Moradores se unem para barrar data center do TikTok no Ceará

'ÁGUA PARA O POVO, NÃO PARA DATA CENTERS'

Moradores se unem para barrar data center do TikTok no Ceará


“Desde que eu nasci aqui, nós sofremos por água”, conta Jordana Nunes, moradora da comunidade rural do Feijão, em Caucaia, no Ceará. O sítio dela fica a 25 quilômetros do complexo industrial e portuário do Pecém, o Cipp, onde a Casa dos Ventos e o TikTok pretendem instalar um data center – galpão gigantesco com computadores superpoderosos responsáveis por processar o que fazemos na internet – que gastará 30 mil litros de água por dia. 

A chegada do data center do TikTok na região repete uma lógica já conhecida: o governo do Ceará garante água para as empresas e indústrias, usando a segurança hídrica como uma política de atração de investimentos, enquanto muitas famílias dependem de caminhões-pipa e da instalação de cisternas para ter água. “Os pobres vão ficar sem água, a zona rural vai ficar sem água e eles [data center] vão consumir bastante. Maravilha, bom demais”, ironiza Nunes. 

A reivindicação não é ocasional. A falta d’água desafia há anos comunidades indígenas e rurais em Caucaia e em São Gonçalo do Amarante, municípios atravessados pelo complexo do Pecém. Mas agora, puxados pelos indígenas Anacé, moradores se mobilizam para questionar por que a água chega para as empresas escolhidas pelo governo cearense e fica só na promessa para as comunidades. 

A mobilização, que já incluiu representações feitas junto ao Ministério Público, MP-CE, e ao Ministério Público Federal, MPF, uma carta a autoridades estaduais e federais, a ocupação pelos indígenas Anacé da sede da Superintendência do Meio Ambiente do Ceará, a Semace, em Fortaleza, e até a instalação de um outdoor na cidade, pede a suspensão do licenciamento do projeto do TikTok em Caucaia e a criação de regras nacionais para data centers.

Comunidades rurais e indígenas de Caucaia têm se unido e até exibido faixas criticando os impactos do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Comunidades rurais e indígenas de Caucaia têm se unido e até exibido faixas criticando os impactos do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

“Dezenas de indústrias foram licenciadas como se fossem a única naquele território e de maneira injusta, com a invisibilização das populações do campo indígenas e com um processo de invisibilização programático”, afirma Jeovah Meireles, professor de Geografia da Universidade Federal do Ceará, a UFC.

Mas a falta d’água está longe de ser só uma decisão de governo. Ainda mais grave é a ausência de estudos integrados que analisem o consumo de água no complexo do Cipp como um todo, e não de cada empresa ou projeto. Essa é uma das razões que faz com que, na prática, ninguém saiba ao certo qual o impacto que pode ter a chegada de uma operação do tamanho de um data center, que gasta muita água e energia.

A situação é ainda mais preocupante por conta do histórico de Caucaia. O município sofre repetidamente com eventos climáticos extremos, entre seca, estiagem e chuvas, segundo dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil e do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres. A cidade entrou em situação de emergência por estiagem e seca em 16 dos últimos 21 anos, entre 2003 e 2024. 

Em julho, o Intercept Brasil revelou, com base em um documento interno que obtivemos acesso com exclusividade, que o projeto da Casa dos Ventos e do TikTok em Caucaia pode gastar diariamente, em sua fase inicial, a mesma energia que consomem 2,2 milhões de brasileiros. Se o data center fosse uma cidade, seria a sétima que mais consome energia no Brasil. 

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Mas esses impactos sociais, econômicos e ambientais são apenas a ponta do iceberg de uma expansão desenfreada de data centers no Brasil – que ocorre sem que exista uma política nacional de regulamentação do setor e acaba, especialmente na área ambiental, dando ampla autonomia para cada estado definir regras essenciais, o que tem ocorrido em acordos a portas fechadas e sem transparência. 

O governo cearense chegou a usar a segurança hídrica como incentivo estatal para atrair empresas para o Cipp. No processo de atração de uma usina termelétrica em 2011, por exemplo, o governo assumiu como um compromisso a garantia de água para o empreendimento. Além disso, as empresas do complexo conseguiram, através de uma lei estadual de 2011, um desconto de 50% na tarifa da água.      

“O atrativo é justamente esse: água, solo e vento muito baratos”, pontua Meireles, da UFC. Segundo ele, as empresas negociam pacotes de água com a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará, a Cogerh, pagando mais barato pelo recurso.

Há dez anos, alguns vizinhos de Jordana Nunes, incluindo sua avó, acharam que tudo mudaria quando a Cagece, a companhia de água cearense, instalou relógios de água nas casas dos moradores. Os relógios estão lá até hoje, mas a água nunca chegou. “Muitos deles já arrancaram o relógio da frente das casas. Minha avó mesmo foi uma que tirou, porque perdeu a esperança”, conta. 

A diferença de tratamento entre as indústrias do Cipp e a população é um desrespeito, critica Nunes. “Do mesmo jeito que eles podem ter, a gente poderia ter também. Se chegar até nós [a água], logicamente nós vamos pagar para utilizar aquela água, como todo mundo paga”, afirma.

Um outdoor criticando o projeto do TikTok foi instalado em uma via que conecta Caucaia e Fortaleza, por iniciativa da Engajamundo, organização de jovens ativistas pelo clima (Foto Sara Café/Engajamundo)
Um outdoor criticando o projeto do TikTok foi instalado em uma via que conecta Caucaia e Fortaleza, por iniciativa da Engajamundo, organização de jovens ativistas pelo clima (Foto Sara Café/Engajamundo)

O Intercept questionou a Cagece sobre o abastecimento de água na comunidade do Feijão, onde mora Nunes. A companhia informou que “não realiza a distribuição de água nas comunidades do Feijão, Cauípe, Bolso e aldeias da Japuara, em Caucaia, pois elas não estão contempladas dentro do contrato de concessão”, e que o serviço é de responsabilidade da gestão municipal. 

Perguntamos, mais de uma vez, à prefeitura de Caucaia sobre a falta de água na comunidade do Feijão, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.  

Uma história – e problema – que se repete

A chegada do data center em Caucaia repete uma história já vista com empreendimentos do complexo do Pecém. Quando a população descobre, é tarde demais. O agravante é que o consumo de água não é adequadamente avaliado, já que muitos dos projetos, como é o caso do data center do TikTok, são submetidos a licenciamentos ambientais simplificados e individualizados – especialistas defendem que o ideal seria uma análise rigorosa considerando o porte do projeto e o fato de ele se somar a zona onde já há atividade industrial intensa.

“Quando você autoriza um licenciamento sem considerar os impactos sinérgicos e só pensando isoladamente, você não considera o acúmulo que já se tem de demandas de água, de energia, de biodiversidade, do que já foi utilizado e se utiliza”, explica Andrea Camurça, assistente social e coordenadora de incidência política do Instituto Terramar. “É como se esse empreendimento fosse instalado isoladamente e não existisse nenhum desses outros empreendimentos”, complementa. 

Quando conversei com Nunes, moradora da comunidade rural do Feijão, ela não sabia o que é nem o que faz um data center – uma dúvida comum a muitos moradores de Caucaia com quem falamos. Ao descobrir, Nunes logo questionou: “Quer dizer que os grandes vêm para lucrar e os pobres ficam à mercê?”.

Jordana Nunes, que mora em comunidade rural de Caucaia, diz que governo desrespeita a população que sofre com falta d'água ao priorizar abastecimento das indústrias do Cipp (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Jordana Nunes, que mora em comunidade rural de Caucaia, diz que governo desrespeita a população que sofre com falta d’água ao priorizar abastecimento das indústrias (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

A falta d’água que afeta a vida de Nunes não se restringe à casa dela. Quando visitamos a comunidade, o filho dela, Benjamin, de seis anos, estava há oito dias sem aula. “A cisterna [da escola] está quebrada e toda a água que coloca dentro vaza”. Sem água, as aulas foram canceladas – uma situação que é frequente, conta ela.

Nos documentos apresentados como parte do licenciamento ambiental, a Casa dos Ventos informou que o data center gastará 30 mil litros de água por dia graças a um circuito fechado, no qual a água é reutilizada. O projeto prevê a retirada da água através da perfuração de poços artesianos.

O governo federal parece não ver problema algum nisso. Igor Marchesini, assessor especial do Ministério da Fazenda que está ativamente envolvido na elaboração da política nacional de data centers, disse à Rádio Escafandro que ficou “muito impressionado positivamente, principalmente com a questão ambiental” do data center do TikTok em Caucaia e que, caso o projeto se concretize como foi apresentado à Fazenda, “vai ser um dos data centers mais sustentáveis do mundo”.

Mas não é o que dizem especialistas ouvidos pelo Intercept. Eles alertam que, para analisar o real impacto do consumo de água do data center, seria necessária uma avaliação integrada que leve em consideração as demais indústrias do Cipp, que já fazem um uso intensivo de água.

O Intercept questionou a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, a Cogerh, sobre a quantidade de água consumida pelas indústrias do Cipp. De janeiro a agosto deste ano, usuários enquadrados na categoria indústria consumiram 12 milhões de metros cúbicos de água, resultando em um faturamento de R$ 22,6 milhões para a Cogerh. Em 2024, o consumo total ficou em 25,7 milhões de metros cúbicos, com um faturamento de R$ 46,8 milhões.

Complexo industrial e portuário do Pecém, o Cipp, é onde a Casa dos Ventos e o TikTok pretendem instalar um data center (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Complexo industrial e portuário do Pecém, o Cipp, é onde a Casa dos Ventos e o TikTok pretendem instalar um data center (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

No fim de agosto, o deputado estadual Renato Roseno, do PSOL do Ceará, protocolou uma representação junto ao MP-CE em que apontou a falta de transparência e análise aprofundada do projeto do data center do TikTok. 

Sem um EIA/RIMA, estudos e relatórios de impacto ambiental mais aprofundados e detalhados, o licenciamento do projeto “careceu de análises cruciais como impactos cumulativos com outros projetos existentes ou planejados no Complexo do Pecém” e “avaliação do risco de escassez hídrica para as comunidades locais”, cita a representação de Roseno.

Segundo um relatório técnico da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Gonçalo do Amarante de 2019, a outorga do governo cearense para dois empreendimentos do Cipp, uma termelétrica e uma siderúrgica, previa o consumo de 154 milhões de litros de água por dia, 31 vezes o consumo mínimo recomendado para a população total de São Gonçalo do Amarante. 

“Sempre foi uma disputa entre a água para a sociobiodiversidade e a água para esse uso perdulário”, pontua Meireles, da UFC. “Perdulário porque é um volume bastante intenso no semiárido brasileiro, no período que nós estamos no primeiro quarto do século XXI, utilizando água dessa forma, com inequidade, com injustiça hídrica e sem a participação popular comunitária, sem consulta prévia, livre, informada”, acrescenta o professor. 

Na luta pela cisterna própria

Quando visitamos Nunes em seu sítio na comunidade do Feijão, ela estava feliz. Dali a dois dias, veria realizado um sonho de 10 anos: ter uma cisterna. Beneficiada pelo programa Cisternas, do Esplar, uma organização de sociedade civil que atua no semiárido nordestino, ela se disse ansiosa. “Dez anos não são dez dias”, afirmou.

O programa é uma iniciativa da Articulação Semiárido Brasileiro, a ASA, que tem sido executado ao longo dos anos com diferentes financiamentos públicos. A cisterna que beneficiou Nunes foi instalada em parceria com o governo do estado do Ceará, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Agrário.

Quando a visitamos, Jordana Nunes estava feliz porque estava a dois dias de realizar um sonho de 10 anos: ter uma cisterna (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Quando a visitamos, Jordana Nunes estava feliz porque estava a dois dias de realizar um sonho de 10 anos: ter uma cisterna (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

Até então, Nunes tinha dois tambores – anéis de concreto empilhados – em casa que eram abastecidos por caminhões-pipas enviados pela prefeitura de Caucaia. Dados do Atlas dos Desastres, de maio de 2023, mostram que, na época, o município investia cerca de R$ 52 mil por mês no programa – questionamos à prefeitura quanto é aplicado hoje, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

O apoio é limitado a um caminhão-pipa de 16 mil litros por mês para cada casa. Como Nunes não tinha ainda uma cisterna que armazenasse esse volume, ela só podia ficar com o que coubesse na hora da entrega – e, se precisasse de mais, a única saída seria fazer um novo pedido e torcer para ser atendida.

Antes dos tambores, ela tinha que buscar água em um cacimbão que fica a mais de um quilômetro de distância da sua casa, às vezes de bicicleta, às vezes a pé, carregando um balde de 50 litros de água em um carrinho de mão. Tanto esforço resultou em uma hérnia de disco causada por carregar peso em excesso. 

Para Alexandre Carneiro, técnico de campo da Esplar, há uma contradição grande no atendimento de moradores de comunidades como a que Nunes vive. O programa inicialmente foi pensado para atender moradores do interior do Ceará, que vivem no sertão, longe das grandes cidades. 

Mas, devido à despriorização no abastecimento por parte do governo, técnicos como Carneiro se veem atendendo famílias que vivem nas beiradas de Fortaleza e perto de um complexo industrial que tem água garantida, explica. 

“Você está percebendo a contradição? A necessidade de escavação de uma cisterna para acumular água da chuva enquanto está chegando água só Deus sabe de onde para alimentar o complexo industrial e portuário do Pecém. É desigual”, diz ele.

Comunidade rural do Feijão, em Caucaia, no Ceará (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Comunidade rural do Feijão, em Caucaia, no Ceará (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

“A gente vê uma ausência do estado ao passo que a serventia da água para beber vem através da cisterna. O estado, quando se mobiliza para trazer água para cá, traz um volume gigantesco. É para produção de energia, para produzir hidrogênio verde, para uma siderúrgica e agora para a instalação do data center”, destaca Carneiro. “É muito evidenciada a questão do racismo ambiental nesse território, muito evidenciada”, complementa. 

A falta de água para moradores como Nunes não é só resultado da semiaridez, se não de uma má gestão de água. “Nós não estamos falando de seca, nós estamos falando de má gestão e de violação e negação de direitos a essas populações que agora dependem de carro pipa”, pontua Camurça. 

‘Por que na beirada do rio?’

O data center do TikTok, que terá o tamanho de 20 campos de futebol, ficará a dois quilômetros do Lagamar do Cauípe, uma área de proteção ambiental e o maior espelho d’água de todo o estado do Ceará. O rio Cauípe, que abastece o lagamar, corta todo o território Anacé – “o espírito que anda sobre as águas”, dizem as histórias ancestrais do povo indígena sobre o significado do nome.

“Se é tão pouca água que eles vão usar, por que não coloca [o data center] lá distante? Por que na beirada do rio?”, questiona Roberto Anacé, cacique do povo Anacé da Terra Tradicional (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
“Se é tão pouca água que eles vão usar, por que não coloca [o data center] lá distante?”, questiona Roberto Anacé, cacique do povo Anacé da Terra Tradicional (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

“Se é tão pouca água que eles vão usar, por que não coloca [o data center] lá distante? Por que na beirada do rio? Por que em cima do território indígena?”, questiona Roberto Anacé, cacique do povo Anacé da Terra Tradicional, em Caucaia. 

A chegada do data center mobilizou os Anacé. Eles querem saber quanta água será retirada para o projeto e de onde. “A gente já tem dificuldade com água dentro da comunidade. Tem comunidade que não tem água para beber, precisa comprar caminhão-pipa para poder levar para suas casas”, conta Áurea Anacé, outra liderança da terra tradicional. 

A água extraída pelas indústrias já esteve no centro de uma “guerra” protagonizada pelos Anacé da grande aldeia Cauípe, organização separada da terra tradicional. Em 2017, após uma estiagem prolongada que secou um açude, o governo cearense decidiu que passaria a retirar água do rio Cauípe. Os indígenas acamparam às margens do rio e ingressaram com uma ação popular para barrar a medida.

Paulo Anacé, liderança da grande aldeia Cauípe, destaca que o povo indígena luta há anos para cuidar do rio Cauípe e preservar sua fonte de água (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Paulo Anacé, liderança da grande aldeia Cauípe, destaca que o povo indígena luta há anos para cuidar do rio Cauípe e preservar sua fonte de água (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

Após uma vitória em primeira instância na comarca de Caucaia, o governo estadual ganhou a liberação para usar as águas do rio depois de um recurso. “O estado veio com a seguinte história: nós te damos os poços se vocês derem a água do rio para o complexo. E aí a gente começa uma guerra dizendo que a água não é mercadoria”, afirma Paulo Anacé, liderança da grande aldeia Cauípe, em entrevista ao Intercept. 

Para além de ser meio de sobrevivência, os Anacé destacam o sentido espiritual da água presente na cosmovisão indígena. “A água para nós tem todo um complexo de informações que um branco não vai entender”, diz Paulo. “Ela não é só aquela que nos alimenta, que nos dá a vida. Ela faz parte da gente, é o nosso sagrado e corre no meio da nossa mãe, que é a Mãe Terra”, explica. 

Mobilização pede suspensão de licenciamento e regras nacionais para data centers

No dia 26 de agosto, os Anacé e diversos grupos da sociedade civil protocolaram uma representação no MPF e no MP-CE, pedindo a suspensão imediata do licenciamento do projeto do data center do TikTok em Caucaia e a anulação da licença prévia que já foi emitida pela Superintendência de Meio Ambiente do Ceará, a Semace.

Comunidades rurais e indígenas de Caucaia têm se unido e até exibido faixas criticando os impactos do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Comunidades rurais e indígenas de Caucaia têm se unido e até exibido faixas criticando os impactos do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

Um dos argumentos é que o consumo de água do data center representa risco de redução do aquífero Dunas, que já apresenta alto nível de vulnerabilidade. “Esta situação é particularmente preocupante considerando que comunidades próximas já dependem de abastecimento por carros-pipa e não possuem água encanada”, cita um trecho da ação. A representação também coloca em dúvida o consumo de água declarado pelo projeto por estar “muito abaixo dos padrões internacionais para empreendimentos similares”.

No mesmo dia que o caso foi levado ao MPF e ao MP-CE, 34 movimentos sociais reunidos na Cúpula dos Povos Nordeste encaminharam uma carta a autoridades federais e estaduais – incluindo o presidente Lula e o governador do Ceará, Elmano Freitas, ambos do PT – pedindo a suspensão de licenciamento do data center do TikTok, que o Ibama assuma o processo de licenciamento e que o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, crie uma resolução com regras específicas para licenciar data centers no Brasil.

Um outdoor criticando o projeto do TikTok também foi instalado em uma via que conecta Caucaia e Fortaleza. A iniciativa foi da Engajamundo, organização de jovens ativistas pelo clima, que almeja chamar atenção da população local e de turistas para o data center.

Um outdoor criticando o projeto do TikTok foi instalado em uma via que conecta Caucaia e Fortaleza, por iniciativa da Engajamundo, organização de jovens ativistas pelo clima (Foto Sara Café/Engajamundo)
Um outdoor criticando o projeto do TikTok foi instalado em uma via que conecta Caucaia e Fortaleza, por iniciativa da Engajamundo, organização de jovens ativistas pelo clima (Foto Sara Café/Engajamundo)

“Esse projeto traz tanto a questão do enfraquecimento dos instrumentos de proteção e do licenciamento ambiental, que já é uma prática do governo do estado do Ceará, quanto essa intensificação da insegurança hídrica e energética”, afirma Katley Ellen, ativista ambiental e articuladora do Engajamundo.

“A gente quer que essas pessoas que estão transitando entre as cidades e as pessoas que já moram lá possam ver esse outdoor e se perguntar sobre o que é aquilo e quem é a rede vizinha que está querendo encarecer a energia, além de refletir sobre os danos que o projeto pode trazer”, destaca a ativista.

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Para além da questão hídrica, os Anacé da Terra Tradicional e da Grande Aldeia Cauípe ainda denunciam que seu direito à consulta livre, prévia e informada, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, da qual o Brasil é signatário, não foi respeitado pela Semace.

Em entrevista ao Intercept, Ulisses Costa, diretor de Controle e Proteção Ambiental da Semace, disse que não houve consulta porque o território não é demarcado e homologado. “É uma área que não abrange terras indígenas homologadas ou com portaria de interdição, está em estudo”, disse Costa.

Esse ponto é contestado pelos Anacé e por especialistas. Para eles, mesmo sem demarcação, os indígenas têm direito à consulta livre, prévia e informada. Esse também é o entendimento da própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai, conforme nota enviada ao Intercept.

“Em momento algum há limitações no sentido de restringir a consulta somente a áreas demarcadas, a única orientação é que as medidas a serem implementadas venham a afetar os povos e comunidades tradicionais que lá habitam”, informou a Funai, ressaltando que esse entendimento se aplica para a terra indígena Anacé. 

Apesar disso, Costa afirmou que a Semace “irá consignar em licença que as oitivas deverão ocorrer antes da implantação do empreendimento” – o que, na prática, significa que serão feitas audiências públicas sobre o projeto com os indígenas como condicionantes para o início das obras.

O Intercept questionou MPF e MP-CE sobre o andamento das representações. O MPF disse, através da assessoria de imprensa, que a denúncia encaminhada pelos Anacé está sob análise para definir se será juntada a um procedimento já instaurado ou avançará de maneira separada.

O MP-CE informou que a representação protocolada pelo deputado estadual Renato Roseno resultou em um procedimento que tramita na 3ª Promotoria de Justiça de Caucaia e visa apurar as denúncias encaminhadas, tendo já iniciado a fase de instrução do processo. Já a representação protocolada pelos Anacé foi recebida via Ouvidoria-Geral e, conforme o MP-CE, será encaminhada à Promotoria de Justiça com atribuição para analisar o caso.

Ações dos indígenas Anacé têm impulsionado a mobilização em Caucaia para barrar o projeto do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)
Ações dos indígenas Anacé têm impulsionado a mobilização em Caucaia para barrar o projeto do data center do TikTok (Foto Iago Barreto Soares/Intercept)

Também perguntamos à Semace sobre o que farão diante do pedido de suspensão do licenciamento do projeto do TikTok em Caucaia. A autarquia informou que “não recebeu nenhuma manifestação oficial das instituições mencionadas, ressaltando que não pode se antecipar sem conhecer o teor dos documentos enviados”. 

O data center não é o primeiro empreendimento contra o qual os Anacé se mobilizam. No passado, eles já ocuparam margens de rios e até fecharam rodovias para manifestar sua discordância com projetos que adentravam seus territórios. A coragem custou caro: até agosto de 2025, sete lideranças Anacé estavam no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, segundo informação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, diante de ameaças e risco de morte.

“No passado, eles nos matavam e expulsavam para dizer que não tinham indígena na terra. Hoje, eles usam a invisibilidade”, ressalta Roberto Anacé, cacique do povo Anacé da Terra Tradicional.

Atualização: 17 de setembro, 10h04
O texto foi atualizado para incluir o posicionamento da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, a Cogerh.

2026 já começou, e as elites querem o caos.

A responsabilização dos golpistas aqui no Brasil foi elogiada no mundo todo como exemplo de defesa à Democracia.

Enquanto isso, a grande mídia bancada pelos mesmos financiadores do golpe tenta espalhar o caos e vender a pauta da anistia, juntamente com Tarcísio, Nikolas Ferreira, Hugo Motta e os engravatados da Faria Lima.

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