Embrapa abraça plano do agro para maquiar o impacto climático da pecuária

Embrapa abraça plano do agro para maquiar o impacto climático da pecuária

Por meio do Centro de Inteligência Bovina da Carne, o Cicarne, a empresa pública que é referência em agropecuária defende adotar uma metodologia criticada por especialistas e rejeitada pelo IPCC.

Embrapa abraça plano do agro para maquiar o impacto climático da pecuária

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, principal referência em pesquisa agropecuária e uma das responsáveis pelo avanço do agro no país, está em campanha para o Brasil adotar um novo método de cálculo do metano emitido pelas fazendas que pode maquiar dados e livrar os criadores de gado da responsabilidade pelo impacto da pecuária nas mudanças climáticas.

Por meio do Centro de Inteligência Bovina da Carne, o Cicarne, a Embrapa vem defendendo em boletim e postagens nas redes sociais a chamada GWP*. Conhecida como “potencial de aquecimento global estrela”, em inglês Global Warming Potential Star, essa métrica muda a forma como se calcula o impacto do metano emitido por setores como a pecuária para o aquecimento global.

O metano é o calcanhar de Aquiles da pecuária. Junto com a agricultura, o setor é o maior produtor de metano em todo o mundo.  A maior parcela dessas emissões vem do “arroto” do boi. No Brasil, maior importador de carnes do mundo, as emissões de metano aumentaram 6% entre 2020 e 2023, segundo dados divulgados pelo Observatório do Clima. 

A nova métrica parte da ideia de que o metano é reciclado pela atmosfera, portanto, o cálculo deve desconsiderar as emissões já feitas pela produção de carne, que é imenso. O problema é que esse entendimento é equivocado. 

Por isso, o novo método foi rejeitado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, e é criticado por pesquisadores. O argumento é que, ao invés de cumprir a promessa de reduzir o impacto da pecuária no aquecimento global, a nova métrica vai permitir que grandes empresas do setor aumentem sua poluição ao mesmo tempo em que alegam estar ajudando a mitigar o problema. 

Atualmente, a métrica utilizada e adotada pelo IPCC é a GWP100, que  compara o impacto de gases de efeito estufa ao longo de um século. O pesquisador que recomendou ao IPCC utilizar a GWP* para calcular o metano produzido pela pecuária, Irishman Jim O’Brien, é membro da Clintel, uma organização conhecida pelo negacionismo climático.  

O alerta sobre o risco global de implementar a GWP* vem de pesquisadores como Matthew Hayek, professor assistente do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Nova York, Nicholas Carter, pesquisador de sistemas alimentares e desinformação, e de um relatório da Fundação Changing Markets, que investiga práticas corporativas irresponsáveis. 

Embora a adoção em nível internacional dependa do IPCC, os governos nacionais podem fazer pressão para que isso seja implementado. Mas, segundo os especialistas, se esse novo método de cálculo de metano for adotado, além de se esquivar de sua responsabilidade, países e multinacionais poderiam alegar que estão compensando emissões de outros setores, como o de combustíveis fósseis. 

A pecuária poderia, por exemplo, se autodeclarar carbono neutra – e, assim, receber benefícios como créditos de carbono. Tudo sem mudar seu modelo de produção, somente por adotar uma nova métrica que atende a seus interesses. É por isso que o setor tem tentado emplacar a métrica com o apoio de lobistas – inclusive no Brasil, segundo a Fundação Changing Markets.

Publicação no Instagram da Embrapa e do Cicarne sobre a métrica GWP* em abril deste ano. (Foto: Reprodução do Instagram)

A Embrapa começou a endossar a GWP* em 2022, mesmo ano em que o agronegócio internacional iniciou uma campanha para influenciar governos e negociações na América do Sul para mudar a forma como se calcula o impacto climático da pecuária. 

Em fevereiro de 2022, o Cicarne, da Embrapa, publicou um boletim com “Dez mitos sobre pecuária e gases de efeito estufa”. O documento, produzido por três pesquisadores da instituição, afirma que muitas das declarações sobre a relação da pecuária com a emissão de gases são feitas “sem o devido amparo da ciência” e que “usuais exageros” costumam circular na imprensa e nas redes sociais. 

Em pelo menos três pontos, o documento defende o uso da métrica GWP* para calcular as emissões de metano pelo setor e chega a levantar a suspeita de uma “má vontade dos cientistas do IPCC” na forma como a entidade vem contabilizando as emissões do metano.

Três meses depois, em maio de 2022, o tema foi debatido no Brasil durante o Fórum Metano na Pecuária, evento realizado em São Paulo e promovido pela JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, e a Silvateam, que produz extratos vegetais para animais. 

No evento, estava presente Frank Mitloehner, pesquisador da Universidade da Califórnia Davis, dos Estados Unidos, um dos principais defensores da GWP*. Mitloehner e Eduardo Assad, ex-pesquisador da Embrapa, chegaram a discutir no fórum sobre a necessidade de o Brasil adotar a métrica.

Nesse mesmo mês, Assad publicou com outros pesquisadores da Fundação Getulio Vargas, a FGV, um estudo sobre emissões de metano e implicações das diferentes métricas. Nele, os pesquisadores chegam a afirmar que, utilizando essa nova referência, a pecuária brasileira poderia ser “carbono neutra em 2040, independentemente de suas emissões de metano”. 

O documento faz referência a um estudo de Mithloehner, de 2020, no qual o pesquisador aborda as implicações de emissões de metano pela pecuária e defende a ideia de reciclagem do gás emitido. Os pesquisadores da FGV usam o estudo para embasar as avaliações sobre a GWP* e alegam que a nova métrica superaria as limitações de outras formas de mensuração tradicionais, apesar de ponderar que ela não analisaria o impacto histórico do setor. 

Em 2023, pesquisadores da Embrapa, do Ministério da Pecuária do Uruguai e do Instituto da Carne da Argentina, juntamente com Mitloehner e Michelle McCain, uma das criadoras da GWP*, assinaram um relatório da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura, apresentado na Itália, que analisou a métrica como uma das opções para medir o metano. O documento não chega a defender explicitamente a métrica, mas a coloca como outra possibilidade de calcular o metano emitido pela pecuária.

Já em 2024, a Embrapa esteve presente num evento em que o governo uruguaio apresentou seus recálculos utilizando a métrica GWP*. O Uruguai, embora ainda não tenha adotado oficialmente a métrica, tem utilizado dinheiro público em eventos e documentos referendando seu uso. 

Questionado pelo Intercept Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária não respondeu se o Brasil considera adotar o uso do GWP*. Apesar disso, os sinais de apoio à GWP* no Uruguai e no Paraguai representam um risco de efeito dominó nas negociações agrícolas dos países do Mercosul na COP30, que ocorrerá em Belém, no Pará, em novembro deste ano. 

Em 2024, durante um fórum organizado pelo governo estadual de São Paulo, Myles Allen, cientista de Oxford criador da métrica, pediu aos participantes que “convencessem seus governos” a adotar o GWP* nas negociações climáticas da COP30, como a nova maneira de medir o metano.

Gigantes do setor, como a JBS, também têm criticado a atual forma de medir as emissões de gases e pretendem levar para a COP30 esse debate, conforme reportagem da Bloomberg de agosto deste ano. Apesar dessas controvérsias no entorno da métrica, três anos depois do início da campanha em prol dela, o Cicarne da Embrapa permanece impulsionando a GWP* em suas redes sociais. 

Nos dias 27 e 29 de abril, o perfil do Cicarne no Instagram publicou posts sobre a métrica e afirmando que ela “busca representar melhor o impacto real do metano de vida curta”. Disse, ainda, que sua adoção pode “beneficiar a sociedade e o clima, não apenas setores específicos”.

O Cicarne monitora a cadeia produtiva da carne bovina com o objetivo de identificar “sinais, tendências e desdobramentos no mercado de inovações”. A partir dessas tendências, o órgão visa contribuir para a tomada de decisões dos setores público e privado.

Post no Instagram da Embrapa e do Cicarne alegando “má vontade” dos cientistas do IPCC. (Foto: Reprodução do Instagram)

Somente em 2024, a Embrapa atuou diretamente em 15 leis aprovadas pelo Congress Nacional, entre elas a Lei do Combustível do Futuro e as diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima. Ao todo, em 2024, 58 proposições apresentadas pelo legislativo tiveram contribuições dos pesquisadores da Embrapa. Logo, o apoio da empresa à métrica que beneficia a pecuária indica um aumento no risco de ela vir a ser implementada, de alguma forma, no Brasil.

Em nota, a Embrapa reconheceu que o padrão utilizado para estimar emissões de gases do efeito estufa é o GWP100 e alegou que todas as contribuições de estimativa de emissões geradas pela empresa para documentos oficiais seguem o método GWP100 reconhecido pelo IPCC. 

A Embrapa alegou considerar “a divergência e o debate peças fundamentais do desenvolvimento científico”, mas que eles devem ser alicerçados em argumentos baseados em evidência científica. Entretanto, não explicou, mesmo depois da insistência do Intercept, por que o Cicarne faz campanha em boletim e postagens nas redes sociais para uma métrica ainda não validada. 

Para fazer o boletim onde defende o uso da GWP*, o Cicarne, da Embrapa, afirmou ter usado sete estudos acadêmicos como referência. Dois deles tem como um dos autores Myles Allen, o pesquisador de Oxford que recomendou impulsionar o uso da GWP* nas negociações climáticas da COP30.

Metano é o calcanhar de Aquiles da pecuária

Toda vez que uma vaca come algo, ela rumina em seu estômago, onde micróbios fermentam o alimento. Esse processo produz o metano. Como qualquer criatura satisfeita com sua comida, a vaca arrota. E o metano escapa pela boca.

A maior parcela do metano emitido em 2023 no Brasil veio justamente do “arroto” do boi, segundo o Observatório do Clima, representando mais do que todos os gases de efeito estufa emitidos pela Itália no mesmo ano. 

Embora as moléculas de metano tenham vida útil mais curta na atmosfera, entre 10 e 20 anos, o gás têm potencial de aquecimento global 28 vezes maior que o do dióxido de carbono num período de cem anos. Ele é parte do problema que está alterando os padrões de precipitação e temperatura a médio e longo prazo – e tornando inundações como a ocorrida no Rio Grande do Sul, em 2024, piores e mais prováveis.

Em novembro de 2021, o Brasil aderiu ao Compromisso Global do Metano, um acordo assinado durante a COP 26, em Glasgow, na Escócia, em que mais de 150 países assumiram o compromisso de reduzir em 30% as emissões globais do gás até 2030, em relação aos níveis de 2020. O Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo, mas não fez quase nada para implementar o compromisso de Glasgow. 

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O agro é o setor brasileiro que mais emite metano. Em 2023, respondeu por 75,6% das emissões, sendo 98% originadas na pecuária. O Brasil tem o segundo maior rebanho bovino do mundo e lidera as exportações de carne. Segundo o IBGE, o país saiu de 218,2 milhões de cabeças de gado no pasto em 2020 para 238,6 milhões em 2023.

De acordo com o IPCC, as reduções rápidas de metano são essenciais para evitar a violação dos limites de temperatura no planeta e a perda de até 15% das plantações de pequenos agricultores.

Por isso, há várias soluções em debate: rações especiais para melhorar a digestão dos bois, projetos para otimizar a produtividade por hectare e apelos — especialmente em países desenvolvidos — para diversificar a dieta e consumir menos carne. A indústria pecuária, logicamente, opõe-se a essa última solução.

Segundo Gabriel Quintana, analista de ciência do clima do Imaflora, ONG que advoga pelo uso responsável dos recursos naturais, é possível cortar mais de um quarto do metano até 2035 em relação a 2020, mesmo mantendo o crescimento do rebanho no país.  

No documento Brasil 2045 – Mitigação das emissões de metano, o Observatório do Clima apresenta um caminho de soluções para isso, com pelo menos oito metas para o setor agropecuário. 

“Se o setor agropecuário é o que tem mais responsabilidade das emissões de metano no Brasil, ele é o que concentra também a maior possibilidade de mitigação desse gás”, afirma Quintana. Entre as metas para o setor, estão o melhoramento e manipulação da dieta animal, melhoramento genético animal, a redução do tempo de abate e a manipulação da fermentação ruminal.

Por que querem mudar a forma como se calcula o impacto do metano

A forma atual de calcular o metano, a GWP100, tem limitações, pois não leva em conta com precisão o fato de que o gás contribui muito para o aquecimento, mas tem curta duração na atmosfera. 

Usando essa métrica, o impacto a longo prazo do gás no planeta é superestimado, mas seu impacto a curto prazo é subestimado. A GWP*, teoricamente, surgiu para resolver o problema. Mas, na prática, ela tenta fazer isso maquiando a realidade.

A nova métrica foi criada por uma equipe liderada pelos pesquisadores Michelle Cain e Myles Allen, da Universidade de Oxford. Ela estima a contribuição para o aquecimento global com base em como as emissões mudam ao longo de um ano base. Segundo seus criadores, o novo método reflete melhor a curta vida útil do metano na atmosfera.

No Brasil, as emissões de metano aumentaram 6% entre 2020 e 2023, segundo dados divulgados pelo Observatório do Clima. (Foto: Ilustração)

Mas vários cientistas alertam sobre o perigo da adoção do GWP* e seu potencial de greenwashing. É uma espécie de truque contábil que, como explicado no relatório Seeing Stars da organização Changing Markets, considera as emissões passadas irrelevantes porque elas são “constantemente recicladas”.

Trata-se de uma versão refinada de outra narrativa antiga usada pelo agronegócio, sob a qual o metano expelido pelas vacas é reciclado pelas pastagens por meio da fotossíntese.

O que essa narrativa ignora é que, enquanto persiste na atmosfera, o metano está aquecendo o planeta e prejudicando a qualidade do ar. E mesmo quando se dissipa no céu, o aquecimento que ele causa dura mais, pois o calor penetra no oceano, que pode levar décadas ou séculos para aquecer ou resfriar, contribuindo para a elevação do nível do mar e colocando o planeta em risco de inundações, furacões mais frequentes e danos profundos à biodiversidade

Ela também pressupõe que, durante o ciclo de medição, não haverá alterações no número de animais nem geadas ou incêndios afetando pastagens e solo. “O metano não é perfeitamente reciclável”, afirma Nicholas Carter, pesquisador em sistemas alimentares e desinformação e um dos autores de Seeing Stars

“O que acontece é que a complexidade da questão favorece a indústria pecuária, porque grande parte da comunicação científica sobre o clima tem se concentrado no dióxido de carbono e não em como o metano funciona”, ressalta.

Nas palavras do IPCC, a GWP* “não captura a contribuição para o aquecimento global que cada emissão de metano faz”. É por isso que o organismo internacional rejeitou sua adoção como métrica em seu último relatório científico, de 2023.

Matthew Hayek, professor assistente do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Nova York, observou que “linguagem e métricas diferentes estão sendo usadas por vários países para atrasar o progresso na redução do metano”.

Para Hayek, isso “pode incorretamente dar a impressão de que um país está resfriando a atmosfera mesmo que as emissões globais de metano continuem a crescer e a aquecer o planeta”. Um dos riscos é que alguns países usem isso como desculpa para compensar suas contribuições para agravar as mudanças climáticas em outros setores. 

“A mera redução das emissões de metano de um país não pode ‘compensar’ as emissões de combustíveis fósseis. Isso é impossível”, diz.

“É como dizer que, se eu despejar 100 barris de poluentes neste rio, isso está matando a vida. E, então, eu despejo apenas 90 barris e, por isso, deveria receber uma recompensa”, exemplificou ao Financial Times Paul Behrens, professor de mudanças ambientais na Universidade de Oxford.

De acordo com Gabriel Quintana, do Imaflora, um dos problemas da GWP* é que ela leva em consideração, nas análises, apenas o metano produzido em uma fase da cadeia de produção, sem olhar para os outros gases emitidos pelo setor. Isso dificulta a compreensão de como essas cadeias, como um todo, estão impactando o clima. 

A métrica tampouco permite visualizar o cenário atual e futuro com precisão. Santana afirma que ela não é de todo errada, mas impede a comparação com emissões de outros gases também. “Ela funciona, mas não é aplicável à formulação de política pública e quando olhamos as trajetórias de emissões absolutas que os setores precisam fazer”, diz. 

Uma análise da Changing Markets para esta reportagem mostra que, ao aplicar a GWP*, o setor pecuário brasileiro poderia reduzir as emissões de metano de seus bois e vacas, mas em um ritmo muito menos ambicioso do que o exigido pelo novo compromisso assumido pelo país, em 2024, para reduzir seu impacto no aquecimento global.

Para Caitlin Smith, especialista sênior da Changing Markets, o objetivo é claro. “Promover o uso da GWP* em nível regional ou setorial é outra tática do agronegócio para nos distrair de suas emissões significativas de metano e evitar tomar medidas para reduzi-las”, diz.

Essa também é a opinião de Alma Castrejón-Davila, pesquisadora da mesma organização. “É um novo truque científico afirmar que a produção deles não aumenta o aquecimento global. E que, com pequenas reduções, eles podem reivindicar a neutralidade de carbono”, explica.

Métrica é defendida por pesquisador financiado por frigoríficos

A campanha de influência pela América do Sul em defesa da métrica GWP* tem como líder Frank Mitloehner, um pesquisador do Clarity and Leadership Center for Environmental Outreach and Research, CLEAR Center. Ele é presença constante em fóruns, reuniões com ministros, veículos de comunicação especializados e parlamentares.

Juntamente com o CLEAR Center da Universidade da Califórnia Davis, ele propõe que, diante do dilema do metano, o que deve ser feito  é simples: mudar a forma como ele é calculado. E isso aconteceria por meio da GWP*.

Por trás dessa defesa, porém, há uma série de viagens de Mitloehner para participar de eventos no Paraguai, Uruguai e Argentina financiadas pela Mesa Redonda Global sobre Carne Bovina Sustentável, uma organização global que inclui colaboradores do IFEEDER – a entidade educacional da Associação Americana da Indústria de Rações, a AFIA. 

Também compõem a mesa representantes empresariais dos maiores produtores de carne do mundo, como a JBS, e multinacionais como ADM, McDonald’s e Burger King. A Mesa Redonda Global tem o Centro CLEAR como seu “órgão consultivo”.

No Uruguai, contratos obtidos pela reportagem, com exclusividade, mostram que Mitloehner recebeu 9,5 mil dólares de fundos públicos para assessorar o governo Lacalle Pou sobre políticas climáticas relacionadas à agricultura e a adoção dessa nova métrica, incluindo reuniões com seus ministros do Meio Ambiente e da Agricultura na sede do governo.

Frank Mitloehner (segundo à direita) no evento da JBS sobre metano na agricultura no Brasil, em maio de 2022. (Foto: Portal DBO/Reprodução site da JBS)

Mitloehner também recebeu dinheiro público em reembolso de custos de viagem e para elaborar um relatório de orientação para a política climática externa do Uruguai no âmbito das negociações da COP27 no Egito.

No Paraguai, documentos internos exclusivos revelam que, após a visita de Mitloehner, representantes da Associação Rural do Paraguai pressionaram com sucesso o país a considerar o uso da GWP* em sua política climática oficial. 

Em um evento no país, Mitloehner afirmou que as pessoas que não gostam da pecuária sempre se concentram no metano “porque vêem nisso a sua maior vulnerabilidade”. 

Mitloehner também confirmou que viajou às custas da Sociedade Rural Argentina para divulgar o que ele chama de “a verdadeira história do metano” em eventos no país.

Em setembro de 2022, por exemplo, Mitloehner visitou a Argentina, onde, em uma reunião com representantes da indústria pecuária, os exortou a “não terem medo das acusações que recebem por suposta poluição do meio ambiente por metano”.

A Sociedade Rural Argentina convidou o americano para uma apresentação em um evento que também contou com a presença da atual ministra da Segurança de Javier Milei, Patricia Bullrich, e do prefeito de Buenos Aires, Jorge Macri. Questionado sobre isso, Mitloehner confirmou que sua viagem à Argentina foi financiada pela associação pecuária.

A influência de Mitloehner na América do Sul se baseia em um trabalho semelhante que ele vem realizando há anos apoiando produtores pecuários em países como Estados Unidos, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. 

Associações pecuárias nesses países e na América do Sul estão conectadas por meio da Global Roundtable for Sustainable Beef e da International Beef Alliance, uma iniciativa do setor da pecuária que reúne representantes de organizações de 24 países e promete “fazer a diferença na sustentabilidade de setor” .

Questionado sobre a participação no no Fórum Metano na Agricultura, organizado pela JBS, em São Paulo, em 2022, Mitloehner negou que a JBS tenha pago por sua visita ao Brasil, argumentando que sua viagem foi por “motivos pessoais”.

De acordo com um relatório de 2024 da organização europeia FoodRise, a GWP* “seria um passe livre ou beneficiaria ativamente uma empresa pecuária multinacional como a JBS, que estima-se polui no mesmo nível que a Espanha”. Segundo o relatório, adotar a métrica “penalizaria severamente os pequenos produtores de gado no Sul Global”.

Isso é corroborado por um estudo assinado pelo próprio Mitloehner, que mostra que, usando os novos cálculos de metano, a pecuária brasileira estaria em uma posição de maior responsabilidade histórica pelas mudanças climáticas do que atualmente.

Embora Mitloehner negue que a JBS o tenha financiado diretamente, sua subsidiária norte-americana, a Pilgrim’s, faz parte da American Feed Industry Association, a AFIA, que, de acordo com documentos obtidos pelas reportagem, forneceu a Mitloehner e seu centro de pesquisa 3 milhões de dólares em sua campanha para “repensar o metano”. 

A JBS foi questionada sobre seus vínculos com a Mitloehner e sua posição sobre a adoção da métrica GWP*, mas não respondeu. A FGV informou que não vai se pronunciar.

Colaborou: Alice de Souza

Esta reportagem foi produzida como parte do Bertha Challenge Fellowship e originalmente publicada em Consenso e Climate Tracker.

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