Deputados e senadores de SC querem reduzir área de proteção ambiental para proteger imóveis de luxo

Deputados e senadores de SC querem reduzir área de proteção ambiental para proteger imóveis de luxo

Ataque contra área protegida que é berçário de baleias abre portas para especulação imobiliária e enfraquece a fiscalização ambiental.

Deputados e senadores de SC querem reduzir área de proteção ambiental para proteger imóveis de luxo

Sob a justificativa de defender o direito à moradia e a justiça social, políticos de Santa Catarina iniciaram uma ofensiva contra uma área protegida há 25 anos no Brasil. Eles querem acabar com parte da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, a APA-BF, destino de surfistas do mundo todo pelas praias paradisíacas com ondas constantes e principal berçário da baleia-franca-austral no país.

Com 156 mil hectares e ocupando 130 km de costa catarinense, a área de proteção passa por nove cidades entre Florianópolis e Balneário Rincão. A parte terrestre, que compõe 34 mil hectares e inclui lagoas, praias e planícies, costões rochosos e morros de Mata Atlântica estende-se por seis municípios: Garopaba, Imbituba, Laguna, Jaguaruna, Balneário Rincão e Tubarão, a única cidade que não se situa no litoral.

Toda essa área está na mira das deputadas federais Geovania de Sá, do PSDB, e Julia Zanatta, do PL, dos senadores Esperidião Amin, do PP, Ivete da Silveira,  do MDB, e Jorge Seif, do PL, e do deputado estadual Volnei Weber, do MDB.

As deputadas e os senadores apresentaram três projetos de lei sobre a área, que estão em tramitação no Congresso, sendo dois na Câmara e um no Senado. Já Weber foi um dos que liderou a criação de uma comissão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, a Alesc, com a finalidade de acabar com a área terrestre da APA-BF.

Os políticos pregam que as restrições ambientais da área protegida impedem a regularização fundiária de famílias de baixa renda e comunidades tradicionais, mas por trás da preocupação está uma manobra que pode liberar a área para especulação imobiliária, blindar empreendimentos de luxo e enfraquecer o poder de fiscalização ambiental.

Caso seja retirada a parte terrestre da APA-BF, nenhuma ação, construção ou atividade necessitará da aprovação do ICMBio, órgão gestor da área, apenas de autorização e licenciamento do Instituto do Meio Ambiente do Estado de SC, o IMA-SC, e dos municípios. Além disso, a medida abre portas para a construção de prédios na região, uma vez que hoje só é liberado construir casas na área – construções de baixa densidade.

O plano de manejo da APA-BF já prevê que ocupações antigas, caso das moradias de comunidades tradicionais e famílias de baixa renda locais, podem ser regularizadas. O que não pode ser regularizado são as casas de veraneio recentes em Área de Proteção Permanente, as APPs, caso de muitos imóveis de luxo na região. Estas continuarão irregulares mesmo se estiverem fora dos limites da APA-BF, explica o chefe da APA da Baleia Franca e analista ambiental do ICMBio, Stéphano Diniz Ridolfi. 

Segundo Ridolfi, o conflito socioambiental é, na verdade, uma tentativa de manter de pé imóveis irregulares erguidos em zonas, como as dunas, que são APP. A APA-BF não tem nada a ver com isso. 

As ocupações antigas em dunas e restingas foram mapeadas no plano de manejo como Zonas de Uso Divergente para futura discussão sobre regularização. (Foto: Reprodução)

Desde o ano passado, a Justiça Federal vem determinando a demolição desses imóveis, embargando loteamentos e solicitando o corte de energia elétrica. Segundo o MPF, existem pelo menos 135 processos judiciais envolvendo construções irregulares em APPs, zona costeira e áreas de marinha na APA da Baleia Franca. 

Ignorando essa realidade, os políticos começaram a criar, entre o fim do ano passado e o início deste ano, os projetos de lei. Na esteira deles, em audiências públicas lotadas, é disseminada a confusão entre os termos, o que gera desinformações sobre o que é permitido e proibido por lei na APA-BF. 

O ICMBio contesta a versão dos políticos.

Deputado com imóvel na APA lidera articulação para desmontar área 

As investidas contra a APA da Baleia Franca começaram com o deputado estadual Volnei Weber, que declarou ser dono de um terreno na área. Em dezembro de 2024, Weber viabilizou a criação de uma comissão mista na Alesc para alterar os limites da APA-BF e revisar o plano de manejo para beneficiar áreas privadas — incluindo a sua.

A iniciativa logo ganhou escala nacional. Em Brasília, em março deste ano, a deputada Geovania de Sá apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei 849/2025. Em seguida, os senadores catarinenses Esperidião Amin, Ivete da Silveira e Jorge Seif apresentaram o PL 2277/2025, uma versão similar do projeto da deputada Sá. 

Ambos os textos pedem a exclusão da parte terrestre da APA-BF, sob o pretexto de facilitar a regularização fundiária e com o argumento de que a delimitação da APA foi arbitrária, com restrições desnecessárias em propriedades privadas que não são APPs, atrapalhando o desenvolvimento econômico da região.

Surfando na polêmica, a deputada federal Julia Zanatta também lançou o projeto 2548/2025, em maio, com o objetivo de garantir o direito de propriedade aos moradores e ocupantes de áreas antes da criação da APA-BF. 

Geovania de Sá, do PSDB, culpa a APA da Baleia Franca por construções em APP estarem sendo demolidas e loteamentos embargados – na realidade, são decisões judiciais a pedido do MPF. (Foto: Kayo Magalhães)

A deputada Sá protocolou o projeto na Câmara logo após uma reunião com a procuradoria do Ministério Público Federal, o MPF, o ICMBio, a AGU e prefeitos locais. No encontro, ocorrido em março, segundo fontes consultadas pelo Intercept, a deputada e sua assessora foram informadas sobre a impossibilidade de regularização em áreas de APP.

Sá comemorou o resultado da reunião em suas redes sociais, só que a celebração foi de fachada. No mesmo dia, a deputada apresentou o PL 849/2025. Dias depois, chegou a lançar o PDL 130/2025, que extinguia a APA-BF, mas pediu para retirá-lo de tramitação. 

A deputada argumenta que existem milhares de propriedades consolidadas dentro dos limites da APA-BF — cita 50 mil famílias e indica a Lei 13.465/2017, a Lei do Reurb, como um caminho para a regularização dessas propriedades, “o que é crucial para evitar demolições em áreas que já estavam ocupadas antes da criação da APA”, explicou na justificativa do PL. De acordo com o texto, “essa regularização é um aspecto importante para a justiça social e para a estabilidade econômica das comunidades afetadas.” 

Um dos argumentos para acabar com a APA-BF é a falta de anuência do ICMBio para os pedidos referentes a imóveis em áreas protegidas pela legislação federal. 

Ridolfi, o chefe da APA-BF, explica, porém, que as ocupações antigas já existentes, mapeadas como Zona de Uso Divergente,  são passíveis de regularização e podem ser mantidas, mas a ampliação dessas construções é proibida. 

No entanto, a regra não foi respeitada e novas construções surgiram, muitas delas de alto padrão. Ele afirma que, mesmo que os projetos de lei prosperem e reduzam a proteção da APA-BF, esses imóveis ainda estariam em APPs, e os processos judiciais que os envolvem não serão interrompidos.

Deputado Volnei Weber, do MDB, presidente da comissão mista da APA da Baleia Franca na Alesc, tem terreno dentro da unidade de conservação. (Foto: Jeferson Baldo/Agência AL )

Ridolfi alerta ainda que nem todos os imóveis são regularizáveis: construções em praias, áreas de marinha ou sambaquis, por exemplo, não se enquadram na Lei da Reurb. 

“Porém, essa ‘Reurb’ está sendo difundida como uma verdadeira tábua de salvação por alguns formadores de opinião, como se toda e qualquer propriedade pudesse ser regularizada, o que não é verdade”, diz Ridolfi, que afirma que a APA-BF tem estudado formas de promover justiça social “onde for possível e passível disso”.

Para ajudar nesse processo, o deputado estadual Marcos José de Abreu, o Marquito, do PSOL, destinou recursos para a Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina, a Unesc, estabelecer critérios técnicos que orientarão as prefeituras e o ICMBio nos pedidos de regularização. A emenda aguarda os trâmites legais na Alesc para pagamento do convênio.  

No âmbito estadual, foram realizadas duas audiências públicas promovidas pela comissão criada pelo deputado estadual Weber — uma em Jaguaruna, onde há loteamentos judicializados, e outra em Imbituba. Ambas escancararam o conflito: enquanto a primeira teve forte presença de grupos interessados na redução da APA-BF, a segunda foi dominada por moradores, pescadores e ambientalistas que defendem a manutenção dos limites atuais.

Mesmo após o encerramento dos trabalhos da comissão, em junho, o relatório final ainda não foi entregue. 

Durante mesa redonda promovida pela Câmara, a pedido da deputada Sá, em Jaguaruna, no mês passado, Weber disse que se os projetos de lei não forem aprovados, ele vai buscar na justiça o fim da unidade de conservação.  

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“É uma ferramenta que nós podemos usar, judicializar e acabar perdendo toda a APA. Não é o que queremos, mas se preciso for, nós vamos partir para isso também”, disse ao microfone para a plateia que lotou o CTG da cidade. 

O Intercept tentou ouvir o deputado, mas ele disse, através da assessoria, que não poderia atender a reportagem via telefone, pois estava em local onde o sinal do celular era ruim. Além disso, participava de várias reuniões e não teria tempo para a entrevista telefônica e nem para responder por escrito via e-mail. Ele só poderia nos atender pessoalmente, na segunda semana de agosto.

Procuramos novamente, e a assessoria informou que o deputado havia cancelado a agenda da semana por conta do falecimento de sua sogra e não poderia atender a reportagem nem responder por escrito. Porém, em suas redes sociais, Weber postou encontros com lideranças em Laguna  e também comandou uma audiência pública da Alesc em Orleans, em 14 de agosto. O espaço segue aberto.

Advogada se diz “a voz do povo”, mas foi assessora de deputada e é ligada à empresa de regularização 

A promessa de regularização fundiária tem lotado audiências públicas. Entre os participantes frequentes, está a advogada Natália Mendes Folster, apresentada como diretora de Regularização Fundiária do Estado de Santa Catarina. 

Durante audiência na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, Folster disse que tem sido “a voz desse povo” no processo e foi apresentada pela própria deputada Geovania de Sá como diretora estadual. Mas Folster esteve lotada como assessora de abril a julho deste ano no gabinete da própria parlamentar. A advogada também está ligada à empresa Regularize, através de um assessor, empresa que mantém contratos com prefeituras catarinenses para implantação de programas de regularização fundiária. 

Natália Mendes Folster, a deputada Geovania de Sá e o senador Esperidião Amin em reunião no gabinete do ministro da AGU, Jorge Messias, em novembro de 2024.  (Foto: Reprodução Redes Sociais)

Além disso, Folster é diretora do Instituto Brasileiro de Regularização Fundiária em Santa Catarina, o IBRF, e sócia-administradora da Folster & Advogados Associados.

Em suas redes sociais, a advogada fala até em valores que empresas do setor de regularização fundiária cobram para realizar os processos. “Na modalidade específica, as empresas estão com valores bem acessíveis, com parcelamentos, às vezes a prestação vai sair R$ 200. Está dentro do bolso, praticamente, de todas as pessoas”, afirma Folster. Mas ela mesmo reconhece que poucas pessoas se enquadrariam na modalidade da lei que atenderia pessoas de baixa renda.Consultado, o governo de Santa Catarina informou que a advogada não é servidora nem nomeada em qualquer cargo no estado.

Segundo a Secretaria de Assistência Social do governo catarinense, a diretora de habitação e regularização fundiária é outra pessoa: Katia Freitas da Silva. A secretaria também informou que a diretoria de habitação não recebeu nenhum convite para participar das audiências públicas na Alesc e na Câmara sobre o tema.

Natália Mendes Folster, à esquerda, e os deputados estaduais Marquito, no centro, e Volnei Weber, à direita, durante audiência pública em Imbituba, Santa Catarina, em junho deste ano. (Foto: Nilson Coelho/The Intercept Brasil)

Sem área de APA, caminho se abre para a expansão imobiliária  

O principal argumento da deputada Sá em seu projeto de lei é o caso do município de Jaguaruna, que tem 33% do território dentro da APA-BF e onde loteamentos foram judicializados por terem sido construídos sobre dunas. Para a parlamentar, a área é um exemplo de “como a atual configuração pode inibir o crescimento econômico local”.

Mas o que a deputada não cita é que a parte territorial de Jaguaruna que está dentro da unidade de conservação abriga APPs de lagoas, restingas, dunas e cerca de 30 sítios arqueológicos, incluindo o maior sambaqui do mundo. 

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Balneário Campo Bom, em Jaguaruna, onde loteamentos e construções estão judicializadas por estarem sobre APP. (Foto: Drone Jaguaruna)

E são construções nessas áreas, com expansão de loteamentos, que já provocaram processos judiciais com sentenças de demolição e cortes de energia elétrica, como é o caso do loteamento Campos Verdes, no Balneário Campo Bom. 

Problemas semelhantes acontecem na Praia da Galheta, em Laguna, onde, além das casas antigas de pescadores, várias casas de veraneio de alto padrão foram construídas sobre as dunas. Algumas delas estão em fase de sentença com pedidos de demolição. 

O professor Rodrigo Freitas, membro do conselho gestor da APA, o Conapa-BF, pela Universidade do Sul de Santa Catarina, a Unisul, diz que a redução da área protegida geraria riscos urbanísticos. “Enquanto existir a APA-BF, só se pode erguer construções de baixa densidade. Mas o plano é transformar tudo em grandes cidades, como Balneário Camboriú. E é contra isso que a gente se opõe. Sem a APA-BF, vamos ter um processo de verticalização em pouquíssimo tempo”, prevê.

Uma preocupação dos moradores de Imbituba e Garopaba é em relação às lagoas, berçários de camarões, siris e peixes e fonte de abastecimento de água das comunidades. “O que a gente precisa é de um modelo de desenvolvimento que privilegie a proteção de ambientes sensíveis”, alega Freitas.

Pescadora e conselheira da APA-BF, Cida Ferreira vê nas propostas de redução da unidade uma “campanha de desinformação”. Ela lembra que a APA da Baleia Franca foi criada com ampla participação popular. “A gente só reforçou a proteção. Não inventou nenhuma zona de uso que impedisse as pessoas de usarem o território”, afirma. 

Em vez de reduzir a proteção, Ferreira defende a ampliação da APA-BF e a criação de uma Reserva Extrativista para proteger lagoas e a pesca artesanal na região de Imbituba e Garopaba. Em 2023, foi apresentada uma proposta para ampliar o limite da unidade de conservação e abranger as lagoas que acabaram ficando de fora e outras que foram cortadas ao meio durante a definição do traçado atual da APA-BF. 

O engenheiro agrônomo Leandro Fernandes Gomes, da Cooperativa Mista dos Agricultores e Pescadores Familiares de Jaguaruna e Região, a Producooper, que também integra o conselho da APA-BF, reforça que a unidade nunca foi um entrave ao desenvolvimento local. “Muito pelo contrário! Sempre tivemos apoio e orientação técnica”.

Durante a audiência em Imbituba, Gomes disse que os projetos de lei da deputada Geovania de Sá teriam cunho político. “Ano que vem tem eleição, ela vai ganhar o voto de todo mundo e não vai resolver o problema de ninguém”, provocou.

Deputada questiona critérios usados para delimitar a APA 

Procurada pela reportagem, a deputada Sá reclamou que a delimitação atual da APA não representa a realidade física e socioambiental no local, além de gerar insegurança jurídica, conflitos fundiários e inviabilização do ordenamento urbano em diversos municípios, porque núcleos urbanos antigos foram indevidamente classificados como zonas de uso restrito, onde são proibidas construções. 

Para ela, o PL não tem por objetivo permitir ocupações irregulares ou incentivar a especulação imobiliária. Ao contrário, visa corrigir uma distorção técnica. “Isso permitiria reduzir conflitos fundiários, minimizar passivos econômicos e jurídicos indevidos e garantir segurança jurídica aos moradores, respeitando o princípio da função socioambiental da propriedade”.

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Mais de 100 casas construídas em APP na Praia da Galheta, em Laguna, foram judicializadas, algumas já estão em fase de sentença de demolição.  (Foto: Drone Jaguaruna)

Sá disse que nomeou Natalia Folster como assessora devido ao conhecimento especializado e experiência da advogada sobre regularização fundiária. “Não há qualquer vedação legal, nenhuma imoralidade, e muito menos choque de interesse”, explica. 

A deputada garantiu que a apresentação de Folster em reuniões e audiências nunca foi feita com qualquer referência ao governo catarinense, mas que o Estado esteve presente em eventos através da Secretaria de Meio Ambiente. O Intercept confirmou que é a Secretaria de Assistência Social o órgão responsável pela regularização fundiária. 

Em resposta ao Intercept, a advogada Folster negou ter vínculo formal com o governo de Santa Catarina. Segundo ela, o título anunciado nas audiências se refere ao cargo que ocupa no IBRF, uma entidade privada, e foi “sempre utilizado de forma clara”.

Folster negou conflito de interesses por atuar simultaneamente no IBRF, como representante das famílias e comunidades; estar associada à empresa Regularize, que presta serviços a prefeituras; e ocupar cargo no gabinete da deputada Sá.

“A atuação no gabinete, breve e limitada, se deu na condição de técnica especializada, com o propósito único de assistir e esclarecer sobre as especificações da regularização fundiária”, afirmou, tendo como objetivo “auxiliar tecnicamente e subsidiá-la [a deputada] nas reuniões específicas”.

Sobre a relação com a Regularize, afirmou que “a empresa citada não possui contrato com as prefeituras em questão”. Sobre a atuação do IBRF, disse que o instituto participa do debate “por iniciativa própria”, com o objetivo de esclarecer “a possibilidade de aplicação da regularização fundiária”, mas sem interesse político ou contratual.

Folster disse que “nunca se falou em nome de comunidades específicas”, apesar de ter dito em audiência no Congresso que é “a voz desse povo”. 

Ao ser questionada sobre o uso da Reurb em Áreas de Preservação Permanente, reconheceu que a regularização depende de estudos técnicos, justificativas sociais e avaliação de órgãos competentes, mas ressaltou que “a Reurb pode ser aplicada inclusive em áreas de proteção ambiental, desde que respeitados os critérios da lei”, justificou.

Por fim, rebateu às críticas de criação de falsas expectativas nas comunidades. Disse que nunca defendeu regularização “ampla e irrestrita” e que apenas esclarece os fundamentos legais.

O senador Esperidião Amin disse que apoia a conservação das baleias, mas evitou responder diretamente a perguntas sobre o PL, como a origem dos números de famílias impactadas —2 mil, segundo ele, e 50 mil, segundo a deputada Geovania de Sá— nem comentou sobre construções de alto padrão judicializadas em áreas protegidas por lei.

Apesar de afirmar que “ama as baleias” e se orgulhar da presença dos animais na região, Amin criticou a delimitação atual da APA. “Abocanha um terço do município de Jaguaruna sem fundamentação técnica”, afirmou, defendendo que o projeto de lei serve para permitir “a discussão”.

Ao ser questionado sobre consultas prévias ao ICMBio, MPF ou AGU antes de apresentar a proposta, respondeu apenas que “houve reuniões com a AGU” e reclamou da ausência de representantes desses órgãos em uma audiência pública com “3 mil pessoas” em Jaguaruna.

Sobre a possibilidade de usar instrumentos já previstos no plano de manejo para regularizar famílias de baixa renda, preferiu atacar o próprio plano: “Essas perguntas cabem a quem levou 18 anos para fazer um plano de manejo”, respondeu, afirmando que sua proposta busca um “equilíbrio entre a preservação ambiental e o direito das pessoas à moradia”.

Nós entramos em contato com a AGU, para saber, entre outras coisas, se o órgão é a favor da diminuição da proteção da APA; quais os auxílios ao texto dos projetos que Amin disse ter recebido e para entender a posição da instituição em relação aos processos de regularização fundiária em APPs. Em nota, o órgão se limitou a responder que “negocia com órgãos dos três poderes, entes federativos e sociedade para, por meio do diálogo, encontrar uma solução sustentável, legítima e duradoura com a segurança jurídica necessária”.

A senadora Ivete da Silveira garantiu ao Intercept defender que qualquer revisão dos limites da APA deve ser acompanhada por criteriosos estudos técnicos e ferramentas de gestão urbana e ambiental, para evitar especulação imobiliária e garantir que a regularização fundiária seja justa e sustentável.

E o senador Jorge Seif respondeu, via assessoria, que o PL em tramitação no Senado, além de regularizar áreas urbanas consolidadas há décadas, vai concentrar esforços no ambiente marinho, onde está o foco ecológico da APA. Além disso, vai beneficiar “áreas privadas em Imbituba, Garopaba e Jaguaruna, localizadas fora de áreas de preservação permanente, mas que, por estarem dentro da APA, enfrentam bloqueios para licenciamento, regularização e obras públicas”. 

Conselheiro da APA-BF, o professor Rodrigo Rodrigues de Freitas prevê a verticalização das praias caso se retire a proteção das partes terrestres. (Foto: Nilson Coelho/Intercept Brasil)

Procurado pela reportagem, Pedro Paulo Mendes Folster não quis conceder entrevista, apenas afirmou que “várias empresas” atuam na região da APA. A deputada Júlia Zanatta não respondeu os questionamentos da reportagem.

Essa não é a primeira tentativa de acabar com a APA da Baleia Franca. Em 2018, entidades empresariais da região entraram na Justiça para anular o plano de manejo da unidade de conservação. Alegaram prejuízos econômicos e ausência de participação popular. Perderam. A Justiça manteve a validade do plano e a proteção segue em vigor até hoje. Na mesa redonda da Câmara realizada em Jaguaruna por Geovania de Sá no mês passado, a maioria das entidades estava fazendo coro pelo fim da proteção terrestre. Agora, com novas frentes no Congresso, vereadores da região reagiram.

Um grupo de parlamentares de sete municípios protocolou um pedido formal de arquivamento do PL 849/2025 na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, denunciando a confusão proposital entre APPs e áreas da APA-BF. “A intenção é distorcer o debate e enganar a população”, afirmam os vereadores.

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