Uber, 99 e iFood ganham nota zero em avaliação de trabalho justo

Uber, 99 e iFood ganham nota zero em avaliação de trabalho justo

Relatório de organização internacional também alerta que o endividamento de trabalhadores de aplicativos cresceu no país. A boa notícia é que a categoria está mais mobilizada.

Uber, 99 e iFood ganham nota zero em avaliação de trabalho justo

As principais empresas de trabalho por aplicativo no Brasil conseguiram agravar ainda mais a precarização dos trabalhadores. É o que revela um novo relatório da Fairwork, organização internacional que avalia as condições de trabalho em plataformas digitais, lançado nesta terça-feira, 23.

Entre dez plataformas avaliadas, oito não fizeram um ponto sequer: 99, Americanas-Ame Flash, iFood, Lalamove, Loggi, Parafuzo, Rappi e Uber. As únicas duas que pontuaram – InDrive e Superprof – fizeram apenas um de dez pontos possíveis. Já empresas que haviam pontuado em ao menos um critério no relatório anterior, de 2023, agora zeraram a avaliação.

Enquanto ainda estão muito longe de oferecer condições minimamente justas de trabalho para quem atua em seus serviços, essas empresas têm anunciado planos de expansão da operação no Brasil com grande pompa – o que só reforça que seu real objetivo é ampliar o mercado e lucrar cada vez mais.

Há pouco mais de uma semana, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, em reunião no Palácio do Planalto, uma comitiva de representantes da 99, incluindo o fundador e presidente da DiDi, empresa proprietária do aplicativo, que é mais conhecida por sua atuação na área de transporte. 

Na ocasião, a 99 anunciou um investimento de R$ 2 bilhões no primeiro ano de operação da 99Food, plataforma de entrega de comida recém-lançada no Brasil e que chega para competir com o iFood, que hoje detém 80% do mercado e mira um lucro de R$ 1 bilhão em 2025. 

Enquanto Lula abre as portas do Planalto para empresas do setor, a relação com a categoria de trabalhadores não vai nada bem. O Executivo amarga o fracasso de um grupo de trabalho criado para regulamentar o trabalho por aplicativo – uma promessa feita pelo presidente ainda na campanha. Até hoje, o relatório final com as conclusões do grupo não foi publicado.

Critérios pontuar na avaliação incluem remuneração, condições de trabalho e gestão (Foto: Reprodução)

Embora o governo tenha apresentado um projeto de lei específico para motoristas de aplicativo, entregadores ficaram sem uma proposta e seguem trabalhando sem regulamentação da atividade. 

O aumento da precariedade do trabalho em plataformas no Brasil, com agravamento de riscos para trabalhadores, endividamento e crescimento de doenças, é uma das constatações da edição 2025 do relatório Fairwork. Motoristas e entregadores estão trabalhando mais do que nunca para obter a mesma renda ou até menos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, a PNAD, de 2022. 

O país também está na contramão do cenário internacional, onde o debate sobre regulamentação tem avançado. A União Europeia, por exemplo, aprovou diretiva que reconhece a presunção da existência do vínculo empregatício – um debate que por aqui ainda está estacionado no Supremo Tribunal Federal, STF. 

‘No Brasil, pouco ou nenhum progresso foi feito no campo regulatório para trabalhadores de plataformas’.

“No Brasil, pouco ou nenhum progresso foi feito no campo regulatório para trabalhadores de plataformas digitais. (…) O trabalho informal, não regulamentado e desprovido de proteção social, característico do trabalho nas plataformas digitais avaliadas neste relatório, impõe desafios e prejuízos diários aos trabalhadores”, destacam os pesquisadores. cita o relatório

Apesar da falta de avanços regulatórios, o Fairwork destacou que, nos últimos anos, surgiram novas associações, coletivos e sindicatos de trabalhadores de plataforma ao redor do Brasil. “Um conjunto diversificado de lideranças foi formado, fortalecendo a capacidade de promoção e visibilidade de suas demandas político-sindicais”, pontuam os pesquisadores.

Uma leitura desse movimento pode ser pela própria condição do trabalho, que tem ficado, a cada dia, mais degradante, analisa Julice Salvagni, professora no Departamento de Ciências Administrativas e no programa de pós-graduação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, e uma das autoras do estudo. 

“Os trabalhadores se organizam quando não veem mais saída: não podem deixar de trabalhar porque dependem daquela fonte de renda para o seu sustento, mas também não sustentam mais aquelas condições”, pontua ela, em entrevista ao Intercept Brasil.

Em março deste ano, trabalhadores ao redor do Brasil fizeram um breque, como são conhecidas as paralisações, demandando reajustes nas taxas de entrega e limites nas entregas por bike. A ação ganhou corpo e atingiu trabalhadores em todas as capitais e mais de 200 cidades. 

Primeiro Breque dos apps, como ficaram conhecidas as paralisações da categoria, ocorreu em 2020 (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Primeiro Breque dos apps, como ficaram conhecidas as paralisações da categoria, ocorreu em 2020 (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Outro ponto destacado pelo Fairwork, pelo ineditismo, foi a crescente organização de mulheres entregadoras. Para além de questões gerais da categoria, como remuneração justa e segurança, elas também têm pautado questões específicas às mulheres, como direitos relacionados à maternidade, saúde feminina e assédio e violência, ressalta Salvagni.  

Máquinas de fazer – e prometer resolver – dívidas

O relatório do Fairwork também revela uma faceta ainda mais perversa das empresas de trabalho por aplicativo: as instituições financeiras. A Uber, por exemplo, tem um banco próprio, por meio do qual os trabalhadores que aderem ao serviço recebem um cartão de crédito vinculado à conta. 

Já o iFood tem o iFood Pago, braço financeiro que já ultrapassou R$ 1,2 bilhão em receita. Também foram registrados casos de empréstimo a motoristas cadastrados na plataforma InDrive. 

As plataformas são, em grande parte, a razão para que os trabalhadores contraiam dívidas, principalmente devido à baixa remuneração e já que não oferecem proteção social em caso de acidentes. Isso se dá, também, quando descontam valores pelo serviço prestado devido ao que consideram ser penalidades, como atrasos ou pedidos cancelados. 

Por outro, são essas mesmas plataformas que se apresentam como solução do problema ao concederem empréstimos bancários para os entregadores – o que também aumenta a probabilidade de que o trabalhador permaneça ativo naquele app enquanto tiver uma dívida pendente. 

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“Nesse contexto de escassez, os trabalhadores se encontram em situação de alta vulnerabilidade, enquanto as plataformas se apresentam como um recurso para solucionar seus problemas financeiros, criando um ciclo de dependência e endividamento. As empresas de plataforma obtêm lucros adicionais por meio dos juros sobre financiamentos oferecidos aos trabalhadores”, cita o relatório. 

O endividamento também se dá por empresas terceiras, mas que fazem parte do ecossistema do trabalho por aplicativo, como serviços de aluguel de motocicletas, bicicletas e carros. Segundo o relatório do Fairwork, trabalhadores relataram começar o dia de trabalho já com saldo negativo por conta do aluguel. “Essas empresas de aluguel são entidades independentes, mas, ao mesmo tempo, parceiras das plataformas ao autorizarem o débito na conta do profissional”, destaca o relatório. 

Karaokê e amizade em meio à precarização

No fim de maio, o presidente do iFood, Diego Barreto, recebeu um convidado ilustre para um jantar em sua casa em São Paulo: Luís Roberto Barroso, ministro do STF. Um vídeo dos dois cantando abraçados ganhou as redes sociais e provocou a ira da categoria de trabalhadores. 

O iFood é, como as outras empresas de aplicativo, diretamente interessado em ações trabalhistas, inclusive uma de repercussão geral, que tramitam na Suprema Corte e versam sobre o vínculo entre os aplicativos e os trabalhadores. 

Poucas semanas após o jantar, Barroso disse em entrevista à Folha de S.Paulo que o excesso de proteção “desprotege o trabalhador” e que empresas como Uber e iFood demandam novas formas de proteção social. 

Segundo o Fairwork, essas ações se inserem em um contexto mais amplo de “ativismo judicial anti-trabalhador” do STF, que se caracteriza pelo reconhecimento da prevalência de contratos civis ou comerciais firmados entre trabalhadores e entregadores, ainda que haja claros elementos de uma relação de emprego.

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