Jair Bolsonaro acordou nesta segunda-feira, 4, livre, sendo apenas ex-presidente da República. Terminou o dia em prisão domiciliar. Seguirá usando tornozeleira eletrônica, está proibido de receber visitas que não sejam de advogados e familiares próximos e teve todos os celulares de sua casa recolhidos pela Polícia Federal. O motivo é um só: reincidência.
Não há exagero na palavra. Reincidência. Bolsonaro infringiu, mais uma vez, as regras impostas pelo Supremo Tribunal Federal, o STF – e o fez de maneira deliberada, cínica, quase desafiadora. Mesmo proibido de usar redes sociais, quis seguir protagonista da cena política virtual por meio dos perfis de seus filhos.
Em uma operação que mistura desobediência calculada e esperteza de adolescente, Bolsonaro achou que poderia burlar o Judiciário se não fosse ele, com os próprios dedos, a apertar “publicar”.
Mas a decisão do ministro Alexandre de Moraes não se resume a um tecnicismo sobre contas em redes sociais. O despacho é direto ao qualificar a gravidade do que foi feito: o conteúdo veiculado por Bolsonaro, através dos filhos, tinha “claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao STF e apoio ostensivo à intervenção estrangeira no Poder Judiciário brasileiro”.
Em outras palavras, o ex-presidente voltou a flertar com a sabotagem institucional e tentou internacionalizar sua cruzada autoritária, justamente num momento em que os Estados Unidos impuseram sanções contra Moraes.
Não há como dissociar a prisão domiciliar decretada nesta segunda dos episódios anteriores: o 8 de Janeiro, os decretos de golpe, as reuniões golpistas no Alvorada, as joias sauditas contrabandeadas, os ataques sistemáticos à urna eletrônica, o escárnio diante das mortes na pandemia. Tudo isso é parte de um mesmo projeto de poder que continua em curso – mesmo depois da derrota eleitoral.
Desde que foi proibido de usar redes sociais, Bolsonaro não se calou. Apenas trocou de boca. Passou a usar as vozes dos filhos, das deputadas da tropa de choque, dos pastores aliados, dos youtubers ressentidos. Moraes entendeu o truque e decidiu que, se não é possível impedir Bolsonaro de falar, é preciso impedir Bolsonaro de conspirar.
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Que fique claro: o sistema de justiça brasileiro não é infalível. A Vaza Jato, publicada aqui no Intercept Brasil, mostra que ele já foi capturado por interesses políticos, manipulado por procuradores midiáticos, instrumentalizado por setores da elite.
Mas Bolsonaro tem uma habilidade rara: ele testa o limite até que não haja alternativa a não ser puni-lo. E faz isso com um misto de arrogância e tática de vitimização. Sabe que, quanto mais punido for, mais mártir será.
A prisão domiciliar de hoje é, portanto, o resultado lógico da escolha de um homem que decidiu não respeitar as regras do jogo democrático – nem mesmo as impostas por sua própria condição de investigado.
A pergunta que se impõe, diante disso, não é se Moraes exagerou. É a seguinte: o que mais seria necessário para que uma prisão fosse decretada? Até quando o Estado de Direito precisaria ser rasgado antes que o Judiciário respondesse? Bolsonaro pediu. Moraes só atendeu.
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.
Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.
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