O governo federal sofreu sua maior derrota política nesta semana. Não conseguiu aprovar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF — leia-se imposto dos mais ricos — e se viu mais uma vez nas cordas da luta política depois de ser apunhalado pelas costas.
Após costurar com as lideranças do Congresso um acordo pela aprovação do aumento do IOF, o governo Lula foi atropelado em uma votação surpresa, liderada na calada da noite pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba. Por 383 votos a 98, o decreto que aumentaria o IOF foi revogado pelos deputados.
No Senado, a votação foi simbólica, mas o presidente Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá, disse em privado que, se houvesse votação, 60 dos 81 senadores teriam aprovado a revogação. O próprio Alcolumbre promulgou a decisão e fez questão de deixar claro que se tratava de uma “derrota para o governo” que foi “construída a várias mãos”.
Poucos menos de 20 dias antes, em uma noite de domingo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros ministros do governo se reuniram com os presidentes das casas legislativas e líderes partidários. O encontro ocorreu na casa oficial do presidente da Câmara e terminou pouco antes da meia-noite.
Ao sair da reunião, Motta exaltou o acordo e disse se tratar de uma “noite histórica”. Em entrevista coletiva ao lado de Haddad e Alcolumbre, o presidente da Câmara festejou a forma como o acordo foi costurado: “Tivemos pela primeira vez uma reunião conjunta, com líderes da Câmara e do Senado e ministros”.
Toda essa empolgação com o acordo que aumentaria o imposto dos ricos não durou muito. Dias depois, Motta passou a dar declarações indicando que a boa relação com o governo em torno do tema havia azedado. Dos 383 votos que derrubaram o decreto, 242 vieram de partidos que têm ministérios no governo Lula.
Não é novidade que os critérios de governabilidade já não são mais os mesmos. Depois que o orçamento foi sequestrado pelo Congresso, não há mais garantia de que a concessão de cargos ministeriais resultará em votos no legislativo.
A gestão Lula vem acumulando derrotas acachapantes graças ao apoio dos partidos com os quais está dividindo fatias do governo. Há que se rever os fundamentos do governo de coalizão. Trata-se de uma tarefa complicadíssima. Não há soluções prontas no horizonte.
É importante lembrar que este não é um governo de esquerda. É um governo formado por uma frente ampla com partidos de centro, direita e esquerda. Este era o único caminho viável para impedir a permanência da extrema direita fascista e golpista no poder e possibilitar alguma governabilidade depois da eleição. A segunda parte não está acontecendo.
O acordo feito na casa de Motta parecia ser um respiro para o governo, mas foi uma breve ilusão. A maneira sórdida e traíra como a votação foi feita soou como uma declaração de guerra ao governo. O fato é que Lula está encalacrado: se conceder ministérios para setores da direita não está rendendo frutos para o governo, retirá-los pode ser ainda pior.
O Congresso brasileiro, comandado majoritariamente pela direita e extrema direita, sequestrou o governo. Resta saber como Lula governará nesse último ano e meio que resta para o pleito presidencial. O cenário está feio para os governistas. O movimento de Motta e Alcolumbre está claramente condicionado pelas próximas eleições.
Ficaram evidentes na apunhalada ao governo as digitais do senador Ciro Nogueira (leia-se bolsonarismo), do PP do Piauí. Apenas dois minutos depois de Motta anunciar nas redes sociais que colocaria a votação que derrubou o decreto do IOF em pauta, Ciro Nogueira compartilhou a publicação. O entrosamento é claro.
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A guinada dos presidentes das casas legislativas contou com a intervenção bolsonarista, visando as eleições de 2026. Não restam dúvidas de que a corrida eleitoral é o pano de fundo dessa movimentação. Sem poder aumentar impostos dos ricos, o governo será obrigado a buscar novas fontes de receitas.
Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, a derrubada do decreto impacta em R$ 10 bilhões a arrecadação federal. A direita e a extrema direita tentaram empurrar o governo para um beco sem saída. Para fechar as contas, o governo teria que fazer mais novos cortes no orçamento, o que inevitavelmente prejudicaria os programas sociais.
Lula e Haddad foram colocados nessa sinuca de bico faltando pouco mais de um ano para a eleição. Motta deu sinais claros de que a conversa com o governo passará a ser outra. Ele está disposto a interditar todas as ações do governo e fazê-lo sangrar até o fim do mandato. O objetivo é evidente: enfraquecer Lula para as eleições e tentar inviabilizar sua candidatura.
As comparações de Motta com Eduardo Cunha são inevitáveis. Até o dia da votação do impeachment, o governo de Dilma Rousseff foi inviabilizado ao se ver minado pelas pautas bombas de Cunha no Congresso. Não é à toa que Motta já tem sido chamado de Eduardo Cunha 2.0. O espírito golpista segue vivíssimo!
Enquanto corre para proteger o dinheiro dos ricos, a direita brasileira articula para empurrar a conta para os mais pobres e jogar esse ônus eleitoral no colo de Lula. Isso fica ainda mais nítido através da postura do deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, que resolveu adiar a entrega do parecer sobre o projeto que isenta de cobrança de Imposto de Renda os brasileiros que ganham até R$ 5 mil.
Para que pressa no momento em que o governo está sangrando em praça pública, não é mesmo? A popularidade do governo está em queda e é bom para eles que continue assim. Lula está sendo fritado pelo Centrão, conhecido também como direita brasileira, com o apoio, claro, do bolsonarismo.
Além de fritar Lula, o todo-poderoso Centrão pressiona o bolsonarismo a apresentar Tarcísio como candidato. Eles já sinalizaram que não aceitarão o jogo de cena que Jair Bolsonaro pretende fazer se colocando como candidato até o último minuto do segundo tempo.
Apesar de fazer os dois lados comerem em sua mão, o Centrão terá um lado na eleição presidencial: o da extrema direita. Os rumos que a política brasileira está tomando estão cada vez mais preocupantes para progressistas e democratas em geral. O Centrão é quem dá as cartas e todas elas estão indo para o campo bolsonarista.
O retorno do bolsonarismo golpista e fascistoide ao poder pode representar o fim da democracia como a conhecemos. O governo tem muito o que trabalhar politicamente para chegar vivo nas vésperas da eleição. Daqui até lá o Congresso atuará sob o modo sabotagem, com Hugo Motta incorporando Eduardo Cunha.
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