Muitos fatores sociais, políticos e tecnológicos explicam a ascensão da extrema direita no Brasil desde meados dos anos 2000. No entanto, três promessas foram centrais para explicar sua força na esfera pública: recuperar a economia, estancar a corrupção e combater o crime.
A promessa econômica ganhou tração em função das crises vividas no final do primeiro governo Dilma Rousseff. Naquele período, o brasileiro voltou a conviver com níveis elevados de inflação, especialmente de alimentos. Também houve queda significativa nos níveis de emprego e renda, esvaziando a sensação de bem-estar e as expectativas de mobilidade social fomentadas durante os governos Lula 1 e 2.
As razões dessa crise (como de toda crise) eram múltiplas, incluindo o fim do boom das commodities e as instabilidades políticas e no ambiente de investimentos geradas pela operação Lava Jato. Mas também incluíam o intervencionismo e o que, à época, era comumente chamado de o “decisionismo” de Dilma – uma abordagem à qual o setor privado resiste, ainda que dela tenha se beneficiado depois da crise de 2008. Fato é que ficou impossível dissociar a crise de Dilma e, por extensão, do PT.
Já a promessa anticorrupção encontrou espaço em função da descoberta, em 2014, de um esquema de ilícitos de grandes proporções (a citada Lava Jato). O tema se tornou cada vez mais central pela forma como foi politizado não só pela imprensa, mas também – como depois ficou escancarado – pelo próprio juiz Sergio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol à frente da operação.
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A “corrupção” da Lava Jato (entre aspas, porque nem tudo era propina) não era uma exclusividade do PT. Alcançava praticamente todos os partidos – e, inclusive, individualmente, muitos dos políticos que faziam discursos inflamados em favor da operação.
Onyx Lorenzoni, que discutia as 10 medidas em almoços com procuradores e depois chegou a ser ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, foi acusado de receber pagamentos tanto da Odebrecht quanto da JBS. Desses últimos, foi livrado por um providencial acordo de não-persecução penal. A conta salgada, mais uma vez, ficou para o PT e para Lula.
A terceira e última promessa estava ligada à segurança. Que segurança foi – e continua sendo – um problema no Brasil, não há dúvida. A violência, especialmente a letal, havia crescido ao longo dos anos 2010 – em grande parte fomentada pela expansão de organizações criminosas.
Os governos democráticos, inclusive o do PT, não fizeram o suficiente. Priorizaram agendas econômicas e sociais – no caso do PT, aliás, sob uma percepção equivocada de que o combate à pobreza e à desigualdade teria resultados no plano da segurança. Faltou-lhes a ousadia necessária para confrontar a fragmentação de competências imposta pela Constituição de 1988 que, em matéria de segurança, manteve o status quo da ditadura.
Mas às vésperas de novas eleições em 2026, está cada vez mais difícil para a extrema direita trabalhar com esse roteiro.
No campo econômico, fracassou a previsão de Paulo Guedes, ex-ministro da Economia de Bolsonaro, de que o Brasil se tornaria uma “nova Venezuela” em seis meses. A inflação está controlada, o desemprego é o menor em anos, o dólar caiu e a bolsa se recuperou.

No que diz respeito à corrupção, a extrema direita perdeu autoridade ao patrocinar a chamada “PEC da bandidagem”, que mobilizou setores progressistas e ampliou a percepção de oportunismo legislativo.
Restava, então, o tema do crime. Aqui, a extrema direita já atuava na defensiva. Rompendo com uma inércia histórica, o governo apresentou uma PEC para promover a articulação entre União e estados, além de um projeto de lei com foco no combate a organizações criminosas.
Também deflagrou uma operação – a Carbono Oculto – que desmontou um sofisticado esquema de falsificação de combustíveis e lavagem de dinheiro do qual participava o Primeiro Comando da Capital, PCC.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do PL, quis sair para o contra-ataque com uma operação sanguinária, mas que gerou algum apoio popular. E o secretário de segurança pública do governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, Guilherme Derrite, foi destacado para relatar o PL Antifacção apresentado pelo governo.
A movimentação visava abrir caminho para Tarcísio como candidato à Presidência. Mas a estratégia fracassou.
‘Derrite e a extrema direita entregam apenas munição retórica, destinada a manter a própria tropa mobilizada’.
Derrite propôs classificar facções criminosas como organizações terroristas, abrindo precedentes arriscados para a soberania e afetando interesses econômicos. O empresariado reagiu. O texto ainda restringia atividades da Polícia Federal, a PF, reconhecida pela excelência, e, em um dos rascunhos, até a capacidade de membros do Ministério Público investigarem o crime organizado. Mídia e especialistas bateram.
Na noite de terça-feira, 18, a Câmara aprovou uma sexta versão do PL. Além de insistir em reduzir o papel e a relevância da PF, o texto se limitava a aumentar penas. Recebeu ainda aditivos claramente inconstitucionais, como a previsão de que presos provisórios não votem. Quem não foi condenado não pode sofrer privação de direitos políticos.
O resultado é um projeto cujo efeito concreto no combate às facções é nulo. Mas sua pretensão política é inequívoca: preservar a última trincheira discursiva da extrema direita.
Por ora, ficamos assim. O país cobra coordenação federativa, inteligência e políticas consistentes de segurança pública, mas Derrite e a extrema direita entregam apenas munição retórica, destinada a manter a própria tropa mobilizada. O inimigo real agradece.
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