O jogo político parecia simples para o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, na semana seguinte à condenação de Jair Bolsonaro e de outros integrantes do núcleo central do golpe pelo Supremo Tribunal Federal, STF.
De um lado, a oposição insistia em duas bandeiras impopulares: a anistia a Bolsonaro e a chamada PEC da blindagem – que logo virou PEC da bandidagem nas ruas e nas redes sociais por tentar dificultar processos criminais contra parlamentares. Pesquisas mostram que ambas têm ampla rejeição da sociedade.
Do outro, o governo defendia um projeto altamente popular: isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, promessa feita até por Bolsonaro durante a campanha de 2022 e que beneficiará 90 milhões de brasileiros ao ser validada.
A escolha parecia óbvia. Bastava Motta pautar o que interessa ao povo e deixar as aventuras da oposição morrerem sozinhas. Mas faltou ao presidente da Câmara cálculo político ou coragem.
Ele fez o inverso: abriu espaço para a PEC mais rejeitada em discussão (a da bandidagem) e engavetou a pauta da renda. Supostamente, era um acordo para barrar a anistia. Mas a articulação desandou, e a urgência da anistia também acabou aprovada pelos deputados.

O estrago se completou quando Motta entregou a relatoria da anistia a Paulinho da Força, deputado do Solidariedade de São Paulo. Paulinho, por sua vez, achou boa ideia consultar ninguém menos que Aécio Neves e Michel Temer.
O trio gravou um vídeo anunciando uma “solução intermediária”: em vez de anistia, um projeto de dosimetria para reduzir penas já aplicadas pelo STF aos golpistas. Na TV, falou-se até que a pena de Bolsonaro poderia cair substancialmente, de 27 anos para 21 meses. Para embalar a proposta, Aécio recorreu ao velho clichê da “pacificação” contra os “extremos”.
Com isso, Motta trouxe de volta três fantasmas. O primeiro é o ex-presidente Michel Temer, cuja biografia ficará marcada pela traição política e pelo apoio a um impeachment sem crime de responsabilidade.
O segundo é Aécio Neves, pioneiro em minar a confiança no sistema eleitoral ao pedir auditoria das urnas sem qualquer prova de fraude — mas, como confessou depois, apenas para “encher o saco do PT”.
O terceiro é a falácia dos dois extremos, que coloca no mesmo plano instituições que cumprem a Constituição e atores que tentaram destruí-la.
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Não há extremos quando se trata de penas definidas em lei pelo próprio Congresso, sancionadas por Bolsonaro e aplicadas pelo STF com base em provas abundantes. O que existe é a tentativa de reescrever a narrativa do golpe para diluir responsabilidades.
Ao falhar em arbitrar entre uma pauta legítima e outra flagrantemente ilegítima, Hugo Motta mostrou-se incapaz de presidir a Câmara com independência e responsabilidade.
Trouxe de volta figuras desacreditadas e um discurso que busca normalizar crimes contra a democracia. O Brasil não precisa desses fantasmas para seguir adiante.
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