Indígenas Anacé protestam contra data center do TikTok no Ceará e pedem suspensão do licenciamento ambiental

Indígenas Anacé protestam contra data center do TikTok no Ceará e pedem suspensão do licenciamento ambiental

Grupo marchou até a Superintendência de Meio Ambiente do Ceará para exigir consulta prévia e criticar o uso de água. Área onde data center será instalado é território reivindicado pelo povo.

Indígenas Anacé protestam contra data center do TikTok no Ceará e pedem suspensão do licenciamento ambiental

A boiada da IA

Parte 8

O aumento da demanda por inteligência artificial tornou o Brasil especialmente interessante para fornecer infraestrutura para big techs. Vale a pena? Nossa série investiga o impacto da indústria de data centers no Brasil.


Um grupo de indígenas Anacé marchou e ocupou a Superintendência de Meio Ambiente do Ceará, a Semace, nesta segunda-feira, 4, em protesto contra o projeto de data center que a Casa dos Ventos e o TikTok querem instalar em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. 

Os Anacé denunciam a falta de consulta prévia e pedem que o processo de licenciamento ambiental do empreendimento, que está em curso na Semace, seja suspenso até que o protocolo seja garantido. Eles prometem permanecer no local até terem uma reunião com o superintendente da Semace, João Gabriel Rocha. 

“Em nenhum momento, o povo Anacé foi consultado e procurado acerca deste projeto. Para além da não-observância do protocolo de consulta, manifestamos nossa profunda preocupação com os impactos socioambientais que empreendimentos como data centers implicam, especialmente pelo uso intensivo de água e energia, o que representa risco ao direito à sustentabilidade de nosso território”, afirma a Organização dos Velhos Troncos do povo Anacé, a Japiman, em ofício que será entregue à Semace.

Em maio, o Intercept Brasil revelou o plano do TikTok de ocupar o data center que está em processo de instalação pela empresa Casa dos Ventos em Caucaia. Também mostramos que a cidade sofre com estiagem e seca recorrentes nos últimos 20 anos.

Nem a Casa dos Ventos nem o TikTok fornecem informações sobre os impactos do projeto, mas um relatório interno obtido pelo Intercept mostra que o data center prevê gastar em um ano energia equivalente a 2,2 milhões de brasileiros

“O data center nós não aceitamos, porque não houve consulta prévia, livre e informada respeitando nossos protocolos”, disse o cacique Roberto Anacé, liderança da terra tradicional, dentro do saguão da Semace. “Esta casa onde nós estamos [Semace] ofende nosso território”.

Após a chegada à Semace, o grupo de indígenas se dividiu: uma parte decidiu ficar aguardando a reunião com o chefe da Semace, enquanto a outra seguiu para o escritório da Funai em Fortaleza, onde também pretende entregar o ofício e o protocolo de consulta.

Entre 2019 e 2021, os Anacé estabeleceram um protocolo de consulta, conforme publicação no Observatório dos Protocolos de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado. O direito à consulta é garantido pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, da qual o Brasil é signatário.

Os Anacé que marcharam são da terra tradicional, uma área em Caucaia e São Gonçalo do Amarante que se sobrepõe parcialmente à área do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o Cipp, onde o data center vai ser instalado. A terra reivindicada por eles – e ainda não demarcada – é maior do que a área do Cipp.

Quando o Cipp foi instalado, no início dos anos 2000, os Anacé e outros povos tradicionais já estavam ali. Foi a instalação do complexo que levou os indígenas a estabelecerem um processo mais marcado de luta e resistência, inclusive com o pedido de demarcação de terras em 2003. 

O processo de demarcação já se arrasta há mais de 20 anos e, no meio do caminho, houve uma cisão entre os Anacé. Em 2013, indígenas Anacé de Matões e Cauípe assinaram um acordo com Ministério Público Federal, governos federal e estadual, Petrobras e Funai, que resultou na criação da reserva indígena Taba dos Anacés, deslocando 163 famílias para uma área fora da terra tradicional.

Mas uma parte dos Anacé não aceitou o acordo e optou por permanecer na terra tradicional. Eles hoje são representados pela Japiman, que reúne 28 aldeias e aproximadamente 1.500 famílias. Desde 2015, esse grupo vem realizando retomadas de terra e pressão em busca de acesso a direitos e serviços públicos, como escolas.

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Existem aldeias localizadas a menos de dois quilômetros dos principais empreendimentos do CIPP, mas, mesmo os que estão mais longe do data center a ser construído, preveem potenciais impactos pelo uso de água e energia do empreendimento.

Desde maio, o Intercept tenta saber detalhes sobre o data center em Caucaia. Ainda que a Casa dos Ventos tenha respondido de maneira genérica, dados específicos do projeto nunca foram informados. 

Questionamos a Semace sobre as reivindicações do povo Anacé a denúncia de que não houve consulta prévia aos indígenas. O órgão informou, em nota, que o superintendente vai dialogar com os representantes do povo Anacé e que isso “reforça o compromisso da Semace com a escuta ativa e o respeito aos direitos das comunidades tradicionais, inclusive no que se refere à consulta livre, prévia e informada, conforme determina a legislação vigente.” A Semace disse que divulgará novas informações e eventuais medidas após a reunião. 

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

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