No final de julho, a empresa Palo Alto Networks (PANW), gigante de cibersegurança dos EUA, anunciou que havia adquirido a empresa israelense de gestão de identidade e segurança da informação CyberArk, por um impressionante valor de 25 bilhões de dólares em dinheiro e ações. Além de possivelmente injetar bilhões de dólares na economia israelense, a aquisição da CyberArk pela Palo Allto Networks fortalece ainda mais a relação entre o Vale do Silício e o aparato de inteligência de segurança de Israel.
A Palo Alto é uma das maiores empresas de cibersegurança do mundo, e fornece proteção de infraestrutura, firewalls e serviços de segurança em nuvem para dezenas de milhares de empresas internacionalmente. Udi Mokady, fundador e presidente executivo da CyberArk, é egresso da Unidade 8200, a divisão de elite de inteligência de sinais da Direção de Inteligência Militar de Israel. Da mesma forma, os quatro fundadores da Wiz, a empresa israelense de computação em nuvem recentemente adquirida pelo Google por 32 bilhões de dólares (175 bilhões de reais). E também o fundador e diretor de tecnologia da Palo Alto, Nir Zuk.
A expansão da Palo Alto se deu por meio de uma série de aquisições de grande repercussão ao longo da última década, às vezes pagando bilhões de dólares por startups com o objetivo de ampliar sua oferta de cibersegurança. Quase metade dessas aquisições envolveu empresas com origem na inteligência israelense, despertando receios sobre o acesso ao enorme volume de dados do mundo inteiro que a empresa é responsável por proteger. A Palo Alto Networks não respondeu ao pedido de comentários do Drop Site News.
Algumas dessas empresas adquiridas –– LightCyber, Dig Security, Talon Cybersecurity, Secdo, e Bridgecrew –– foram fundadas e dirigidas por veteranos da Unidade 8200 publicamente identificados. Outras grandes aquisições incluem Cyvera, Twistlock, e Puresec, cujos fundadores também vieram das “unidades cibernéticas, de inteligência e de comando” das Forças de Defesa de Israel.
“Essas aquisições são uma forma de tirar as pessoas da Unidade 8200 em Israel, e colocá-las em cargos influentes na indústria tecnológica dos EUA”, diz Paul Biggar, fundador das startups de tecnologia CircleCI e Darklang, e líder do grupo ativista Tech for Palestine. “Essas empresas lidam com dados dos clientes dos seus clientes. Se você é um banco, e está usando a Palo Alto Networks, os dados sobre os seus clientes e as suas transações estão passando por servidores controlados por espiões, ou ex-espiões.”
Em junho de 2025, mais de 1.400 veteranos da inteligência israelense estavam trabalhando no setor de tecnologia dos EUA –– e 900 deles vinham todos da Unidade 8200. Esses números são provenientes de um banco de dados de pessoas que se identificam publicamente, em seus perfis do LinkedIn, como, ao mesmo tempo, ex-oficiais de inteligência israelenses e empregados de tecnologia nos EUA.
O banco de dados foi reunido por um pesquisador independente, que permanecerá anônimo por questões de segurança pessoal, e apelidou o banco de dados de rede de influência “Missão Águia”. As 1.400 pessoas se autoidentificam como veteranos ou integrantes da reserva ativa da Unidade 8200, da inteligência militar israelense, e da Direção de Defesa Cibernética das Forças de Defesa de Israel, e trabalham em cargos de engenharia e segurança, em nível intermediário e sêrnior, em grandes empresas de tecnologia dos EUA com escritórios em Israel, nos EUA, e na Europa. O Drop Site fez uma verificação cruzada de vários registros do banco de dados, para avaliar a precisão.
“Isso não significa que toda pessoa que já serviu na Unidade 8200 seja um espião israelense tentando enviar dados sigilosos de volta para Tel Aviv”, destacou o pesquisador. “Mas cria uma vulnerabilidade grave. Nenhum outro país tem esse tipo de acesso ao setor tecnológico dos EUA. Ficamos obcecados com o envolvimento chinês na indústria tecnológica e nos preocupamos com espionagem empresaria, mas a infiltração israelense raramente é mencionada.”
A gigante mundial de tecnologia Microsot é um dos mais importantes empregadores de egressos da Unidade 8200. A empresa emprega aproximadamente 250 veteranos da unidade, ao lado de outras grandes multinacionais, como Nvidia, Meta, Google, Intel e Apple, muitas das quais empregam dezenas de indivíduos provenientes da unidade. Recentemente, foi revelado que a Microsoft teve estreita colaboraçã com os líderes da Unidade 8200 sobre a criação de serviços de nuvem destinados a armazenar milhões de comunicações privadas de palestinos que vivem sob ocupação milita na Cisjordânia e em Gaza. A Microsoft não quis comentar.
O acordo de aquisição da CyberArk atraiu críticas de alguns analistas de investimento –– e as ações da Palo Alto Network caíram logo em seguida –– mas os laços de inteligência não foram sequer mencionados em declarações públicas sobre a aquisição.
‘Valores Semelhantes, Culturas Fortes’
A Unidade 8200 é uma parte essencial do aparato militar israelense, inclusive no atual genocídio na Faixa de Gaza. Além de realizar vigilância eletrônica das comunicações, a unidade tem se envolvido na criação de programas gerados por IA para seleção de alvos em Gaza. Ela informa os alvos a operadores humanos para criar o que um ex-oficial de inteligência israelense chamou de “fábrica de assassinato em massa”, algumas vezes aprovando a matança de centenas de civis para atingir um único indivíduo, que supostamente seria comandante do Hamas.
Além da colaboração com as gigantes da tecnologia para ajudar a executar o genocídio em Gaza, a Unidade 8200 vem desenvolvendo tecnologias de vigilância para monitorar e controlar a população da Cisjordânia, incluindo, mais recentemente, a criação de grandes modelos de linguagem (LLMs) treinados em milhões de conversas de palestinos que vivem sob ocupação israelense no território.
Em seu comunicado de imprensa anunciando a aquisição, a Palo Alto destacou a expectativa de que CyberArk desempenhe um papel no desenvolvimento de sua própria cibersegurança movida a IA e de plataformas de gestão de identidade, e afirmou que a aquisição deve “unir duas líderes da área de segurança com valores semelhantes, culturas fortes, e equipes talentosas”.
Esta matéria é uma versão resumida do texto publicado por nossos parceiros do Drop Site News.
O Intercept é sustentado por quem mais se beneficia do nosso jornalismo: o público.
É por isso que temos liberdade para investigar o que interessa à sociedade — e não aos anunciantes, empresas ou políticos. Não exibimos publicidade, não temos vínculos com partidos, não respondemos a acionistas. A nossa única responsabilidade é com quem nos financia: você.
Essa independência nos permite ir além do que costuma aparecer na imprensa tradicional. Apuramos o que opera nas sombras — os acordos entre grupos empresariais e operadores do poder que moldam o futuro do país longe dos palanques e das câmeras.
Nosso foco hoje é o impacto. Investigamos não apenas para informar, mas para gerar consequência. É isso que tem feito nossas reportagens provocarem reações institucionais, travarem retrocessos, pressionarem autoridades e colocarem temas fundamentais no centro do debate público.
Fazer esse jornalismo custa tempo, equipe, proteção jurídica e segurança digital. E ele só acontece porque milhares de pessoas escolhem financiar esse trabalho — mês após mês — com doações livres.
Se você acredita que a informação pode mudar o jogo, financie o jornalismo que investiga para gerar impacto.