Máquinas visualmente idênticas às caça-níqueis. Cadeiras enfileiradas em frente a cada uma delas. Na tela, números e símbolos rodando a partir do comando do apostador. Parece cassino, mas é só uma nova forma de jogar na loteria no Brasil – com aval de governos como o de Ratinho Júnior, no Paraná, e Cláudio Castro, no Rio de Janeiro.
Castro regulamentou a operação das vídeo-loterias, as VLTs, com um único decreto publicado em agosto passado. A operação dessa nova geração de apostas logo despertou o interesse de herdeiros dos contraventores que há décadas exploram o mercado ilegal e o jogo do bicho no estado.
Isso se tornou possível com a criação no Brasil das vídeo-loterias, as VLTs – no RJ, a gestão ficou com a Loteria do Estado do Rio de Janeiro, a Loterj –, amparada por lei e decisões do Supremo Tribunal Federal, o STF. Na prática, é uma aposta em loteria, só que feita por meio de uma máquina praticamente igual às de caça-níqueis.
A diferença é que o sistema de jogo desses equipamentos não se enquadra como crime previsto na lei de 1946, que pune o jogo de azar no Brasil. Os clones de cassino já são realidade no Paraná, no Maranhão e na Paraíba – e agora estão chegando ao Rio de Janeiro.

Os governos estaduais se valeram de uma combinação que inclui o reconhecimento pelo STF de que estados podem regulamentar loterias e uma lei federal, de 2018, que criou a modalidade “loteria de prognóstico instantâneo” sem delimitar o meio em que pode ser realizada.
Isso permitiu que as “raspadinhas virtuais” fossem adaptadas para, em vez de compradas de forma online, serem adquiridas em máquinas visualmente semelhantes às de caça-níqueis que mostram na tela gráficos e imagens como as de um jogo de cassino. Mas o sistema dos equipamentos é diferente e dentro da lei.
O Maranhão foi o precursor, ainda em 2020, seguido em 2022 pelo Paraná e, em 2023, pela Paraíba. No Nordeste, a proposta ainda engatinha, com seis espaços legalizados. Já no Paraná, o governador Ratinho, do PSD, autorizou 2.500 máquinas, mas não nos informou quantas estão operando.
O Rio de Janeiro quis seguir o mesmo caminho, mas, como revela o Intercept Brasil, a regulação de suas vídeo-loterias abre ao menos duas brechas perigosas. A primeira delas é o fato de o decreto de Cláudio Castro, do PL, exigir equipamentos com especificações técnicas internacionalmente usadas em “slot machines”, ou seja, as máquinas de jogos de azar comumente usadas em cassinos.
A outra é permitir que elas sejam instaladas em “estabelecimentos não exclusivos” – não há veto, por exemplo, à presença delas em hospitais, escolas ou estádios. Logo, os mesmos locais que há anos têm máquinas ilegais no Rio de Janeiro, em áreas dominadas por bicheiros, poderão seguir tendo tais equipamentos – agora legalizados.

Embora os equipamentos devam ser homologados pela Loterj antes de começarem a operar, especialistas ouvidos pelo Intercept afirmam que não há sentido em exigir especificações de máquinas comumente usadas em jogos de azar se o serviço oferecido será outro – muito menos permitir que sejam instaladas em qualquer lugar.
Apesar de a proposta de regulamentar as vídeo-loterias estar sendo divulgada pelo governo Castro como uma forma de garantir segurança e legalidade, o próprio governador não esconde que a ideia por trás das chamadas VLTs é legalizar operações hoje tidas como contravenção.
“A ideia não é arrecadar, e sim moralizar o que já existe hoje e está completamente descontrolado. Formalizar o que já acontece e ir no processo de acabar com toda essa questão da contravenção”, disse o governador do RJ à imprensa em agosto, segundo o jornal O Globo.
“Não estou muito preocupado com quem é o empreendedor. Estou preocupado em que aquele que queira empreender esteja dentro do rigor da lei. Que possamos saber quem ele é e, por meio do sistema de pagamento, identificar quem está lucrando excessivamente com isso”, afirmou o governador do PL.
A rastreabilidade do dinheiro dessas máquinas é apontada pela gestão Castro como um trunfo da iniciativa – fora que o estado, ao certificar as máquinas, prevê receber 5% da receita líquida em impostos. Além disso, a biometria facial, por exemplo, é obrigatória para jogar, e todos os pagamentos, depósitos e retiradas devem ocorrer via Pix.
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A Loterj tem dito que pretende ter 200 mil máquinas de vídeo-loterias funcionando em dois anos – mais de uma por 100 habitantes. Como comparação, em todo o estado de Nevada, nos EUA, onde fica Las Vegas, havia 127 mil máquinas de cassino em junho de 2024.
A autarquia de loteria do Rio de Janeiro ainda tem destacado em sua comunicação que as máquinas, que terão terminais de apostas esportivas, funcionarão em “sports bar”, locais fechados, com frequência controlada e televisões mostrando competições esportivas ao vivo.
Mas o que não é dito pelo governador e pela Loterj é que não há, para esses estabelecimentos, a exigência de medidas de segurança como, por exemplo, o monitoramento por câmeras. O controle de acesso é apenas “recomendado”. Na prática, isso permite até que crianças e adolescentes possam acompanhar adultos jogando.
A volta dos (herdeiros) bicheiros
Duas casas de apostas autorizadas pela gestão Castro já se movimentam para instalar máquinas de VLT no Rio de Janeiro. Ambas são ligadas à antiga cúpula do jogo do bicho: a Clube do Bet, de familiares de Turcão, Castor de Andrade e Capitão Guimarães, e a Rio Jogos, dos filhos de operadores de Carlinhos Cachoeira.
“O tempo do amadorismo acabou”, avisou Hazenclever Lopes Cançado, presidente da Loterj, ao revelar que a autarquia avançou na regulamentação das vídeo-loterias.
O anúncio, publicado no perfil do LinkedIn da Loterj em agosto, foi acompanhado de foto do executivo abraçado com Marcelinho Calil, neto de Antônio Petrus Kalil, o Turcão, que por anos controlou o jogo do bicho em Niterói e São Gonçalo, e filho de Marcelo Calil, que herdou do pai o controle de máquinas caça-níqueis, bingos e bancas de jogo.

Hoje, Marcelinho é um empresário de apostas legalizadas. Responde pela Clube do Bet, marca da To All Games Operações Lotéricas. Ele também foi, até pouco tempo, presidente da escola de samba Unidos do Viradouro.
Entre seus sócios, estão herdeiros de velhos colegas do avô na chamada cúpula do jogo do bicho: Ailton Guimarães Jorge Junior, filho do Capitão Guimarães, e Fernando Andrade de Lima Souto, sobrinho de Castor de Andrade que já foi apontado como responsável pelo jogo do bicho no litoral norte de São Paulo.
A outra empresa que pretende operar vídeo-loterias no estado é a Rio Jogos, da Lema Group, de João Victor de Araújo, João Eric Lourenço e Ana Paula Vitorino, respectivamente filhos de Lenine Araújo de Souza (condenado por formação de quadrilha e braço-direito do contraventor Carlinhos Cachoeira), Mauri Lourenço da Silva (preso por relação com operação de caça-níqueis no Paraná) e Willian Vitorino (apontado como operador financeiro de Cachoeira), como mostrou a Folha de S.Paulo.
“Aquilo que por décadas foi considerado improvável, e até politicamente inconciliável, hoje é realidade: completamente legalizado, regulamentado e integrado às diretrizes de um modelo moderno de desenvolvimento”, festejou o presidente da Loterj, segundo um documento da autarquia na qual os sports bar e as VLTs são apresentados como uma “nova fronteira econômica-social”.
O Intercept procurou o presidente da Loterj, que pediu que o contato fosse feito via assessoria de imprensa. Pedimos uma entrevista e explicamos os pontos apurados nesta reportagem. Em resposta, a Loterj enviou apenas um release divulgado à imprensa no anúncio do decreto – e não respondeu a nenhuma das perguntas que fizemos.
Máquinas a postos com carimbo de legal
Ainda no ano passado, a To All e a Lema pagaram R$ 5 milhões cada por outorgas para operar apostas online no estado do Rio, um terço dos R$ 15 milhões exigidos no Paraná, por exemplo, somente pela operação de vídeo-loterias.
O edital gerou polêmica. Lançado em abril de 2023, foi retificado em julho, um dia depois da publicação da regulamentação federal, para permitir que as bets licenciadas no RJ pudessem atuar no país todo, o que a então medida provisória – depois convertida em lei – vetava.
O Ministério da Fazenda acabou vencendo a queda de braço no STF – as outorgas vendidas no RJ só permitem apostas feitas no estado. Mesmo assim, a Loterj saiu no lucro: arrecadou quase R$ 100 milhões licenciando 19 bets para atuar não só em operações online, mas também por meio de lojas físicas e vídeo-loterias. Nenhuma delas pediu o dinheiro de volta após a decisão do Supremo.
Quando o decreto com normas para a exploração dessas vídeo-loterias foi assinado por Cláudio Castro e publicado, em agosto deste ano, a Clube do Bet já estava estruturada para iniciar a operação – inclusive com contrato firmado desde junho para alugar uma tribuna do Hipódromo da Gávea e instalar no Jockey Club seu primeiro Sports bar.
No plano apresentado à Loterj, ao qual o Intercept teve acesso, é possível ver que o espaço já está devidamente pintado, iluminado e com estrutura para ter máquinas lado a lado para funcionar em um ambiente muito similar aos de cassinos. Placas de sinalização, pontos de internet e até as cadeiras já estão instaladas, faltando apenas as máquinas.

Nas duas vezes em que apresentou a documentação necessária para a prova conceito de homologação das máquinas, o pedido foi rejeitado pela Loterj, que alegou falta de laudos e que os equipamentos não atendem às especificações determinadas no decreto de Castro.
Embora o decreto tenha abrangência estadual, há cidades preocupadas com estes locais físicos de aposta. A prefeitura da capital do Rio de Janeiro, por exemplo, promete barrar os caça-níqueis estaduais e até já baixou um decreto vedando a concessão de alvará de licença para estabelecimentos com vídeo-loterias.
“Na cidade do Rio a gente vai adotar cautela. Por ora, estabelecimentos comerciais sigam sem poder expedir alvará de funcionamento pela Prefeitura caso tenham maquininhas de jogos”, explicou o prefeito Eduardo Paes, do PSD, em vídeo nas redes sociais.
Mesmo assim, o Corpo de Bombeiros já liberou o projeto na tribuna do Jockey, que tem a To All Games, que comanda a Clube do Bet, como responsável legal. A empresa tem planos de instalar, em três anos, 12 mil máquinas em 29 cidades do estado do Rio. Apesar de estar legalmente habilitada, a Clube do Bet não tem planos de atuar em nenhuma cidade da Baixada Fluminense – região que, segundo a polícia, hoje é dominada pelo grupo do contraventor Adilsinho.
O Intercept procurou prefeituras de sete cidades fluminenses perguntando sobre o apoio à instalação de vídeo-loterias e o impacto disso nos municípios. Apenas a prefeitura da capital respondeu. Cabo Frio, Petrópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo não retornaram.
Como é possível jogar loteria em máquina igual caça-níquel?
Desde que as vídeo-loterias começaram a funcionar no Paraná, no ano passado, loterias estaduais, como a própria paranaense Lottopar, e o Instituto Brasileiro Jogo Legal, o IJL, têm feito campanhas de comunicação para diferenciá-las de máquinas de cassino e de caça-níqueis.
Mas a verdade é que, para o apostador, vídeo-loterias e caça-níqueis são praticamente iguais. Em um ambiente de pouca iluminação e diversas máquinas lado a lado, o jogador se senta diante de uma delas, seleciona o valor da aposta e aperta um botão.
Na tela, rodilhos coloridos giram até formar linhas premiadas ou não. O resultado, então, é anunciado, e o apostador descobre se ganhou ou perdeu. É assim em Las Vegas, Curitiba ou nas máquinas que serão regulamentadas por Cláudio Castro no RJ.

Mas, por dentro, elas são diferentes. As vídeo-loterias devem operar como “loteria instantânea” enquanto, nas máquinas de cassino, “o resultado de cada rodada é determinado por um Gerador de Números Aleatórios (RNG) em tempo real”, aponta parecer técnico do diretor jurídico da Lottopar, Rafael Halila.
Na prática, é como se as vídeo-loterias tivessem, dentro delas, uma série limitada de raspadinhas virtuais. Quando alguém aposta, o bilhete seguinte é lido pela máquina, exibido graficamente como slot – típico de caça-níqueis – e descartado. O resultado da aposta é predeterminado, ou seja, já definido antes de o apostador escolher quanto vai apostar.
Na tentativa de diferenciar as máquinas de vídeo-loterias de cassinos ou caça-níqueis, um site ligado ao IJL publicou uma análise técnica do empresário brasileiro Marcus Fortunato, dono de 160 jogos de vídeo-loterias autorizados nos EUA.
Ele usa a seguinte analogia para explicar a diferença: em um pote, há 10 bolas – algumas com prêmio (que multiplicam o valor apostado), outras sem. Em uma vídeo-loteria, a bola sorteada não volta ao pote. No caça-níquel, ela retorna. Na VLT, a probabilidade de determinada bola ser sorteada aumenta à medida que vão ficando menos bolas no pote. No cassino, a probabilidade de premiação é sempre igual, porque haverá sempre as mesmas 10 bolas no pote.
No Paraná, a regulamentação técnica das vídeo-loterias – que são chamadas de “dispositivos de aposta de autoatendimento” ou “quiosques” – trata de apostas esportivas e não cita uma única vez o termo “loteria instantânea” ou suas características. Mesmo assim, todos os jogos aprovados têm certificações de loterias instantâneas.
A Lottopar disse ao Intercept, em nota (leia a íntegra), que a operação das VLTs no Paraná é “formalmente e funcionalmente como loteria instantânea”. Também pontuou que a certificação exigida (GLI-14) “é o padrão mundialmente reconhecido” para VLTs. Por fim, enfatizou que “o enquadramento da operação como ‘loteria instantânea’ está definido e consta como obrigação contratual”.
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Já o decreto do Rio de Janeiro exige especificações técnicas diferentes para as máquinas de vídeo-loteria. A norma de Cláudio Castro cita que os equipamentos “deverão obrigatoriamente operar com RNG para definição dos resultados das apostas”, ou seja, exatamente como as máquinas comumente usadas em cassinos. O termo RNG é citado ao menos sete vezes nas “Especificações Técnicas Prova de Conceito – VLT” anexas ao decreto.
O texto cita, ainda, que esse RNG deve garantir que “cada permutação ou combinação possível de elementos do jogo que produza resultados vencedores ou perdedores deve estar disponível para seleção aleatória no início de cada jogada, a menos que indicado de outra forma pelo jogo”. Ou seja: as 10 bolas do exemplo acima precisam estar sempre no pote, exatamente como nos cassinos.
Além disso, a regulamentação do RJ autoriza “créditos de incentivo e/ou prêmios e quaisquer jackpots progressivos ou incrementais”, permitindo que as máquinas tenham prêmios acumulados – os jackpots, quando o prêmio cresce depois de determinado número de rodadas sem o apostador ganhar – e bônus calibrados para incentivar os apostadores a seguirem jogando. A análise técnica de Fortunato pontua que é esta também é uma característica exclusiva de máquinas de cassinos.
Ministério da Fazenda fala em ‘versão física’ de apostas
O Ministério da Fazenda não disse se a vídeo-loteria do RJ se classifica como jogo de azar, que é proibido no país. A pasta informou, em nota enviada ao Intercept (leia a íntegra), a pasta informou que “as máquinas de videoloteria são uma forma de oferta de apostas na versão física”.
Conforme o ministério, essas máquinas de VLTs “podem ser oferecidas desde que obedeçam à legislação vigente, oferecendo produtos que já estejam legalizados e que não firam legislação específica”. A pasta ainda afirmou que “jogos online, como os chamados ‘caça-níqueis’, não podem ser ofertados, de acordo com a legislação”.
A legislação vigente ao qual o Ministério da Fazenda faz referência é a lei federal 13.756/2018. No artigo 14, a norma cita, entre as modalidades lotéricas, a “loteria instantânea exclusiva (…), que apresenta, de imediato, se o apostador foi ou não agraciado com alguma premiação”, sem restringir essa apresentação ao meio físico.
‘Jogos online, como os chamados caça-níqueis, não podem ser ofertados’.
No julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 492 e 493, em 2020, o STF reconheceu que a União não tem monopólio para explorar loterias, o que permitiu a estados e municípios criarem suas loterias.
No Paraná, Maranhão e Paraíba, onde o sistema já funciona, as vídeo-loterias têm especificações técnicas de loterias instantâneas – logo, não se questiona sua legalidade.
Procurado pelo Intercept, o Instituto Brasileiro Jogo Legal, IJL, disse entender que, nos terminais de VLT, “a quantidade, valor de prêmios, lucro e frequência de premiação é pré-determinada em série finita e numerada aprovada pela loteria estadual e pela Caixa Econômica Federal, que são os órgãos reguladores” – o que, segundo a organização, é diferente das máquinas caça-níqueis, em que “a premiação é sorteada randomicamente infinitamente onde o jogador depende de probabilidade e sorte”.
Vício em jogo fora da discussão
A regulamentação do sistema no Rio de Janeiro passou por “escuta ativa” de uma comissão de Loterj que produziu um relatório sobre as vídeo-loterias após enviar 259 ofícios e convites para que o setor opinasse sobre as normas.
Nenhum especialista em ludopatia – vício em jogos de azar – e/ou psicologia foi ouvido. Mesmo reconhecendo que “qualquer incentivo à compulsividade ou o jogo sem controle é prejudicial”, a comissão rejeitou sugestões de controle de tempo de jogo e, pelo contrário, propôs permitir que as máquinas bonifiquem quem joga por longos períodos. 
Edilson Braga, psicólogo especialista e pesquisador do Ambulatório do Jogo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, IPq-USP, avalia que o decreto do RJ é uma “bomba”.
‘Não há diferença entre um caça-níquel e essas máquinas’.
“Não há diferença entre um caça-níquel e essas máquinas, e isso é muito preocupante. São luzes, barulho, cores, sons que ficam gravados na memória. Muitos pacientes relatam que basta ouvir o barulhinho do vídeo-bingo para liberar uma enorme descarga de adrenalina, deixando-os agitados e impelidos a jogar. O resultado da aposta é rápido, praticamente imediato. Quanto mais rápido, maior o impacto no cérebro, prejudicando o sistema nervoso central, que libera dopamina. E não é o ato de ganhar que libera a dopamina, mas o próprio estímulo. Imagine o efeito no RJ, onde muitos nunca tiveram contato com caça-níqueis. Quando tiverem, será uma bomba”, avalia.
Para o especialista, há um enorme risco de o acesso facilitado a máquinas caça-níqueis gerar dependência, principalmente em idosos, que podem trocar a “fezinha” nas loterias tradicionais por jogos instantâneos, que geram mais dopamina.
Além disso, Braga alerta que o estado do RJ, que cobra um imposto de 5% do GGR, a receita líquida das operações, não tem estrutura para atender possíveis ludopatas.
“O SUS vai ter que se virar para dar conta, e esse 5% não vai adiantar nada. Não há especialistas no SUS para lidar com o jogo, no RJ ou em outros estados, só aqui no laboratório da USP [Universidade de São Paulo]. É mais uma crueldade. O SUS não está preparado, não consegue absorver tanta demanda. Essa bomba vai estourar no colo de todos.”
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