Israel mente sobre a fome em Gaza.

Israel mente sobre ajuda humanitária, e New York Times repete

Israel tenta justificar a fome em Gaza e o bloqueio dizendo que o Hamas rouba ajuda humanitária. O New York Times repete sem questionar.

Israel mente sobre a fome em Gaza.

O New York Times repetiu mais de vinte vezes as acusações infundadas de Israel de que o Hamas estaria roubando ajuda humanitária, até que suas próprias fontes refutaram o argumento, segundo uma análise do Intercept dos EUA. Enquanto isso, a população palestina vem sofrendo com a fome em massa e arriscando a vida para encontrar comida em meio ao bloqueio de Israel.

Durante seu bloqueio quase total à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, Israel alega reiteradamente que o Hamas rouba os suprimentos, e que restringir esse acesso ajudaria as duas partes a chegarem a um cessar-fogo. Os EUA e Israel usaram esse argumento em maio, quando transferiram as operações de distribuição de ajuda para a Fundação Humanitária de Gaza, GHF, uma controversa organização estadunidense sem fins lucrativos que canaliza os habitantes de Gaza para centros de distribuição restritos onde o exército israelense repetidamente abre fogo contra civis famintos. A cada vez, o New York Times publicou diligentemente as justificativas oficiais.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Então, semana passada, o Times publicou uma matéria no domingo, relatando que “não há provas” de que o Hamas estivesse roubando ajuda humanitária da ONU, citando quatro fontes anônimas israelenses. A matéria observava que o sistema de ajuda humanitária da ONU, que fornecia a maior parte da ajuda em Gaza, era “essencialmente eficaz”, e que não havia indícios de que o Hamas regularmente roubasse da ONU, embora as fontes não identificadas alegassem que o Hamas teria roubado de organizações menores.

Porém, nas 61 matérias relacionadas à crise da fome em Gaza que o NYT publicou desde janeiro, 23 incluíam as acusações de Israel de que o Hamas estaria roubando os suprimentos. Nove dessas matérias não incluíram contrapontos que refutassem as alegações israelenses. Doze das 61 matérias analisadas pelo Intercept mencionam a preocupação de que o Hamas estivesse desviando a ajuda, sem fazer uma acusação explícita. Até o momento de publicação deste artigo, o Times não havia incluído uma correção ou atualização nessas matérias para indicar que as alegações eram falsas.

Nenhuma das matérias fornecia qualquer evidência que fundamentasse as acusações, a não ser os comentários de autoridades israelenses, que trabalham para um governo que reiteradamente espalha desinformação, inclusive sobre seus recordistas ataques fatais contra jornalistas, trabalhadores humanitários, e crianças.

Em um comunicado ao Intercept, o representante do New York Times, Charlie Stadtlander, disse que os jornalistas do periódico fizeram “uma profunda investigação jornalística nas ações e táticas de Israel e do Hamas durante a guerra, e continuarão a investigar intensamente a publicar fatos”.

“O Times vem cobrindo a guerra em Gaza de forma profunda, justa e precisa desde o início, incluindo as dificuldades enfrentadas pelos habitantes de Gaza e a escassez de alimentos, e quando autoridades do governo apresentam alegações e acusações, nossos repórteres as contextualizam”, disse Stadtlander.

Mesmo antes da publicação da matéria do New York Times, organizações de ajuda humanitária presentes em Gaza já haviam refutado diversas vezes as alegações de roubo de ajuda feitas pelo governo israelense.

A agência da ONU encarregada da distribuição de ajuda humanitária em Gaza, a Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo, ou UNRWA, sustenta há meses que não recebeu nenhuma comprovação específica de que o Hamas ou outros grupos armados estivessem desviando sua ajuda humanitária em Gaza.

“Essas alegações são usadas como pretexto para justificar o sistema de distribuição de ajuda apoiado pelas autoridades israelenses e pelos Estados Unidos da América (chamado de GHF), que fica muito longe de cumprir os princípios humanitários e o direito internacional humanitário”, disse um porta-voz da UNRWA em um comunicado ao Intercept dos EUA.

O bloqueio ilegal de Israel em Gaza já sujeitou 500 mil pessoas –– quase um quarto da população do território ocupado –– a condições próximas à fome, segundo o mais recente Alerta da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar. O restante da população está enfrentando níveis emergenciais de fome, e todas as crianças com menos de 5 anos correm risco de subnutrição ajuda.

O bloqueio do governo israelense e a fome que ele desencadeou já mataram mais de 100 palestinos, segundo o Unicef. 80% deles eram crianças.

A UNRWA diz ter milhares de caminhões aguardando na Jordânia e no Egito, que poderiam reforçar a ajuda aos palestinos e evitar mortes pela fome. Mas o presidente dos EUA, Donald Trump, em vez de retomar o financiamento à UNRWA –– que foi encerrado no ano passando pelo ex-presidente Joe Biden –– decidiu apoiar a GHF, mesmo depois que soldados israelenses mataram milhares de pessoas que buscavam ajuda em seus centros de distribuição, desde o final de maio.

Quando a catástrofe da fome começou a atrair manifestações de repúdio internacionais, Israel declarou que permitiria lançamentos aéreos de ajuda em Gaza –– uma estratégia que as organizações de direitos humanos consideram perigosa e ineficaz. A Al Jazeera noticiou na semana passada que 11 palestinos ficaram feridos depois que um palete caiu diretamente sobre as barracas de pessoas desabrigadas.

No mês passado, a organização International Crisis Group publicou um relatório intitulado “O Experimento da Fome em Gaza”, que revelou que, embora o Hamas possivelmente extraia algum faturamento, auditorias já mostraram que menos de 1% do auxílio foi perdido em razão de roubo. Autoridades humanitárias e habitantes de Gaza disseram ao grupo que a gangue Abu Shabab, armada por Israel, tem sido “o saqueador mais frequente” durante a guerra em Gaza. Nas últimas semanas, surgiram outros relatórios que contestam as acusações de que o Hamas estaria desviando ajuda, publicados pela agência estadunidense USAID, pela Comissão Europeia, e pela imprensa israelense.

‘Apesar da comprovação robusta, o New York Times continuou a repetir as acusações de Israel.’

A Reuters noticiou na semana passada que a análise da USAID constatou que, dos 156 incidentes relatados de roubo ou perda de suprimentos financiados pelos EUA entre outubro de 2023 e maio de 2025, pelo menos 44 estavam relacionados a ações dos militares israelenses.

Apesar da comprovação robusta, o New York Times continuou a repetir as acusações de Israel, como em 10 de julho, 26 de junho e 17 de junho, já depois da publicação do relatório do ICG. O Times também publicou uma matéria na semana passada que incluía declarações de Trump alegando que o Hamas estaria roubando ajuda humanitária. A matéria não esclarecia que nenhum indício havia sido apresentado para comprovar essa acusação.

Análises e investigações anteriores do Intercept revelaram que o New York Times e outros veículos tradicionais já demonstraram um viés contrário aos palestinos.

Em abril de 2024, o Intercept publicou uma matéria sobre um documento interno do NYT que orientava os jornalistas a restringirem o uso dos termos “genocídio” e “limpeza étnica”, e a “evitarem” usar a expressão “território ocupado” para descrever terras palestinas. O memorando também instruía a não usar a palavra “Palestina” e a evitar o termo “campo de refugiados” para descrever regiões de gaza historicamente ocupadas por palestinos desabrigados, embora a ONU reconheça essas áreas como campos de refugiados, e elas abriguem centenas de milhares de refugiados registrados.

Uma análise quantitativa da cobertura dos jornais New York Times, Washington Post e Los Angeles Times sobre as primeiras seis semanas do conflito mostrou um viés consistente contra os palestinos, revelando que os principais jornais dos EUA enfatizavam desproporcionalmente as mortes israelenses no conflito; usavam linguagem emotiva para descrever as mortes de israelenses, mas não de palestinos; e ofereciam cobertura desequilibrada de atos antissemitas nos EUA, ao mesmo tempo em que praticamente ignorava o racismo islamofóbico na esteira do 7 de outubro. Ativistas pró-Palestina acusam grandes veículos de serem parciais em favor de Israel, e já protestaram na sede do New York Times, em Manhattan, contra a cobertura do jornal sobre Gaza.

Como outros veículos de imprensa tradicionais, o Times frequentemente minimiza os comentários genocidas das principais autoridades israelenses propondo a punição coletiva dos palestinos, além de omitir que o uso de fome como arma de guerra é uma violação do direito internacional.

Israel Katz, ministro da Defesa de Israel, alertou já em 11 de outubro de 2023 que o regime “continuará a apertar o cerco até que a ameaça do Hamas contra Israel e o mundo seja removida”. Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, disse uma semana depois que “a única coisa que deveria entrar em casa são centenas de toneladas de explosivos da força aérea, e nem um grama de ajuda humanitária”.

“Ninguém no mundo nos permitiria matar de fome dois milhões de pessoas, embora isso possa ser justificado e moral para libertar os reféns”, disse no final do ano o ministro da Economia de Israel, Bezalel Smotrich. E na semana passada, o ministro do Patrimônio israelense, Amichai Eliyahu, declarou em uma entrevista de rádio que seu governo “está se apressando para que Gaza seja exterminada”, descrevendo os palestinos como nazistas doutrinados.

“Não há fome em Gaza”, disse Eliyahu, minimizando os relatos de fome como propaganda anti-Israel. “Mas não precisamos nos preocupar com a fome na Faixa de Gaza. Deixe que o mundo se preocupe com isso.”

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.

É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
E é por isso que não podemos parar.

Nosso jornalismo é sustentado por quem acredita que informação é poder.
Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.

Apoie o Intercept Hoje

Entre em contato

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar