Agência de RP Edelman pressionou presidência da COP30 para favorecer empresa de combustíveis fósseis

Agência de RP Edelman pressionou presidência da COP30 para favorecer empresa de combustíveis fósseis

A agência de relações públicas organizou reuniões para a distribuidora de petróleo e gás Vibra Energia enquanto se preparava para trabalhar com os organizadores da cúpula.

Agência de RP Edelman pressionou presidência da COP30 para favorecer empresa de combustíveis fósseis

COP30 sem filtro

Parte 11

Primeira cúpula do clima na Amazônia, a COP30 deveria ser um espaço de discussão de soluções e metas para enfrentar a crise climática. Mas ela pode virar palanque de quem quer lucrar mais enquanto destrói o planeta. Nossa cobertura mostra os interesses corportativos e políticos por trás do discurso de sustentabilidade promovido durante a COP30.


A gigante de relações públicas Edelman, responsável pela comunicação da COP30, pressionou a presidência do evento a escolher um de seus clientes do setor de petróleo e gás como fornecedor de serviços.

Anotações de reuniões e e-mails obtidos por meio de pedidos de Lei de Acesso à Informação, LAI, feitos no Brasil pela Unearthed e compartilhados com a DeSmog e o Intercept Brasil, mostram que a Edelman tentou marcar reuniões com a equipe organizadora da COP30 sobre “oportunidades de participação” para a distribuidora de petróleo e gás Vibra Energia, sua cliente, durante pelo menos 12 meses antes do início da COP.

E em parte desse tempo, a Edelman atuava como a responsável pela comunicação da cúpula do clima, fornecendo serviços de relações públicas para a COP30, de acordo com os e-mails e respostas acessados pela reportagem. A cúpula do clima da ONU é o principal espaço do mundo para discutir políticas públicas e metas para enfrentar as mudanças climáticas, justamente dando caminhos para acabar com o uso dos combustíveis fósseis, mas o caso da Edelman e da Vibra evidência a contradição entre a imagem que o evento quer passar e o que ocorre nos seus bastidores. 

Depósito de combustível da Vibra em Belém. Empresa é a maior distribuidora de petróleo e gás do Brasil. (Foto: TJ Jordan)

As descobertas suscitaram novas preocupações sobre possíveis conflitos de interesse da Edelman entre seu papel no apoio à diplomacia climática e seu lobby em nome de clientes do setor de combustíveis fósseis. 

Antes mesmo da COP30 começar, organizações ambientais, cientistas climáticos e grupos indígenas pressionaram o Brasil a romper o contrato de fornecimento de  serviços de comunicação para a cúpula mantido com  a Edelman no fornecimento de seus serviços de comunicação para a cúpula. A empresa sediada em Nova York, nos Estados Unidos, tem uma história de décadas representando grandes petroleiras, como Shell, Chevron e ExxonMobil.

“Esses e-mails mostram que o verdadeiro objetivo da Edelman na COP30 é promover combustíveis fósseis, não ações climáticas”, disse Duncan Meisel, chefe do grupo Clean Creatives, um projeto de profissionais da publicidade e propaganda contra clientes do setor de combustíveis fósseis. 

“Esta é uma agência que está muito atrasada em relação à transição energética e parece disposta a retroceder a agenda climática global para se adequar a seus interesses”, acrescentou Meisel.

Os negociadores da conferência climática anual — com encerramento previsto para esta sexta-feira, 21, — estão tentando chegar a um acordo sobre medidas para desacelerar a degradação climática, causada principalmente pela queima de combustíveis fósseis. Mais de 80 países estão pressionando por um acordo para começar a trabalhar em um roteiro para a transição mundial longe do petróleo, gás e carvão como um resultado fundamental da cúpula, mas estão enfrentando oposição de grandes países produtores de combustíveis fósseis, como a Arábia Saudita.

Com sede no Rio de Janeiro e antiga subsidiária da Petrobras, a Vibra Energia é a maior distribuidora de petróleo e gás do Brasil. Sua rede de 8 mil postos de gasolina e operações de processamento de combustível gerou receitas líquidas de US$ 1,2 bilhão, mais de R$ 6 bilhões, no ano passado.

‘Serviços de comunicação’

O contrato de US$ 835.000, cerca de R$ 4,6 milhões, da Edelman com a equipe da COP30 começou oficialmente em 14 de julho deste ano, de acordo com documentos arquivados nos registros públicos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e divulgados pela primeira vez pelo veículo britânico que cobre políticas climáticas Climate Home News.

No entanto, a Edelman havia informado ao Ministério da Fazenda do Brasil quatro meses antes — em uma reunião em 12 de março — que já havia sido contratada para apoiar o governo na COP30.

A Edelman “informou que havia sido contratada para prestar serviços de comunicação à Presidência da COP30 e solicitou contribuições do Ministério da Fazenda”, de acordo com um resumo da reunião compartilhado pelo ministério em resposta a um pedido de LAI.

Caminhões-tanque no depósito da Vibra em Belém. Empresa estava, segundo funcionários, transportando e manuseando combustível para a COP30 em nome da Petrobras.(Foto: TJ Jordan)

Isso sugere que a Edelman já vinha trabalhando na COP30 de alguma forma há pelo menos um mês quando sua especialista em petróleo e gás em Brasília, Janaína Arteaga, participou de uma reunião em 16 de abril entre a Vibra Energia e funcionários da Secretaria Especial para a COP30, a SECOP,  — criada pelo Brasil para ajudar a organizar o evento — conforme registrado em e-mails e registros do Ministério Público.

Quando questionada sobre o conteúdo da reunião de 12 de março com o Ministério da Fazenda brasileiro, a Edelman disse que a reunião “não foi solicitada para discutir a COP30, mas para aprender sobre o Plano de Transformação Ecológica, conforme indicado na solicitação da reunião”.

Em resposta a perguntas da DeSmog sobre seu lobby em nome da Vibra Energia, a Edelman disse apenas que seu contrato com a empresa terminava em maio de 2025 e que seu contrato com a COP30 começava em julho de 2025.

Ex-funcionários da Edelman disseram em off que é prática comum as agências começarem a trabalhar em projetos prestigiosos e urgentes antes que toda a documentação seja finalizada.

“Isso se deve à natureza acelerada de nossos projetos e, ao que eu presumo, uma confirmação verbal e relações existentes com os clientes que garantem o projeto, apesar do atraso na assinatura do contrato”, disse um ex-funcionário da Edelman que preferiu não se identificar. 

Quando a agência de relações públicas Teneo, sediada em Nova York, apoiou a COP29 realizada no Azerbaijão no ano passado, o contrato incluía pagamentos retroativos para compensar o fato de a empresa ter começado a trabalhar vários meses antes da assinatura oficial dele, de acordo com registros apresentados pela companhia ao governo dos Estados Unidos.

Os membros da equipe da Edelman na COP30 têm experiência em projetos de gestão de reputação para empresas petrolíferas, incluindo a Shell, a Chevron e a Petrobras, de acordo com uma análise dos registros oficiais da Edelman junto ao governo dos EUA, dos perfis dos funcionários da Edelman no LinkedIn e do site da empresa. 

A Vibra Energia — cujo contrato com a Edelman terminou em maio — disse que “não tem relação comercial com a Edelman e participou de reuniões com a SECOP, assim como outros participantes do setor presentes na COP30”.

Um porta-voz da Presidência da COP30 disse que “o contrato com a Edelman começou em julho de 2025 e, portanto, não se sobrepõe às solicitações de reuniões mencionadas”. Segundo ele, “a Edelman foi selecionada por meio de um processo de licitação internacional rigoroso e transparente, em total conformidade com as regras de aquisição da ONU, com base exclusivamente na solidez de sua proposta técnica e financeira.”

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, que conduziu o processo de seleção, disse que seus “processos de aquisição foram rigorosamente seguidos e nenhuma garantia foi dada aos candidatos durante o processo”.

Meses de lobby

Arteaga, da Edelman, entrou em contato com a SECOP pela primeira vez em nome da Vibra Energia em abril de 2024, escrevendo que “a Vibra está interessada em participar das discussões e da realização da COP30” e “gostaria de entender a melhor maneira de fazê-lo”, de acordo com os e-mails.

Arteaga, que trabalha para a filial brasileira da Edelman, conseguiu marcar duas reuniões entre a empresa e a SECOP no ano seguinte, de acordo com e-mails e notas de reunião.

Enquanto isso, a Edelman seguiu em frente com sua tentativa de ganhar o contrato para ajudar a organizar a COP30, divulgando sua experiência anterior como consultora da COP28, realizada em Dubai.

Um caminhão-tanque que veio do depósito da Vibra para abastecer os geradores atrás do local da COP30. (Foto: TJ Jordan)

Os executivos da Edelman se reuniram duas vezes com a SECOP em julho de 2024 “para apresentar a expertise [da Edelman] em grandes eventos internacionais, como a COP”, com a participação de três colegas de Arteaga na Edelman Brasil, segundo e-mails e registros de transparência do governo.

Quando Arteaga ajudou a Vibra Energia a marcar uma reunião com a SECOP pela segunda vez em abril de 2025, a empresa de relações públicas já havia informado ao Ministério da Fazenda brasileiro um mês antes — em 12 de março — que havia sido contratada para prestar serviços de comunicação à COP30.

Em uma agenda para essa reunião de abril de 2025 entre a Vibra Energia e a SECOP, publicada pelo governo brasileiro sob as leis de transparência, Arteaga é descrita como “Consultora especializada em O&G [petróleo e gás] — Edelman, representando a Vibra Energia”.

Sete executivos da Vibra Energia se reuniram com a equipe da COP30 em 22 de julho para discutir “combustível na COP30”, desta vez sem a presença de Arteaga, de acordo com as agendas da reunião publicadas pelo governo brasileiro. As tentativas de entrar em contato com Arteaga pelo LinkedIn foram encaminhadas para a assessoria de imprensa da Edelman.

Embora a Edelman tenha afirmado que seu contrato com a Vibra Energia terminou em maio, registros públicos mostram que a empresa também participou de uma reunião — não relacionada à COP30 — com a Vibra Energia e a agência brasileira de petróleo, gás e biocombustíveis em 2 de junho. A Edelman não respondeu às perguntas sobre essa reunião.

Vibra Energia em Belém

O impacto dos esforços da Edelman para garantir à Vibra Energia uma parte do trabalho de fornecimento de combustível para o local da COP30 — onde geradores a diesel alimentam aparelhos de ar condicionado que lutam constantemente contra o calor da Amazônia — não ficou claro.

Um porta-voz da Presidência da COP30 disse que a Petrobras é a única fornecedora oficial de combustível da COP30 e que a Presidência não tem qualquer relação contratual com a Vibra Energia.

No entanto, os trabalhadores do depósito da Vibra Energia em Belém — a cerca de cinco quilômetros do centro de conferências da COP30 — e a equipe que opera os geradores a diesel do local afirmaram à reportagem que a Vibra Energia estava transportando e manuseando combustível para o evento em nome da Petrobras.

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A Petrobras afirmou que está “cooperando com o fornecimento de diesel com conteúdo renovável para a COP30”, mas não respondeu às perguntas sobre se tinha qualquer relação contratual com a Vibra Energia para a COP30.

A Vibra Energia tem dezenas de contratos em vigor com a Petrobras, incluindo um contrato de longo prazo para lidar com o diesel “S10” que a Petrobras diz que está fornecendo para o evento, de acordo com informações publicadas em seu Portal da Transparência.

O governo brasileiro convidou um executivo da divisão de energias renováveis da Vibra Energia, Comerc Energia, para a conferência, de acordo com a lista de delegados da COP30 da ONU. A diretora executiva da COP30, Ana Toni, é ex-consultora da Vibra Energia.

A Vibra Energia, por sua vez, investiu para se tornar visível na COP30. A empresa está patrocinando um espaço para eventos chamado Casa Brasil, próximo ao cais de Belém, no qual está promovendo sua campanha para prevenir a violência sexual. A empresa também patrocinou eventos individuais em outros espaços sobre temas como “soluções de baixo carbono”, ao lado de empresas como ExxonMobil, Shell, BP e Equinor.

A empresa comercializa uma linha de gasolina que descreve como a “primeira gasolina neutra em carbono” do mundo, alegando que as emissões geradas pela queima do combustível são compensadas pelos investimentos da empresa em programas de preservação florestal.

Dois executivos da Vibra Energia fazem parte da delegação do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, um grupo de lobby cujos membros incluem grandes empresas de combustíveis fósseis e agronegócio, de acordo com a lista de delegados.

‘Lucro e acesso’

Dirigindo-se aos líderes mundiais reunidos em uma plenária pré-COP30 em Belém, no dia 6 de novembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “as empresas estão obtendo lucros recordes com a devastação climática — gastando bilhões em lobby, enganando o público e obstruindo o progresso”.

Em junho do ano passado, Guterres disse que as agências de publicidade e relações públicas deveriam abandonar seus clientes do setor de combustíveis fósseis.

Geradores no local da COP30 alimentados a diesel. (Foto: TJ Jordan)

Dezenas de influenciadores, cientistas e pesquisadores assinaram uma carta aberta na semana passada exigindo que os brasileiros abandonassem a Edelman, dizendo que a empresa atrasa as ações climáticas ao fazer greenwashing para clientes poluentes, ao mesmo tempo em que faz lobby contra políticas climáticas fortes.

Isso se seguiu a um apelo feito no mês passado por mais de 200 grupos climáticos e ambientais exigindo que o governo brasileiro removesse a influência dos combustíveis fósseis da COP30, incluindo a proibição de lobistas do petróleo e do gás e o fim de sua parceria com a Edelman.

O site da Edelman afirma que a empresa acredita que “as mudanças climáticas são a maior crise que enfrentamos como sociedade” e que “tem parceria com diversos clientes comprometidos em ajudar a impulsionar a transição para um futuro com emissões líquidas zero, ajudando-os a agir e se comunicar de maneiras mais significativas”.

A empresa também criou um “Conselho Independente de Especialistas em Clima”, que inclui Marina Grossi, enviada especial da COP30 para negócios.

“Na minha experiência, a liderança da Edelman encara o trabalho com clientes altamente poluentes — especialmente petróleo e gás — principalmente através da lente do lucro e do acesso”, disse um ex-funcionário da Edelman que trabalhou em projetos de petróleo e gás para a empresa. “A atitude é basicamente: permanecer na sala e manter um lugar à mesa, mesmo que a mesa esteja determinada a destruir a humanidade.”

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