O que está acontecendo no Brasil é uma tentativa de golpe. Não se trata de uma nova tentativa após o fracasso do 8 de Janeiro. Não, o golpismo se tornou um processo permanente dentro da política partidária brasileira. Enquanto houver bolsonaristas com mandato, o golpe estará à espreita.
Trata-se de uma corrente política essencialmente golpista, em que a destruição do “sistema”— leia-se democracia — é um objetivo a ser alcançado a qualquer custo. Assim como o resto da extrema direita mundial neofascista que infesta o planeta, o bolsonarismo tenta impor sua vontade na base da força e da intimidação.
O que se viu nesta semana foi a Câmara e o Senado sendo sequestrados por parlamentares bolsonaristas que, revoltados com a prisão do seu principal líder, iniciaram um motim e impediram as casas de funcionar. Queriam em troca, resumidamente, a anistia para seus companheiros golpistas e a queda do juiz que está julgando seus casos.
Tudo isso enquanto o país está sob ataque político e econômico da maior potência do mundo: os Estados Unidos, que agem instigados por um parlamentar que abandonou o mandato – Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo – para agitar o golpismo do exterior.
As cenas que se viram durante todo o dia têm cara, gosto e cheiro de golpe. Na terça-feira, 5, deputados bolsonaristas se acorrentaram nas mesas da Câmara, interditaram os trabalhos e passaram a madrugada lá. No dia seguinte, fizeram um cordão humano para impedir o presidente da Câmara de assumir sua cadeira.
A deputada Júlia Zanatta, do PL de Santa Catarina, teve a coragem de levar o seu bebê recém-nascido para usá-lo como “escudo”, segundo suas próprias palavras. Já o deputado Paulo Bilynskyj, do PL de SP — aquele delegado cuja namorada se suicidou em circunstâncias muito mal explicadas — agrediu um jornalista na frente das câmeras.
Durante o empurra-empurra proporcionado pelos bolsonaristas, Nikolas Ferreira, do PL de Minas Gerais, golpista que só ele, inventou que foi agredido por uma deputada petista de apenas 49 quilos. Foi mais um daqueles shows de horror que só o bolsonarismo pode proporcionar. É tudo patético, cafona, ridículo, mas perigosamente golpista.
A ação foi instigada pelos nepo babies do golpismo, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, que ajudaram a direcionar os amotinados. Eles participaram ativamente do motim, fazendo ameaças aos presidentes da Câmara e do Senado.
Atuando como porta-vozes de Trump, esses vira-latas do imperialismo colocaram sobre a mesa a carta da Lei Magnitsky. Traduzindo: ou faz o que a gente manda, ou papai Trump vai ferrar com a vida financeira de vocês. A ameaça foi replicada por outros parlamentares.
Depois de muita negociação com os líderes partidários e o presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, os bolsonaristas aceitaram encerrar o motim. Os valentes retrocederam quando foram avisados que teriam os mandatos suspensos por 6 meses caso não saíssem.
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Mas, depois de 30 horas enfiando a faca no pescoço do refém e jurando que só sairiam dali se suas exigências fossem cumpridas, os golpistas não poderiam terminar o sequestro por baixo. Eles precisavam dar uma resposta para o seu público e sair dali com pose de vitoriosos. Decidiram, então, apelar para a especialidade da casa: meter o louco.
Enquanto Motta retomava os trabalhos, bolsonaristas comemoraram de maneira efusiva, como se tivessem ganho a batalha do dia. O líder do PL, Sóstenes Torres, anunciou pomposamente aos jornalistas que o motim havia sido interrompido após um acordo feito entre o presidente da Câmara e os líderes partidários.
Segundo ele, Motta garantiu as exigências dos bolsonaristas: a votação do impeachment de Moraes, do fim do foro privilegiado e da anistia aos golpistas. “Vencemos!”, gritavam os bolsonaristas ao lado de Sóstenes durante a coletiva.
Armou-se um grande teatro para encobrir o fracasso do sequestro. Políticos e militantes bolsonaristas festejaram nas redes sociais um acordo de mentirinha. No dia seguinte, tanto Motta quanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá, e lideranças partidárias negaram ter feito tal acordo.
Espancado pela realidade dos fatos, Sóstenes teve de dizer o oposto do que havia dito antes: não houve acordo. Não foi a metamorfose de um maluco beleza, mas apenas um golpista sendo golpista. “Não fui correto no privado, mas faço questão de vir em público e te pedir perdão”, confessou o cara que mentiu deliberadamente para manter uma narrativa vitoriosa.
Poucas horas depois, ele estava cantando vitória de novo em uma live com o nepo baby Figueiredo. É esse o nível da desfaçatez. O senador Magno Malta, do PL do Espírito Santo, que era um dos rebeldes mais entusiasmados, abraçou Alcolumbre e também pediu desculpas pelo o que fizera. Todos se borrando de medo de perder o mandato. Até a bravura dessa gente é fake.
Eles perderam essa batalha, mas não vão parar de ameaçar a democracia. Lembre-se: enquanto houver bolsonarismo haverá golpismo. O PL está estudando espalhar os motins pelas câmaras municipais das principais cidades do país. Certamente, não terão coragem para tal, mas a ameaça já está na mesa.
Eles precisam manter a pose de guerreiros revolucionários. Ainda mais agora que contam com o apoio de Trump, o homem que tem o exército mais poderoso do mundo à sua disposição. Não é à toa que os filhos de Bolsonaro ficam lembrando das bombas atômicas dos EUA. As ameaças do governo americano se tornaram quase diárias e estão coordenadas com as ações golpistas internas do bolsonarismo.
Muitos ainda não se deram conta de que o golpismo é o estado de espírito permanente desta turma. Muitos na imprensa estão dispostos a enxergar alguma legitimidade nessas ações do bolsonarismo.
Houve quem teve a ousadia de comparar o motim golpista desta semana com obstruções legítimas feitas por parlamentares de esquerda no passado. É como se a motivação golpista da obstrução desta semana fosse apenas um mero detalhe. É com esse tipo de falsa equivalência que os ataques à democracia vão sendo relativizados e naturalizados.
Motta e Alcolumbre já sinalizaram que não vão compactuar com o golpismo bolsonarista. Resta saber se agirão com o rigor necessário para punir os sequestradores das casas que presidem. Ou as principais lideranças do motim são punidas, ou teremos que lidar com novas ações golpistas no futuro. Não há alternativa. O 8 de Janeiro não acabou e não vai acabar enquanto esses canalhas não forem devidamente enquadrados pela democracia.
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