Fabio de Sa e Silva

Fux carregará para sempre a vergonha de absolver Bolsonaro

Voto de Fux é um caminho juridicamente vergonhoso. E, no STF, quem produz vergonha, geralmente fica condenado a carregá-la sozinho.

Ministro Luiz Fux foi incluído na restrita lista de integrantes do STF que não tiveram seu visto para os EUA cancelado (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

Desde que teve início a instrução da ação penal 2668, cujos réus integram o que a Procuradoria-Geral da República, PGR, chamou de núcleo central da trama golpista, houve grande expectativa pelo voto do ministro Luiz Fux. As razões vinham de dentro e de fora do Supremo Tribunal Federal, STF. 

Nos atos processuais, Fux dava sinais de que poderia divergir do relator Alexandre de Moraes ou pedir “vista dos autos”, prolongando a duração do processo. Fora da sala de audiência, o ministro foi incluído na restrita lista dos integrantes da Corte que não tiveram seu visto para os EUA cancelado. Um sinal de que poderia ser leniente com Jair Bolsonaro.

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Às 9h do dia 10 de setembro, quando Fux começou a votar, divergir de Moraes não causaria nenhum choque. Flávio Dino já o havia feito, opinando por penas mais leves para Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro; e o general Augusto Heleno, que comandou o Gabinete de Segurança Institucional, GSI, no governo bolsonarista.

Mas Fux conseguiu chocar.

Ministro Luiz Fux foi incluído na restrita lista de integrantes do STF que não tiveram seu visto para os EUA cancelado (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)
Ministro Luiz Fux foi incluído na restrita lista de integrantes do STF que não tiveram seu visto para os EUA cancelado (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

Começou dizendo que o STF era incompetente para julgar o caso — embora ele mesmo tenha admitido essa competência para julgar centenas de pessoas pelos mesmos fatos.

Seguiu dizendo não enxergar organização criminosa porque isso requer a união de pessoas para a prática de “crimes indeterminados” — ignorando que a determinação, na denúncia, de crimes praticados pela organização não esgota o rol de crimes que essa mesma organização praticou e poderia a vir praticar. 

Como destacou o ministro Dino no recebimento da denúncia contra Bolsonaro, a história ensina que a manutenção deste no poder a despeito da derrota eleitoral seria apenas a primeira das inúmeras violências que tal governo ilegítimo praticaria contra oponentes políticos.

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Fux, então, avançou com teorias esdrúxulas sobre tentativa de golpe de estado e de abolição violenta do estado democrático de direito. Disse que o autogolpe não é punível pela lei brasileira (!), que o verdadeiro golpe de estado foi o “mensalão” e que a tentativa de abolição do estado democrático de direito só se efetiva se houver a intenção de suprimir um amplo conjunto de instituições e garantias, não sendo o bastante que se busque restringir o funcionamento de outro poder (!). 

Afirmou ainda que os ataques de Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação estão protegidos por “liberdade de expressão” — embora ele mesmo tenha dito, no passado (vídeo abaixo), que Bolsonaro cruzara “os limites” dessa mesma liberdade com “ofensas e ataques de inverdades”, “divulgação de interpretações equivocadas de decisões do Plenário” e insistência em “colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral” – entre outras barbaridades que fica até difícil enumerar numa análise “a quente”.

Na apreciação do mérito das acusações, Fux está criando um paroxismo no qual Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, serão condenados sozinhos por tentativa de abolição violenta do estado de direito (na qual, ele entende, a tentativa de golpe está absorvida) enquanto inocenta Bolsonaro e os militares que discutiram minutas de decreto e mobilização de tropas.

Como disse o insuspeito senador Alessandro Vieira, do MDB de Sergipe, referindo-se à condenação de Cid, é um caso único de “ajudante de ordens autônomo”.

Nas redes e no Congresso, o voto de Fux tem efeitos — se é que não tem pretensões — incendiários. Dará fôlego a projetos de anistia, a sanções externas contra seus próprios colegas e até mesmo a questionamentos do julgamento em foros internacionais.

Mas por trilhar um caminho juridicamente vergonhoso, deve produzir, no STF, o efeito paradoxal de reforçar a perspectiva de condenação de Bolsonaro. Afinal, quem produz vergonha, geralmente é condenado a carregá-la sozinho.

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