O massacre de Las Vegas não impulsionou a venda de armas, e o setor está decepcionado

O massacre de Las Vegas não impulsionou a venda de armas, e o setor está decepcionado

A indústria de armas há muito tempo alardeia que seu papel político e sua resposta aos massacres com armas de fogo impulsionaram os lucros.

O massacre de Las Vegas não impulsionou a venda de armas, e o setor está decepcionado

Os massacres dos últimos anos foram seguidos de um ciclo bastante previsível: os políticos americanos aumentam a probabilidade de que sejam implementadas medidas de controle de armas, e grupos financiados pela indústria de armas respondem exagerando o potencial alcance do controle, levando as pessoas a um frenesi de compra de armas. Todos os massacres são efetivamente transformados em oportunidades de lucro.

Porém, na sequência do assassinato em massa de primeiro de outubro em Las Vegas, que matou 58 pessoas e deixou 546 feridos, parece que o ciclo se rompeu. E as empresas de venda de armas e seus investidores perceberam.

A Sturm Ruger & Company, uma das maiores fabricantes de armas dos Estados Unidos, fez em primeiro de novembro sua mais recente teleconferência de discussão de resultados. Nela, Rommel Dionisio, um analista da Aegis Capital, perguntou se a indústria de armas tinha percebido algum aumento nas vendas em decorrência dos “incidentes em Las Vegas”. Mais especificamente, ele perguntou se havia ocorrido um aumento equivalente aos “picos de demanda depois de San Bernardino e Orlando, há um ano”.

Cristopher Killoy, presidente da Sturm Ruger, disse que o tiroteio de Las Vegas era “obviamente um evento muito trágico”, mas que sua equipe de vendas não havia percebido “qualquer impacto”.

Ouça aqui o trecho da discussão (em inglês):

Um diálogo semelhante aconteceu na discussão de resultados de 9 de novembro da Compass Diversified Holding, proprietária de uma empresa de acessórios para armas de fogo. Um analista perguntou a Elias Sabo, sócio da Compass, se os “recentes incidentes bastante significativos envolvendo armas de fogo” tiveram “efeito sobre a demanda”.

Sabo informou que não haviam percebido um pico de vendas. Ele comentou ainda que, no passado, “havia um tom diferente na discussão sobre o controle de armas de fogo, e não parece que seja esse o caso atualmente”. E acrescentou: “não me parece que o país esteja dessensibilizado a esse tipo de incidente, mas talvez já esteja, o que seria muito espantoso. Mas entendo que seja mais fácil atribuir isso à ausência de discussão acerca de eventuais mudanças na legislação sobre armas de fogo, que é o que eu realmente acho que ocasionou a maior parte da demanda na sequência dos incidentes a que você se refere.”

Ouça aqui esse diálogo (em inglês):

Durante o governo do presidente Barack Obama, membros do Partido Democrata propuseram mais de cem medidas para controle de armas, muitas das quais foram debatidas como respostas diretas aos massacres. A tais propostas frequentemente se seguiam declarações da National Rifle Association (Associação Nacional do Rifle, NRA), exagerando o alcance do controle de armas e alegando que verificações de antecedentes mais intensas ou limitações sobre o calibre dos rifles levariam ao confisco de armas e à agitação social.

Porém, numa clara inversão do poder político, os congressistas do Partido Republicano e o presidente Donald Trump sinalizaram logo em seguida ao massacre de Las Vegas que não iriam se mobilizar por leis mais rígidas de controle de armas. Embora alguns legisladores do Partido Democrata ainda tenham exigido reformas, seu status minoritário em Washington D.C. reduz drasticamente a probabilidade de sucesso legislativo.

Como The Intercept já noticiou, a indústria de armas há muito tempo alardeia que seu papel político e sua resposta aos massacres com armas de fogo impulsionaram os lucros. “O negócio das armas foi bastante favorecido pelo que aconteceu depois das eleições e pela tragédia de Sandy Hook”, gabou-se, numa conferência da Goldman Sachs em 2014, Ed Stack, presidente da Dick’s Sporting Goods, uma das grandes comerciantes de armas no varejo. James Debney, executivo da Smith & Wesson, ao falar na conferência do banco de investimentos Roth Capital Partners, em 2013, observou que “a tragédia em Newton e o panorama legislativo” resultaram em vendas “significativamente mais altas”. O “medo e a incerteza de que possa haver aumento no controle de armas”, ele acrescentou, “levaram muitas pessoas a comprar armas de fogo pela primeira vez”.

Depois do massacre de Las Vegas, a NRA emitiu uma declaração austera opondo-se a quaisquer novas regulações sobre armas de fogo. É de se destacar que a NRA está profundamente envolvida no modelo de negócios das empresas de armas. A Smith & Wesson, na sua discussão de resultados do ano passado, divulgou uma “contribuição de um milhão de dólares para [o fundo político da] NRA” como uma despesa operacional trimestral da empresa. Em outras palavras, as empresas de armas consideram doações à NRA como pagamentos essenciais, tão críticos quanto o pagamento de salários e outras despesas.

Foto do Título: Clientes observam uma arma longa em uma loja de armas em Merrimack, no estado de New Hampshire, em 5 de novembro de 2016.

Tradução: Deobrah Leão

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