões de metano da JBS rivalizam com as da ExxonMobil e Shell juntas.
“Estamos falando de um gás de efeito estufa (o metano) que é até 80 vezes mais potente que o CO₂ (dióxido de carbono) no período de 20 anos. Ou seja, a pecuária industrial brasileira está no mesmo patamar climático das grandes petrolíferas”, alerta Cristiane Mazzetti, campaigner sênior de florestas do Greenpeace Brasil e gestora ambiental pela Universidade de São Paulo, a USP.
Outro ponto de atenção, segundo ela, é o uso ilegal do fogo. Mesmo após anos de acordos e compromissos setoriais, ele ainda não é critério para restringir compras de gado, soja ou a concessão de crédito rural. “Isso é extremamente preocupante. Em um cenário de eventos climáticos extremos cada vez mais intensos, o fogo pode se espalhar rapidamente e destruir áreas enormes, além de liberar ainda mais gases de efeito estufa”, diz.
Um relatório do Greenpeace Internacional, publicado em 2021, mostrou que frigoríficos como a JBS abateram gado de fazendeiros ligados aos incêndios no Pantanal em 2020.
Para Mazzetti, os casos revelam a fragilidade dos compromissos assumidos. “O setor da carne não está cumprindo integralmente o que prometeu. Sem monitorar toda a cadeia, sem critérios rígidos sobre fogo e sem responsabilizar fornecedores, continuará permitindo a destruição da Amazônia e do Pantanal”, conclui.
Na Amazônia, o desmatamento tem como um dos sinais mais fortes as queimadas. O fogo é muitas vezes usado como estratégia para limpar a área desmatada para posterior uso da pecuária. E embora o Brasil tenha registrado queda de 65,8% nas áreas queimadas e de 46,4% dos focos de calor no primeiro semestre deste ano, há terras queimando no Sudeste paraense, onde está Santana do Araguaia.
Entre Marabá e Parauapebas, entre as manchas desbotadas de capim e a terra nua do agronegócio, saltavam aos olhos no início do mês de setembro inúmeros focos de incêndio. As colunas de fumaça desenhavam feridas no horizonte.
De cima, flagramos tanques puxados por tratores, espirrando um líquido em áreas de morro pegando fogo que não estão no perímetro da fazenda Nova Orleans e do Rancho Alegre.
Somente em 2024, de acordo com dados do MapBiomas, 30,5 milhões de hectares queimaram no bioma Amazônia, sendo mais da metade na zona de compra potencial da JBS. “Claro que não é só a JBS que está no território, mas ela é a que tem maior capacidade de abate”, diz Mazzetti.
Para o Greenpeace Brasil, o quadro é alarmante, e o governo brasileiro, às vésperas da COP30 em Belém, precisa endurecer as políticas para que os grandes frigoríficos sejam responsabilizados de ponta a ponta por suas cadeias produtivas. Caso contrário, dificilmente o país alcançará a meta de zerar o desmatamento até 2030, conforme previsto no Acordo de Paris.
A contradição entre prática e discurso da JBS
A JBS tem compromissos públicos firmados há mais de uma década a fim de evitar o abastecimento do frigorífico com gado proveniente de áreas ilegais. O mais recente deles é de 2021. Sob pressão internacional na época, a JBS anunciou metas de zerar o desmatamento ilegal na sua cadeia de abastecimento de gado na Amazônia até 2025, em todos os biomas até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2040.
A pressão veio pelo descumprimento de compromissos assumidos anteriormente. Em 2009, após denúncias do Greenpeace, a JBS assinou o Compromisso Público da Pecuária, o CPP, comprometendo-se a excluir de sua lista de fornecedores todas as fazendas que tivessem desmatado a Amazônia após outubro daquele ano.
No mesmo período, firmou também o TAC da Carne com o Ministério Público Federal, acordo que visava impedir a compra de gado de áreas embargadas ou ligadas ao trabalho escravo. Até 2011, toda a cadeia deveria estar livre de fornecedores irregulares.
Passados mais de dez anos, a realidade mostra outro cenário. Segundo o relatório “Cozinhando o Planeta” do Greenpeace, de abril deste ano, a empresa não monitora de forma eficaz possíveis fornecedores indiretos, como a Fazenda Nova Orleans, justamente os principais responsáveis por injetar gado de áreas desmatadas na cadeia formal.
Mazetti avalia que apesar de compromissos assumidos há mais de uma década, grandes frigoríficos continuam falhando em eliminar o desmatamento de suas cadeias produtivas.
Segundo ela, apesar do compromisso assinado pela JBS em 2009, “o monitoramento e bloqueio de fornecedores indiretos avançou muito pouco e tardiamente”.
Essa falha estrutural abre brechas para a lavagem de gado. “O gado criado em fazenda com irregularidades socioambientais, como áreas embargadas ou até mesmo dentro de Terras Indígenas, é transferido para uma fazenda ‘limpa’, sem pendências. Essa fazenda mistura os animais e vende para os frigoríficos, que acabam comprando gado contaminado por desmatamento e outras ilegalidades”, explica.
Outro gargalo é o não monitoramento de toda a cadeia produtiva, especialmente no elo dos fornecedores indiretos. “É justamente nesse elo que se concentra a maior parte do desmatamento e de outras irregularidades. Ao não monitorar ponta a ponta, os frigoríficos seguem contribuindo para a destruição de ecossistemas”, afirma.
Procuramos a Chácara Rancho Alegre e a Fazenda Nova Orleans, mas não obtivemos retorno. A JBS, por sua vez, disse em nota que a “Chácara Rancho Alegre está de acordo com a Política de Compra Responsável de Matéria-Prima da Companha e o protocolo setorial”, mas que, diante das informações apresentadas, bloqueou a Rancho Alegre preventivamente e solicitou esclarecimento ao produtor.
A JBS alega que o monitoramento dos fornecedores dos fornecedores – ou seja, de onde um fornecedor direto adquire seu gado – representa um desafio para todo o setor, já que a indústria não tem acesso às Guias de Trânsito Animal, as GTAs. A empresa também disse que faz o monitoramento diário via satélite de 100% de suas fazendas fornecedoras direta.
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